Luanda - Insegurança de Posse da Terra: O Desenvolvimento não Pode Ter Lugar em Contexto de Permanente Insegurança de Posse e Défice de Gestão Estratégica e Vigilância ao Risco e Vulnerabilidade Sócio-espacial e Ambiental.


Fonte: Club-k.net

Nota Prévia: 1. Em Angola a «terra é um critério de cidadania e um activo económico que o cidadão angolano pode ter para promover o seu desenvolvimento» (II parágrafo do Preâmbulo do Decreto Presidencial no 216/11 de 8 de Agosto). O presente Manifesto, que foi concebido e produzido no âmbito do projeto «Combatendo a Discriminação no Acesso e Uso da Terra» EIDHR/2016/380-336» financiado pela União Europeia às Organizações Não-Governamentais Rede Terra e COSPE – Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes, é expressão dessa cidadania.

 

2. Em Angola «a maioria da população não tem segurança de acesso e uso da terra» (alínea h do artigo no 2o do Decreto Presidencial no216/11 de 8 de Agosto). No país, a governação fundiária é marcada por formas burocratizadas de acesso, ocupação e uso dos terrenos sem planos de ordenamento e planeamento territorial; elevados conflitos de terras e elevado défice de coesão territorial agravada com a inexistência de uma política nacional de terras cujos objectivos políticos se reforçariam, mutuamente, com os objectivos normativos inscritos em vários instrumentos legais; processos de gestão das terras não inclusivos nem informados; falta de uma estratégia vigilante ao risco e vulnerabilidades no uso das terras no actual contexto das alterações climáticas; ausência de um instrumento participativo de gestão dos conflitos fundiários; Insuficiências de vária ordem das instituições que lidam, de forma directa ou indirecta com a governação fundiária; etc.

 

3. Hoje, questionar a justiça fundiária em Angola não é, apenas, um imperativo em sede de Direitos Humanos, mas sim, uma obrigação de escolha de matriz do paradigma de desenvolvimento entre uma civilização cujos pilares assentam na ética para a sustentabilidade e a civilização de base economecista que ao longo de vários séculos foi alimentando a insegurança de posse e uma governação territorial sem atender aos diferentes significados históricos e simbólicos das mais variadas territorialidades.

 

4. Este Manifesto tem o aval das Organizações da Sociedade Civil que se reuniram em Mesa Redonda no dia 19 de Março de 2019 – União de Escritores Angolanos.


Problema 1: Insegurança de posse da terra e défice de coesão territorial. Da alínea h) do artigo número 2o do Decreto Presidencial no 216/11 de 8 de Agosto nota-se que a «Maioria da população não tem segurança de acesso e uso da terra» sendo os “Sistemas de titulação, cadastro e registo da terra deficientes (conferir alínea J) do artigo no 2o do diploma acima referido.” A população encontra muitas barreiras no acesso e uso da terra em razão do défice de organização e coordenação dos serviços da administração do Estado, para o efeito, competentes. Temos de convir que preparar as condições de acesso e uso da terra é uma responsabilidade do Estado que começa com a elaboração dos instrumentos políticos e normativos de ordenamento e planeamento do território à infra-estruturação dos terrenos, sobretudo, para a habitação. Contudo, é notória a ocupação de terrenos, um pouco por todo o território, sem planos de ordenamento e planeamento territorial. O défice dos serviços da administração em matéria de gestão das terras traduz-se, ainda, na incapacidade de disponibilizar em tempo útil as solicitações que lhe são apresentadas pelos cidadãos. Para isso, conferir as Conclusões (1), (3), (9), (10) e (13) e Recomendações (4), (5), (11) e (18) do Comunicado Final do Seminário Nacional Sobre A Problemática da Ocupação de Terrenos (2014). Como resultado, desencadeou-se um clima de insegurança de acesso e uso alimentado por formas ocultas e ilegais de ocupação de terrenos por determinados grupos de pessoas singulares e colectivas. A luta por melhores terrenos ou com terrenos ricos em outros recursos deu lugar à segregação sócio-espacial e conflitos para os quais as administrações do Estado não dispõem de uma ferramenta participativa de gestão de conflitos fundiários. Em algumas províncias as reservas fundiárias do Estado foram instaladas em terras do Domínio Útil Consuetudinário sem indemnização privando algumas famílias do acesso ao seu património constitucionalmente protegido. Solução: Desencadear estudos sobre o quadro actual de governação fundiária no país. Este estudo vai ajudar a identificar os mais diversos problemas e propor diferentes cenários para o uso sustentável das terras à luz da equidade e justiça segundo os critérios dos valores sociais, económicos, culturais e ambientais. A titulação das comunidades e cooperativas ganharia muito se fosse orientada com base em estudos multidisciplinares. É urgente promover o respeito, a valorização e preservação das identidades locais tanto cultural, linguística quanto artística dos cidadãos (Artigo no 87o da Constituição de Angola), sobretudo, em espaços do Domínio Útil Consuetudinário.


