Luanda - “Estamos uma vez mais reunidos nesta sala para travarmos mais uma daquelas conversas abertas e sem fronteiras sobre diversos aspectos da vida nacional”, palavras do presidente da UNITA, Isaías Samakuva, durante a sessão de introdução no encontro que teve hoje com os jornalistas na cidade de Luanda.


Fonte: UNITA/Club-k.net

O líder da UNITA, ainda durante a sua intervenção recordou que “desde que o senhor Presidente da República introduziu a ideia de um modelo atípico na eleição presidencial”, todas as intervenções de fórum politico a nível nacional tem se debruçado em torno deste tema.


Acompanhe a seguir, a intervenção integral do presidente da UNITA:

 


Isaías Samakuva
Presidente da UNITA
24/09/09


CONVERSA COM  JORNALISTAS AOS
24 DE SETEMBRO DE 2009


Senhoras  e senhores Jornalistas,
Minhas senhoras e meus senhores,


Estamos uma vez mais reunidos nesta sala para travarmos mais uma daquelas conversas abertas e sem fronteiras sobre diversos aspectos da vida nacional. Agradeço a vossa presença  e espero que, como sempre, ninguém se sinta coibido de levantar temas ou de colocar questões actuais,  pertinentes e de interesse nacional.


Vou, em geito de pontapé de saída, recordar que nas últimas semanas, a situação política do nosso país continuou – creio que ainda vai continuar- a ser dominada pelo debate sobre o modelo das eleições presidenciais, o horizonte temporal da sua realização e  a sua ligação com o processo da elaboração da nova  Constituição da República.


Este debate tomou novas dimensões desde que o senhor Presidente da República introduziu a ideia de um modelo atípico na eleição presidencial que é,  segundo ele,  próximo do modelo sul africano que, como se sabe, se processa num sistema de governo parlamentar ou seja, contrário ao sistema proposto pelo MPLA.


Nessa altura, a questão que se colocou era de saber se o senhor presidente da República que é também presidente do MPLA estava  a reforçar a sua já rejeitada ideia da eleição indirecta, colidindo com o Artº. 159 da presente constituição ou se, o que estava a fazer,  era convidar-nos para um diálogo sobre este assunto particular  de âmbito constitucional.


Desde então, muita tinta tem corrido sobre este assunto e muitos argumentos têm sido esgrimidos. No meio disso tudo, importante é salientar a consolidação da ideia da necessidade de se encetar conversações entre diferentes forças políticas e não só, com vista a encontrar-se soluções  para propostas divergentes sobre algumas questões mais fulcrais da futura constituição.


Este assunto parece, portanto, ser ainda da actualidade, tanto mais que no debate contínuo a que se assiste, vai surgindo questões que urge esclarecer para que os cidadãos estejam global e devidamente  informados sobre os meandros deste processo constitucional e sobre as diferentes propostas de constituição existentes.


A título de exemplo, achamos necessário afirmar que identificamos cinquenta e três diferenças entre a nossa proposta de constituição e a do MPLA. Estas diferenças são notórias mesmo naquilo que, de princípio,  parece coincidente como é o caso do sistema de governo.


Verificamos, também, que na evolução que o debate está a ter, colocam-se agora, como preocupações, questões que têm haver com  a gestão do período de transição entre a vigência da actual e o início da vigência da nova constituição.


A este respeito, a UNITA apresentou à Comissão Constitucional, na devida altura, como adenda ao seu Ante - -Projecto de Constituição,  uma proposta sobre disposições transitórias que estabelecem, por exemplo, que a eleição para a normalização do órgão de soberania Presidente da República deveria ter lugar em 2009, nos termos dos compromissos assumidos e da legislação em vigor e que, por conseguinte, o mandato do actual Presidente da República, deveria terminar em 11 de Novembro de 2009. Vidè cópia da referida proposta.


Interessa mencionar que, como aliás já havíamos também  anunciado aqui, a UNITA escreveu para o Tribunal Constitucional na busca do parecer deste órgão sobre a constitucionalidade de algumas situações verificadas no processo constitucional.
 

Numa carta que nos foi endereçada, em resposta, o Presidente do Tribunal Constitucional informou-nos que O Plenário do Tribunal Constitucional reuniu-se para apreciar a  nossa carta sobre o processo constitucional e considera que “as preocupações manifestadas na exposição são pertinentes, importantes e constitucionalmente relevantes...”. Porém, o Tribunal considera que  só poderá debruçar-se sobre as questões levantadas e pronunciar-se sobre elas, se forem colocadas por um órgão competente de soberania, como a Assembleia Nacional, nos termos da Lei processual vigente.


Acontece que, como já havíamos anunciado também, a  UNITA já enviou no passado dia 11 do corrente, uma carta ao Presidente da Assembleia Nacional acompanhada de um projecto de requerimento para a Comissão Permanente da Assembleia Nacional remeter ao Tribunal Constitucional.


Trata-se de um “Pedido de consulta sobre a concretização da Constituição, por força do Acórdão do Tribunal Supremo datado de 22 de Julho de 2005 (Processo 12 Constitucional), dos actos do Presidente da República relativos ao processo constituinte e por omissão das medidas necessárias para tornar exequíveis a eleição do titular do órgão representativo Presidente da República, prevista nos Artigos 57° e 61º da Lei Constitucional.”


