Luanda - A tentativa de transferir a capital política e administrativa de Angola para o planalto central não é uma novidade. Ela teve a sua génese em 1923, com Vicente Ferreira, Governador Geral de Angola (1926-1928) que rebaptizou a cidade do Huambo para Nova Lisboa. E em 1933, ele afirmou: (...) Todas as considerações de ordem climatérica, sanitária, administrativa, política e económica, que tornam imprópria a cidade de Luanda, para servir de capital da moderna Angola (...).

Fonte: Club-k.net


Passados mais de 80 anos, tal afirmação continua válida e relevante. Existem ainda outras considerações que inviabilizam Luanda como a capital moderna de Angola, tais como, a demografia, a urbanização, o ambiente, a falta de infraestruturas básicas e a acessibilidade. Luanda foi concebida para acolher cerca de oitocentos mil habitantes, mas actualmente conta com uma população estimada em nove milhões de habitantes.


Todas as considerações anteriormente citadas são suficientes para o executivo em funções começar a reflectir e planear no curto, médio e longo prazo a fundação da futura capital de Angola no planalto- central, na zona entre as províncias do Bié, Huambo ou Huila, e não necessariamente na cidade do Huambo. O planalto-central tem grandes extensões de terras despovoadas que são ideais para a construção do novo centro político administrativo, sem a necessidade de requalificações, deslocações forçadas de populações ou expropriações de terrenos que requeiram indemnizações com valores avultados.


Vários são os argumentos contras e prós a transferência da capital: os contra vão desde a falta de o acesso ao mar, a Constituição da República, a crise económica e a preservação da divisão administrativa herdada da época colonial; Os argumentos a favor vão desde a desproporcionalidade demográfica, industrialização do interior, localização estratégica, e o clima.


Passamos a examinar os argumentos que se opõem a mudança da capital para o interior do país. A inexistência de uma costa marítima, ou acesso ao mar para o planalto central foi o mais forte argumento desmobilizador divulgado ao longos de várias décadas contra a transferência da capital para o Huambo, antiga Nova Lisboa. Certamente, o Huambo não tem as mesmas características geográficas que a velha metrópole, principalmente o acesso ao mar. O acesso ao mar não é situação “sino qua no” para que uma região seja eleita a capital de um estado ou república, se assim fosse, a capital do Brasil e dos Estados Unidos não seriam transferidas para Brasília e Washington D.C. respectivamente. No caso do Brasil, a busca de uma nova capital, teve o seu início ainda durante a época colonial. Por questões de segurança a cidade do Rio de Janeiro era vulnerável a ataques marítimos, por esta razão era necessário transferir a capital para o interior do país.


Em Angola, o Palácio da Cidade Alta, na colina de São José, o Futungo de Belas e o Morro da Luz são alvos fáceis a ataques por qualquer potência ocidental munida de força naval, necessitando apenas de se instalar no oceano atlântico. Tal potência mundial não precisaria aproximar os seus navios junto da consta angolana para exigir a capitulação do estado angolano ou imposição de condições. Maiores dificuldades ou resistência haveria, caso a capital estivesse instalada no planalto central, os sistemas modernos de defesa, dificultariam qualquer intensão de uma potência estrangeira de atingir o centro do país por meios aéreos ou marítimos. Apesar do mar ser relevante para o transporte de mercadoria, hoje já não o é quando se refere ao transporte de passageiros, a aviação está a encurtar as distâncias entre os povos e as nações.


A Constituição da República Angola é omissa quanto à possibilidade de transferência da sede do poder político administrativo, o que não é interdito é permitido.


A crise económica e financeira enfrentada por Angola por causa queda do preço do petróleo nos mercados internacionais, e a elevada dívida externa não devem ser factores inibidores para o início do debate público sobre a necessidade da transferência da sede do poder para outra região do país em que o planalto central seria a região ideal. Não é necessário ser economista para compreender que as crises não são eternas, e com uma gestão responsável, o executivo angolano poderá ultrapassar a presente crise no médio prazo. Esta crise deve servir de base para o executivo avaliar os altos custo da requalificação da cidade de Luanda nos Orçamentos Gerais do Estado ao longo de várias décadas, reabilitar sempre foi mais caro do que construir algo novo.