Problema 2: Arbitrariedade na fixação do preço da terra em Angola que é agravada com o elevado défice de transparência e do direito à informação na gestão dos negócios fundiários. Análise do Problema: O acesso à terra em Angola obedece ao princípio da onerosidade, salvas excepções pontuais que Lei de Terras estabelece para os casos de acesso de forma gratuita. Ou seja, em regra, tem acesso à terra quem paga. Esse pagamento é regulado por um diploma legal que estabelece a tabela do preço da terra em Angola. Em resultado ocorrem práticas de corrupção e especulação no negócio fundiário em Angola. A população mais empobrecida é excluída do direito de acesso e uso da terra e exposta ao risco e vulnerabilidades em razão das relações desiguais de poder. Fundamentação: O diploma legal que estabeleceria o preço da terra em Angola não é publicado desde 2007. Solução: a solução adoptada vai de encontro com as Recomendações do Comunicado Final do Seminário Nacional Sobre A Problemática da Ocupação de Terrenos (2014) __ a necessidade da aprovação e publicação urgente da Tabela do Preço da Terra por Despacho Executivo Conjunto dos Ministérios das Finanças e do Ministério do Ordenamento do Território e Habitação. Esse problema tem estado a fomentar a falta de transparência em negócios fundiários, práticas de influências e corrupção, segregação socio-espacial penalizando a população mais empobrecida e os cofres do Estado.


Problema 3. Empobrecimento crónico dos sistemas rurais e sujeição das comunidades tradicionais. Análise do Problema. Não se sabe o que se pretende com o princípio do respeito pelos direitos fundiários das das comunidades rurais protegidas pelo Domínio Útil Consuetudinário (alínea e do Artigo no 4o da Lei no 9/04 de 9 de Novembro). A contínua descaracterização e destruição do rural, seus significados culturais e memórias, constitui uma grande preocupação, não só, por pôr em causa alguns princípios ou indicadores da ética para a sustentabilidade «Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares, Objectivo de Desenvolvimento Sustentável no 1» «Promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável.... para todos, Objectivo de Desenvolvimento Sustentável no 8» «Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles, Objectivo de Desenvolvimento Sustentável no 10», mas também, por desencadear o êxodo rural e transformar o rural em espaços de sacrifícios e sem identidade própria. Não há uma estratégia ou paradigma de diálogo entre o urbano e rural; entre a inovação ou modernidade e a tradição. Em resultado, apagam-se as memórias colectivas e identidades locais das famílias do Domínio Útil Consuetudinário. Solução: a solução vai de encontro ao Executivo através das tarefes que o Programa «Minha Terra» envolve de entre as quais a titulação das terras rurais comunitárias. Contudo, entendemos que o mais importante é o desenvolvimento comunitário assente em critérios de sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental. E isso, não se faz apenas com a titulação. A principal solução passa por repensar a matriz ou bases de desenvolvimento que assentem na inclusão e diálogo entre o rural e urbano e/ou entre a tradição e a inovação ou modernidade (rurbanização) e não pela exclusão ou epistemicídio do rural e desalojamentos cíclicos das populações em meio rural. Afinal, o desenvolvimento nunca é do urbano ou do rural, por isso, sustentável ou inclusivo. Mais, o processo deverá atender, primeiro, as áreas de maiores conflitos fundiários e que sobre o Domínio Útil Consuetudinário não se sobreponham outros direitos fundiários, por exemplo, de superfície, como se prevê. As empresas com intervenções cujas externalidades limitam as liberdades de circulação local ou empobrecessem a sustentabilidade e resiliência dos sistemas rurais, portanto, não cidadãs, devem ser penalizadas. É importante clarificar o posicionamento, no quadro da institucionalização do poder local, o poder dos territórios e suas gentes geridos pelas Autoridades Tradicionais, pois, temos de convir em respeito à verdade histórica que as relações identitárias e comunais foram sendo fragmentadas no Domínio Costumeiro e as políticas do Estado não ajudaram a desenvolver, como se esperava, os espaços rurais e, por conseguinte, as suas populações.


