Lisboa - É claro, neste momento, que a economia angolana vai ter um ano de 2018 negativo, apresentando números deprimentes.

Fonte: Club-k.net

Contudo, para 2019 as agências internacionais, cujas análises devem ser sempre estudadas com dúvidas, mas que apresentam uma base de raciocínio, apontam um crescimento na ordem dos 2,3% .

 

Para essa previsão optimista, contribuirão os efeitos do empréstimo de 2 mil milhões realizado à China, o apoio do FMI e o aumento do preço do petróleo.


Bem se vê que a estrutura desta previsão não convence. O empréstimo da China serve essencialmente para pagar à China, por isso vai fazer crescer a economia chinesa e não a angolana. O apoio do FMI costuma implicar medidas restritivas de corte de despesa e aumento da receita, por isso, no curto-prazo, terá efeitos recessivos, e o preço do petróleo não tem subida assegurada. Agora está a descer...Quer isto dizer que as previsões realistas para a economia angolana são pouco animadoras.


A RECESSÃO DE MASSANO


O que se passou no presente ano é que a política monetária e cambial lançada pelo Governador Lima Massano, assente na restrição da circulação da massa monetária e na desvalorização abrupta do Kwanza, teve efeitos restritivos imensos na economia. Provavelmente, a política monetária e cambial de Massano é a responsável pela presente recessão. Em termos simples. Desvalorizou o Kwanza, tirou dinheiro da economia...se, dinheiro não há economia moderna que funcione.


Diga-se, contudo, que Massano não é o único responsável pelo declíneo económico. Obviamente, que as medidas contraccionistas de Massano deveriam ter sido compensadas e complementadas por outras medidas liberazadoras e facilitadoras dos negócios a serem tomadas pela restante equipa económica. O problema é que parece não existir uma visão e um comando económico para o país.


Concentremo-nos nas propostas de Massano para a política económica. Como Massano nos brindou com duas entrevistas recentemente, ficámos bastante esclarecidos sobre a falta de rumo que está a ser imprimido na política económica nacional. Tudo está dependente do preço do petróleo e do FMI...

ENTREVISTA DE MASSANO À RNA: DESVALORIZAÇÃO E BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS


A primeira entrevista foi concedida à administradora da Rádio Nacional de Angola (RNA), Paula Simons. Depois das baboseiras sobre os gastos e o descontrolo no Museu da Moeda já desmontados por Rafael Marques, Lima Massano conduziu a entrevista para assuntos técnicos. Discorreu sobre a desvalorização em curso da moeda e a necessidade de substituição das importações por produção nacional. Sobre a desvalorização, o Governador referiu que o seu objectivo é a estabilização das condições macroeconómicas. Pode ser, contudo, a verdade é que a desvalorização tem contribuído para a instabilidade. Em quase todos os leilões, o valor do Kwanza decresce e não se sabe onde vai parar. E, como o próprio Massano aflorou, a desvalorização da moeda pode ter efeitos inflacionistas, que têm sido evitados em Angola devido a uma drástica redução da moeda em circulação. No entanto, essa redução tem um efeito colateral grave que é a compressão das possibilidades de crescimento económico, como já explicitámos acima.


À desvalorização, Massano liga o objectivo de substituir as importações por produção nacional. Vamos ver um exemplo da impossibilidade de concretização do objectivo de Massano a propósito da carne bovina. O mecanismo funcionaria da seguinte forma: como a moeda angolana perde valor, a importação de carne bovina fica mais cara, portanto, surgiriam em Angola produtores de carne bovina que se substituiriam aos estrangeiros e passariam a produzir essa carne a preços mais baratos no território nacional. Isto estaria tudo muito certo se existissem outras condições. A primeira é a seguinte. Muito provavelmente, para começar a produzir a carne bovina em grande escala em Angola é necessário vasto equipamento e maquinaria que tem que ser importado. Ora para importar esses bens de investimento, a moeda desvalorizada tem o mesmo efeito, torna-os mais caros. Portanto, para Angola começar a produzir carne bovina mais barata, tem que começar por importar maquinaria, e aí, a desvalorização já não ajuda.


