Luanda - O princípio da liberdade religiosa deriva da liberdade de pensamento exteriorizada em uma forma de manifestação. Ela compreende a liberdade de crença, liberdade de culto, liberdade de organização religiosa e liberdade de expressão, e abrange a liberdade de escolha da religião, liberdade de mudar de religião, liberdade de não aderir a religião alguma e liberdade de ser ateu. A liberdade de culto, abrange a liberdade de orar e a de praticar actos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público.

Fonte: Club-k.net

A Declaração Universal dos Direitos Humanos define no seu artigo 1o que “todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos.” Estes direitos são naturais cuja fonte é a lei divina e não humana. Segundo o dicionário de direito “a liberdade de religião e de culto como direito natural é universal, anterior ao Estado e superior a este. Ele está impregnado na natureza e emanado por uma ordem e razão divina e são imutáveis.” A liberdade religiosa e do culto como direito natural já nasce com o ser humano, e não são dádivas de nenhum Estado ou Governo.


A Declaração Universal dos Direitos Humanos define no seu artigo 18o, que "Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião". Os artigos 19o e 20o reforçam o direito à liberdade religiosa e liberdade de culto. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a "liberdade de religião" refere-se a tolerância de diferentes sistemas e confissões de crenças teológicas, enquanto a expressão "liberdade de culto" representa a liberdade individual. Ambas as formas de liberdade sempre existiram em diferentes níveis ao longo da história da humanidade. Em Angola estas diferentes formas de religião e de culto já existiram antes do desembarque da confissão cristã nas caravelas da colonização, escravatura, exploração e assimilação “civilizadora.” É totalmente errado pensar e afirmar que a cultura religiosa do povo Angolano é cristã de uma ou de outra natureza.


A liberdade de consciência e pensamento, de crença e de opinião representa o fundamento sobre a qual se busca a construção de uma sociedade livre, plural, tolerante e inclusiva para todos os habitantes de um país. A ignorância, rejeição e o desprezo dos direitos humanos sempre foram as causas dos males públicos que produziram e sustentaram a repressão, corrupção e impunidade dos governantes. A liberdade religiosa e a liberdade de culto são direitos constitucionalmente garantidos e protegidos e não podem de forma alguma serem regulamentados com leis restritivas, repressivas, exclusivistas e preferenciais que directamente intentam contra a existência e prática dos mesmos.


A questão da liberdade religiosa e de culto é extremamente complexa e delicada. É complexa porque a compreensão desse tema exige uma abordagem interdisciplinar que vai além da ciência jurídica (direito), e que deve envolver também, a história, a teologia, a antropologia, a ciência da religião e a filosofia, e nada tem a ver com opções políticas e muito menos policiais. Em Angola, a Liberdade religiosa é um assunto profundo, muito sério e polémico porque revela o desafio de conviver-se em uma sociedade `supostamente` pluralista, em que a intolerância religiosa ainda está presente nos vários sectores do país.


Na abordagem e busca de soluções para o desafio da liberdade religiosa e liberdade de culto, não se pode de maneira alguma limitar-se na aprovação de leis repressivas e de exclusão, preferenciais e discriminatórias contra pessoas ou grupos de cidadãos que no exercício do seu direito natural e constitucional são definidos como minorias religiosas perseguidas por um Estado e governo laico. A adopção destas leis fará de Angola um país intolerante e de justiça de tábua-rasa, igual á certo países que utilizam leis religiosas radicais e extremistas para impedir qualquer actividade missionária cristã, recorrendo á perseguição, força, violência e violações contra cristãos e missionários que são presos e torturados, e libertados apenas após a sua morte.


A Constituição da República de Angola no seu artigo 13o, na alínea 1 define que “A República de Angola é um Estado Laico havendo separação entre o Estado e as Igrejas”; Alínea 2 define a garantia de que “As religiões são respeitadas e o Estado dá protecção às igrejas, lugares e objectos de culto, desde que não atentem contra a Constituição e a ordem pública e se conformem com as leis do Estado.” Primeiramente é obrigação e responsabilidade do Estado e Governo Angolano respeitar, garantir e proteger este direito natural e constitucional e não restringir, reprimir e perseguir aprovando leis que violam a Constituição. A Constituição de Angola proíbe a discriminação com base na crença e religião. O Governo de Angola é secular (laico) e não pode ter preferências religiosas protecionistas mesmo que os seus membros sejam crentes de certas denominações religiosas.