No documento, apresentamos a cronologia dos factos, os argumentos de direito e formulamos um pedido de pronunciamento sobre 11 (onze questões):


“Em Dezembro de 2008,” lê-se no documento, “o Presidente da República, utilizando uma plataforma político-partidária, introduziu na psicologia política social da Nação, por via de um discurso, uma condicionante a um princípio organizador estruturante da República, a democracia, ao condicionar a eleição do titular do órgão Presidente da República a uma norma constitucional futura, inexistente. Não sendo a democracia, como princípio organizador e estruturante da República de Angola, susceptível de qualquer limitação, desvio ou condicionante que se pretenda introduzir por via legislativa ou outra,” o Presidente da República tem competência e legitimidade para condicionar o cumprimento, agora, da Lei Constitucional, à aprovação, no futuro, de uma norma inexistente?


Analisamos também os efeitos da decisão do Tribunal Supremo, tomada em 22 de Julho de 2005, segundo a qual, o actual Presidente da República não cumpre um mandato democrático. Ao deliberar que,


‘O mandato do Presidente da República só pode começar a contar a partir do momento em que se realizem eleições presidenciais conclusivas no País’, e não estabelecer uma data vinculativa para a conclusão do longo período de transição que o Presidente da República em exercício preside, desde 1992,


Questionamos, portanto, se o Acórdão do Tribunal Supremo de 22 de Julho de 2005, transforma ou não, no plano real, a inexistência dessa data numa omissão inconstitucional que torna inexequíveis as normas constitucionais relativas à eleição presidencial?


- Ao interpretar que o actual Presidente da República não cumpre um mandato democrático, o Acórdão do Tribunal Supremo de 22 de Julho de 2005, anula ou não, a norma estabelecida pelo número 1 do Artigo 61° da Lei Constitucional?


Relativamente às eleições presidenciais,  colocamos sérias questões para os juízes decidirem, em nome do povo angolano e perante o povo angolano:


a) Se o 24° Conselho da República já recomendou, e o Presidente da República aceitou, a realização de eleições presidenciais em 2009;

b) Se, em 7 de Maio de 2008, a Comissão Nacional Eleitoral já comunicou ao Presidente da República, estarem criadas as condições para a realização de eleições;
c) Se as eleições legislativas já foram realizadas em Setembro de 2008;
d) Se no ano passado a Assembleia Nacional incluiu no Orçamento dinheiro para realizar eleições presidenciais em 2009;
e) Se todas as condições jurídicas estão criadas para se terminar o mandato do seu Presidente da transição;


1. A não convocação da eleição do Presidente da República, nos termos da Lei Constitucional, constitui ou não uma omissão inconstitucional atentatória aos fundamentos do Estado Democrático de Direito?


2. A Lei Constitucional vigente (a mesma que permitiu a realização de duas eleições, em Setembro de 1992 e em Setembro de 2008) serve ou não para o povo angolano eleger o seu representante para o exercício democrático do cargo Presidente da República?


Pedimos, ainda, ao Tribunal para dizer quem, em Angola, tem competência para decidir até quando o Presidente Eduardo dos Santos deve continuar no poder.


Perguntamos também “qual é o órgão da República competente para dispôr sobre o mandato do actual Presidente da República, prorrogado pelo Artigo 5º da Lei n 23/92, de 16 de Setembro e estabelecer uma data vinculativa para o seu termo? 


A questão dos limites impostos ao poder constituinte pela Lei Constitucional vigente também foi colocada ao Tribunal Constitucional:


“Pode a Assembleia Nacional delegar ou alterar a competência que lhe é atribuída pela alínea (a) do Artigo 88º e pelo Artigo 158º da Lei Constitucional, para elaborar e aprovar a Constituição da República de Angola e, ainda assim, observar a jurisdicização do poder constituinte?


Permite a Lei Constitucional que a Assembleia Nacional ou o Presidente da República altere a disposição constitucional que obriga a aprovação da Constituição de Angola por uma maioria superior a 2/3?”


Por fim, e porque tudo está relacionado,  pedimos ao Tribunal Constitucional para clarificar se o Presidente da República em exercício pode ou não pode dissolver a Assembleia Nacional:
 

“O Presidente da República em exercício é ou não é o Presidente da República interino no decurso do mandato do qual o nº 1 do Artigo 95º da Lei Constitucional estabelece que a Assembleia Nacional não pode ser dissolvida?”


As respostas a estas questões vão permitir decidir já agora se Angola deve fazer primeiro eleições presidenciais ou aprovar a Nova Constituição. Se a Lei Constitucional vigente vale ou não vale. Se teremos eleições directas ou indirectas. Se o mandato do Presidente da República deve terminar ou não, e quando, e quem é que tem poderes para decidir isso.


Todas as nossas atenções vão se voltar agora para a Assembleia Nacional e esperamos que este órgão de soberania bem assim como o Tribunal Constitucional aproveite esta oportunidade histórica para mostrar ao mundo a sua independência. 


Há, certamente, outras questões de interesse. Não procuro com esta longa introdução limitar a nossa conversa a esta questão. Procurei apenas demonstrar o interesse e a importância que atribuo a este asunto que, como disse, tem dominado o debate político no País.


Muito obrigado pela atenção.