Como veremos na outra entrevista de Massano ao Jornal de Angola, o próprio reconhece que a maioria dos factores de produção são importados (as máquinas, por exemplo) e por isso, com a desvalorização fica tudo mais caro.


O último tema, nesta entrevista radiofónica, que nos mereceu atenção na fala de Massano foi o repatriamento de capitais. A posição de Massano foi de “lavar as mãos como Pilatos”. Falou com voz mansinha atribuindo a iniciativa do tema ao Presidente da República e afirmando que o Banco central não tinha nada a ver com o assunto, nem dispunha de informação sobre o tema. Pelo que se ouviu Massano tem medo deste tema e não se quer meter.


No presente momento, o combate à corrupção e o repatriamento de capitais que saíram do país nas “barbas” do Governador do Banco central é um dever nacional em que todos os órgãos do Estado devem estar empenhados.


Obviamente, que por todo o mundo os bancos centrais têm um papel central na fiscalização dos movimentos ilícitos de capital. Basta ler o recente relatório de Julho de 2018 do FATF/GAFI,   a organização internacional informal de combate ao branqueamento de capitais, e o papel que se espera dos bancos centrais. Não se percebe, por isso, a postura descomprometida de Lima Massano.

ENTREVISTA AO JORNAL DE ANGOLA: DESCONHECIMENTO E FALHAS

Outra entrevista recente foi dada ao Jornal de Angola, a 13 de Novembro de 2018,na pessoa do jornalista Cristóvão Neto.


O jornalista começou por colocar a pergunta básica:”Como é que vai evoluir a reforma cambial?” A resposta de Massano é significativa do desconhecimento que tem das forças de largou com a desvalorização do Kwanza. Na realidade, não sabe o que vai acontecer e espera que o FMI “almofade” e corrija os efeitos perversos da política cambial. O mesmo descomprometimento acontece em relação à escassez de divisas.


Surpreendentemente, admite que a Quantum Global ( pertença de Jena-Claude Bastos de Morais, sócio de Zenú que está preso preventivamente devido à investigação dos desvios no Fundo Soberano) ainda gere dinheiro do Banco, embora insinue que esses contratos possam ser encerrados.


Não se percebe esta falta de consistência na actuação de Lima Massano em tudo aquilo que se refere ao que genericamente se tem chamado “combate à corrupção”. Não enfrenta directamente os problemas de branqueamento de capital, continua a trabalhar com Jean-Claude Bastos de Morais. No fundo, estará a confessar tacitamente que é um deles. Será isso?


Finalmente, sobre o dinheiro que o Banco Nacional perdeu com a intervenção no BESA e que aqui já se descreveu, noutros paragens,  o Governador entra em especificidades técnicas para iludir tolos. Massano diz que o Banco não concedeu crédito à ENSA, mas sim “acesso à liquidez” a um banco que tinha direitos de crédito sobre a ENSA. Isto quer dizer que o Banco Nacional emprestou dinheiro ao BESA suportados por créditos que o BESA teria sobre a ENSA. O problema é que a ENSA não pagou os supostos créditos e o Banco Nacional ficou sem receber. Nem dum, nem doutro. E efectivamente emprestou o dinheiro. Isto é uma trapalhada monumental. Vê-se perfeitamente que o BNA financiou a operação de captura do BESA recorrendo a artifícios que no fim vão custar milhões e milhões ao Estado.


No fim da entrevista, Massano acaba por reconhecer que “Tendo uma economia ainda muito dependente do sector petrolífero - que como referimos é a base de geração dos recursos cambiais para o país -, qualquer dificuldade com esse sector acaba por ser transversal à economia. Mesmo os operadores do sector não petrolífero com estrutura montada e capacidade produtiva relevante são reféns de factores de produção importados.”


Isto quer dizer que Angola continua completamente dependente do petróleo e que a desvalorização tornou proibitiva a importação de maquinaria e investimentos (e outros factores de produção) para relançar a economia.


Sem um longo e complexo ajustamento estrutural a economia angolana está num “beco sem saída”


É tempo de novas equipas e novas políticas. Há que fazer um corte definitivo com o passado.