Por outro lado, os recursos propostos para construção de várias centralidades nas mais diversas províncias de Angola, poderiam e devem ter sido aplicados na construção de uma capital moderna. É importante realçar que a construção da sede do poder político não é projecto a ser implementado no curto prazo, mas o início da sua discussão ou consulta pública é urgente. A exemplo de Brasília, onde a discussão iniciou no período colonial, mas o lançamento da primeira pedra ocorreu em 1922, nas comemorações do centenário da independência do Brasil, o projecto arrancou verdadeiramente em 1956 com o presidente Juscelino Kubitschek. O processo de discussão levou séculos, mas a sua construção foi concluída em quatro anos.


O argumento da necessidade de respeitar e manter a divisão administrativa herdada do tempo colonial é pouco convincente, pelo facto do Estado angolano não respeitar na totalidade a divisão administrativa herdada do sistema colonial. Com a independência de Angola, a província de Luanda foi dívida em duas partes, dando lugar ao surgimento da província do Bengo, a Lunda foi dívida em norte e sul. Nos últimos anos têm se levantado vozes no Ministério da Administração e Território e de algumas autoridades tradicionais que defendem igualmente a divisão das províncias do Moxico e do Kuando-Kubango, devido a vasta extensão desses territórios.


Depois de analisarmos cada um dos argumentos contra, passamos a avaliação dos argumentos que sustentam a mudança da capital para o planalto central. Começamos por destacar a desproporção demográfica de Angola, com um litoral densamente habitado e um interior despovoado. Luanda absorve mais de 30 porcento da população de todo país, estando a rebentar pelas costuras, devido a falta de infraestruturas básicas, condições aceitáveis de saneamento e mobilidade, em suma, não há qualidade de vida em Luanda. A possível transferência da capital para o planalto central traria várias vantagens, entre elas a reversão da emigração para a zona litoral e consequente atracção das populações para o interior do país.


O segundo argumento é o da necessidade da industrialização do interior do país. Coincidentemente, este foi um dos argumentos que contribuiu para a transferência da capital do Brasil para o planalto central daquele país. Em Angola, as poucas industrias existentes estão localizadas em Luanda ou nas províncias do litoral. É imperioso levar a industrialização de Angola para o interior, para a redução das assimetrias regionais e o combate a litoralização das populações. O centro do país detém várias extensões de terras férteis, recursos minerais e hídricos. O planalto central tem condições privilegiadas para albergar as mais diversas industrias que poderão contribuir para industrialização do país e a produção dos materiais de construção para a futura e moderna capital de Angola. Não se pode pensar construir uma cidade com base em matérias primas e materiais de construção importados, como o processo que ocorreu com construção das centralidades. Como é possível conceber que a conclusão da construção de várias centralidades em várias províncias não deixou a herança de uma indústria nacional forte para a produção de matérias de construção.

 

O planalto central é um ponto estratégico pelas seguintes razões: a primeira está relacionada com a sua de per si, localização estratégica, isto é, localizar-se no centro do país, com facilidade de acesso terrestre a quase todas regiões do território nacional, e aos países limítrofes. Ele é atravessado pelo caminho-de-ferro de Benguela, uma via de comunicação internacional, ligando Angola ao Congo Democrático, e futuramente a República da Zâmbia.


Por último, temos a questão do clima, um elemento fundamental na determinação da qualidade de vida duma determinada população. O planalto central apresenta um clima temperado tropical, com uma temperatura média anual de 19o C, e uma precipitação média de 1.750 milímetros As baixas temperaturas oferecem óptimas condições de habitabilidade, sanidade e atração turística. E a regularidade das chuvas fornecem condições ideais para o desenvolvimento da agricultura e a pecuária.


Os argumentos prós e contras a transferência de uma nova e moderna capital para Angola, abrem a porta para o início de um diálogo sem preconceitos que venha a envolver as mais diversas forças vivas da sociedade civil, e o seu resultado deverá engajar o posicionamento dos vários partidos com acento parlamentar, bem como o Titular do Poder Executivo.

Alfredo Rodrigues