É bem verdade que nem tudo andava ou anda bem em muitas igrejas cristãs em particular, incluindo as igrejas milenares, centenárias ou tradicionais. Existe muita delinquência religiosa, falsidade, oportunismo, extorsão, aproveitamento e enriquecimento fácil. Hoje o cristianismo transformou-se em uma máquina de compra e venda. Muitas “ditas” igrejas cristãs transformaram-se em supermercados, o evangelho e os milagres são os produtos de venda, os pastores e diáconos são os caixas e o povo a clientela que vem comprar. Estes desafios e problemas não existem só com as novas igrejas ou as chamadas neopentecostais,
A verdade é que as chamadas milenares, centenárias e tradicionais também têm os seus problemas e erros muitos deles bem encobertos que também são nocivos à sociedade moderna e democrática. Por isso, o problema fundamental da liberdade de religião e do culto não pode residir simplesmente no reconhecimento ou não de uma igreja ou religião, mas sim em fazer a coisa certa e correcta. Biblicamente, aprendemos que Deus sempre faz novas todas as coisas e Deus não está limitado como está o ser humano. Angola necessita sim de uma lei de liberdade religiosa e de liberdade de culto, que possibilita um enquadramento jurídico e legal apropriado, justo, realista, tolerante e inclusivo de todas religiões e igrejas sem restrições, sem preferências, nem restrições ou exigências exageradas e de exclusão.


A liberdade de consciência (pensamento), de religião e de culto é inviolável e garantida a todos os cidadãos de acordo com a Constituição, Declaração Universal dos Direitos do Homem e o direito internacional aplicável. Por isso ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou práticas religiosas. Os deputados à Assembleia Nacional, como legítimos representantes do povo, não podem aprovar uma lei que discrimina, exclui igrejas ou comunidades religiosas a favor das outras. As igrejas cristãs e demais comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto. Por isso o Estado Angolano não pode adoptar qualquer religião, pronunciar-se sobre questões religiosas e muito menos usar fundos públicos para financiar e beneficiar certas igrejas e religiões preferenciadas e protegidas. Isto também deve ser considerado corrupção religiosa e crime de colarinho branco.


A forma como funciona a “democracia” Angolana sem pluralismo e sem alternância política e governativa é a mesma forma como se pretende organizar e fazer funcionar a espiritualidade do povo impondo religiões e igrejas da preferência e protecção do Governo. Em Angola é mais fácil formar-se um partido político com cinco mil assinaturas mesmo que nunca ganhe as eleições do que constituir uma igreja, mosque ou templo que discriminatoriamente e de forma de exclusão explícita tem de apresentar cem mil assinaturas. É mais fácil ser político, membro ou militante de um partido político em Angola do que ser um cristão ou um religioso. O Governo criou facilidades para formação de partidos políticos e intencionalmente cria dificuldades para a expressão da liberdade religiosa e do culto, que é um direito natural.


O conceito básico da Teologia Bíblica de igreja nas próprias palavras de Jesus Cristo é “onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em seu nome, Ele próprio está presente.” Este conceito bíblico e espiritual nunca será entendido por mentes alicerçadas na paranoia do controlo do pensamento e opinião e da definição de inimigo todo aquele que pensa, fala e anda diferente. A sociedade Angola, em particular certos políticos e governantes ainda se alimentam da crença de que para governar “bem” é necessário restrição, exclusão, discriminação e preferências de uns contra os outros. George S. Patton, oficial do exército americano durante a segunda guerra mundial, dizia que “se todos estiverem a pensar a mesma coisa, então ninguém está pensar.”


Não basta este direito natural estar contemplado na Constituição de Angola e em outros instrumentos internacionais de Direitos Humanos. É importante que a lei que está sendo proposta e discutida para ser aprovada pelos senhores deputados na Assembleia Nacional não viole, restrinja nem discrimine o que a Constituição estabelece. Os deputados não podem aprovar leis que violam a Constituição e são contra as liberdades e direitos naturais e fundamentais dos cidadãos Angolanos.


A Liberdade religiosa e liberdade de culto em Angola é ainda um verdadeiro mito assim como é a democracia plural, tolerante, inclusiva, participativa e de alternância política e governativa. A organização do Estado Angolano continua a ser forçosamente estruturada nos princípios do pensamento único e comportamento uniformizado e não da pluralidade e diversidade da sociedade. Só há liberdade de religião e liberdade de culto num país democrático e de direito, plural, tolerante e inclusivo.

*Elias Mateus Isaac, Mestre em Teologia