Lisboa - Numa visita surpresa, tão de surpresa que nem os seguranças sabiam para onde iam, o Presidente português visitou na manhã desta segunda-feira o Bairro da Jamaica (Seixal), uma das áreas mais degradadas do concelho e onde centenas de famílias estão a aguardar o realojamento.

Fonte: Lusa

De volta ao topo das noticias depois de um incidente a 20 de janeiro entre agentes da PSP e alguns moradores - a família Coxi - que levaram a uma detenção e a acusações de racismo e excesso do uso da força por parte dos polícias, os habitantes do Jamaica foram surpreendidos por volta das 12.00 com a chegada ao bairro de dois carros estranhos à zona. E mais surpresos ficaram quando de um deles saiu Marcelo Rebelo de Sousa, que assim cumpriu o que tinha admitido na altura dos incidentes: mais dia, menos dia iria visitar o Jamaica.

 

Neste tempo que passou no bairro, segundo contaram ao DN, Marcelo deu abraços e beijos, tirou selfies, foi ao café e pagou bebidas a quem por lá estava - ele bebeu água - e entrou em algumas casas. Habitações que tinham as televisões praticamente todas sintonizadas na SIC e no programa de Cristina Ferreira. Pelo meio surgiram duas idosas que lhe garantiram: "Isto aqui é tudo boa gente."

 

Encontrou ainda a família de Fernando Coxi, pai de Hortêncio que foi agredido e detido pela PSP na sequência dos incidentes com a PSP, e teve tempo para dar um beijo à mãe de Hortênsio. Ela disse que levou uma bofetada de um polícia e Marcelo deu um beijo na bochecha que ela apontou.

 

Fernando Coxi contou ao DN que apresentou a família ao Presidente e que não lhe falou no sucedido naquela manhã de domingo, dia 20 de janeiro, mas que ainda pensou em fazê-lo. "Quando ele ia a sair apresentei-me e à minha família e pedimos para tirar uma foto. Não falámos daquilo, era para lhe ter falado, para desmentir as histórias dos polícias, mas não falámos nada. Ele [o PR] foi ao bairro para ver o trabalho que se está a fazer, foi ver os prédios onde as pessoas vivem", disse.


Esta segunda-feira foi o momento escolhido de forma repentina, segundo soube o DN. Tão repentina que nem os seguranças que acompanhavam o Presidente sabiam onde iam quando o viram mudar de direção no trajeto que cumpriam desde Cascais.

 

"Ele vinha a conduzir, sozinho. Chegaram aqui e saiu um segurança que me chamou e disse 'estamos aqui com o Presidente. Eles não sabiam quem eu era, apresentei-me e o Presidente começou a fazer perguntas", contou ao DN Salimo Mendes, vice-presidente da Associação de Moradores do Bairro de Vale de Chícharos, mais conhecido como Jamaica, e cujas casas inacabadas foram ocupadas nos anos 80 do século passado por famílias maioritariamente oriundas de África.

 

"Foi uma surpresa, mas assim é melhor. Ele abraçou as pessoas, tirou selfies, entrou em casa das pessoas e foi ao café, pagou bebidas a todos os que estavam no café", acrescentou o dirigente, que passou parte do tempo em que o DN esteve com ele a receber telefonemas para falar sobre esta visita.

 

Marcelo Rebelo de Sousa esteve cerca de uma hora no bairro e durante esse tempo visitou o Centro Comunitário Criar-T, uma associação que tem uma creche, um gabinete de ação social e um centro lúdico, onde os jovens estão quando não têm aulas e onde fazem atividades e recebem apoio, por exemplo, nos trabalhos escolares.

 

"O Presidente pediu licença para entrar e veio aqui ver com os próprios olhos o bairro", adiantou ao DN Salgueiro Silva, um jovem que trabalha na associação. "O bairro é calmo e os jovens estão a encaminhar-se, temos de mostrar o positivo [do Jamaica]", insistiu. Contou ainda que Marcelo Rebelo de Sousa entrou nas instalações da Criar-T, dividida em três espaços autónomos, e foi falando com as pessoas, nomeadamente com as crianças. Esta atenção às crianças foi também destacado pelo dirigente da associação de moradores. "Ele visitou a creche por onde passam todas as nossas crianças. Ele ama as crianças, conviveu com elas lá", frisou.

 

Salimo Mendes conta que o Presidente estava interessado, essencialmente, em saber como estava o processo de realojamento iniciado em dezembro com a saída dos habitantes da torre 10, onde viviam 187 pessoas que foram colocadas em 64 habitações do concelho. "A preocupação dele era o realojamento. Disse que tem de ser acelerado, em vez de estar terminado em 2022 pode ser que esteja em 2020. Quis saber quais os lotes que vão ser realojados a seguir e dissemos que eram os 13,14 e 15 - são cerca de 70 famílias", explicou o homem que, do conhecimento que tem dos seus 24 anos de morador no bairro, guiou Marcelo pelas ruas de terra com água a escorrer por pequenos canais e pelas casas inacabadas de tijolo.

 

"Passámos também pela nossa sede", diz apontando para um edifício no meio do bairro, junto a um parque infantil com dois equipamentos para as crianças brincarem. E acrescenta que esta "foi uma boa visita, é verdade que relâmpago, mas das boas. Com esta visita ele ficou a conhecer melhor a população. Foi uma visita calorosa".

 

A visita do Presidente apanhou todos de surpresa e depois de ele sair não ficaram com muita vontade de falar sobre o assunto, ao ponto de apesar de todos dizerem que tiraram fotos com Marcelo não ser fácil fotografar as pessoas que têm essas imagens. É bem mais simples encontrar as imagens publicadas na rede social facebook.

 

Tirar fotos poucos aceitaram e falar muito menos. Quem aceitou ficou-se quase por uma frase tipo "ele é que falou, nós só tirámos fotos e demos abraços". Foi o caso de duas mulheres que sentadas junto a uma das tascas do bairro recusaram ser fotografadas apesar de uma delas estar ao telemóvel a contar a alguém que tinha uma foto "com o Presidente, agora vou imprimir e depois fazer um quadro".

 

A que aceitou dar o nome, disse que se chamava Bernarda, garantiu que se o Presidente não quis levar a comunicação social com ele era para não se falar muito do bairro e por isso não queria muita conversa. Mas sempre acabou por dizer que lhe tinha "dado um abraço e tirei uma foto com ele e a minhá neta" "Ele é do povo, gosto bué dele, é um querido e vou votar nele quando voltar a candidatar-se", concluiu.

 

Pelo menos esta segunda-feira a música que saia do sistema de som de um carro estacionado junto a um dos prédios ainda habitado e das colunas da aparelhagem do café onde esteve Marcelo - ambas audíveis à distância - era bem animada e justificada. A passagem do "Presidente dos afetos" marcou as pessoas - "foi uma visita calorosa. Ele andou à vontade, abraçou todas as pessoas", sublinha Salimo Mendes que o convidou para estar presente na próxima festa da associação - e deixou esperança que o realojamento iniciado pela Câmara do Seixal vai estar "vigiado".

 

Depois desta hora dedicada a este bairro do Seixal, e de acordo com as informações recolhidas pelo DN, Marcelo Rebelo de Sousa voltou para Lisboa e acabou por ir almoçar umas sandes a um café junto à Ponte 25 de Abril. Isto antes de ligar ao presidente da autarquia seixalense, Joaquim Santos, para explicar que a decisão de ir sozinho sem avisar foi uma forma de não comprometer ninguém com a visita e eventuais opiniões expressas durante aquela hora.

 

Marcelo Rebelo de Sousa é assim o segundo político a visitar aquele bairro, depois de incidentes que envolveram moradores e a policia e que até já deram origem a averiguação da própria PSP. Pedro Santana Lopes também visitou o bairro mas, ao contrário do Presidente, avisou os jornalistas.


Sindicato da PSP critica visita de Marcelo ao bairro da Jamaica


"Nada contra ele ir à Jamaica ou onde ele quiser, mas menosprezar quem produz segurança no País e nunca ouvir uma só palavra em favor destes profissionais é um sinónimo do desprezo completo"


Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), criticou esta segunda-feira o Presidente da República pela sua visita ao bairro da Jamaica, no Seixal.

 

"Sinto-me descriminado... Já pedi ao Presidente da República reunião, já pedi que interviesse para resolver questões da Polícia, já o convidei várias vezes, publicamente, para aparecer um dia, sem avisar, e junto com uma patrulha, fazer um turno de serviço e ir resolver ocorrências, ele nunca aceitou. Mas foi ao bairro da Jamaica!", começa por escrever Paulo Rodrigues, no Facebook, acrescentando ainda que se a ideia do chefe de Estado era “ver edificações degradadas, podia ter ido à Calçada da Ajuda em Lisboa ou à Bela Vista do Porto, que em matéria de instalações vergonhosas ganham à Jamaica".

 

"Nada contra ele ir à Jamaica ou onde ele quiser, mas menosprezar quem produz segurança no País e nunca ouvir uma só palavra em favor destes profissionais é um sinónimo do desprezo completo", acrescentou.

 

O responsável termina o texto dizendo que Marcelo é "um PR de quase todos os portugueses".

 

Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa visitou esta segunda-feira o bairro da Jamaica, mas a visita não constava da agenda oficial pública. A informação foi confirmada por fonte do Palácio de Belém.

 

Além de Marcelo Rebelo de Sousa, só Pedro Santana Lopes, líder do partido Aliança, visitou o bairro, há uma semana.