Problema 3: Governação fundiária pouco atenta aos factores de risco e vulnerabilidades associados ao clima. De acordo com os dados do Ministério do Ambiente, mais de 30% do território de Angola está sob o risco climático. O país produziu alguns instrumentos tanto políticos quanto normativos sobre o risco climático. Contudo, as políticas públicas, grosso modo, não são presididas pelo risco como factor de decisão sendo, em grande medida, emergencial a gestão do risco climático num país com registos consideráveis de perdas patrimoniais e humanas. Só em 2012 a seca afectou cerca de 2 Milhões de pessoas em 10 das 18 províncias do país (Ministério do Ambiente). Dezenas de cabeças de gado morrem a cada ano, as crianças sazonalmente, perdem a escola em áreas do Centro Sul e Sul de Angola, sobretudo, em períodos de transumância para o acesso do gado ao pasto e fontes de água. A fome por seca é cada vez mais recorrente. Contudo, não existem respostas articuladas e sustentáveis para os impactes decorrentes dos desastres naturais, alguns intensificados pelas alterações climáticas.

 

O Plano Estratégico de Gestão do Risco de Desastres (Decreto Presidencial no103/11 de 23 de Maio) prevê a criação e desenvolvimento do Sistema Integrado de Gestão de Informação sobre o risco, ameaça e desastres que não se conhece nem, no mínimo, as campanhas de informação e reforço das capacidades de adaptação às alterações climáticas. O instrumento acima supracitado tem alguns objectivos específicos que citamos: 1. Mobilizar as instituições nacionais, os sectores privado e académico e da sociedade civil, para a redução das condições de vulnerabilidade do país; 2. Reduzir o número de vítimas humanas resultantes dos impactos dos desastres, com particular destaque para os grupos mais vulneráveis; 3. Reforçar as capacidades locais descentralizadas, assim como das comunidades locais, para gerir adequadamente as suas condições de risco, proteger os investimentos e reduzir o impacto dos fenómenos naturais e antrópicos nos processos produtivos e sociais;


4. Reforçar as capacidades nacionais de adaptação às alterações climáticas, através de medidas de gestão territorial e gesto do risco, em contribuição com os objectivos da política ambiental do país. Na verdade, não se conhecem relatórios de avaliação sobre essa matéria nem existe política ambiental nem Guias de Adaptação Climática em sectores produtivos nem capacidades locais descentralizadas. A gestão fundiária anda acoplada ao risco climático. Solução: Criação de Guias de Adaptação Climática em sectores produtivos e deixar de elitizar a abordagem sobre o risco climático. Fomentar a investigação e investimento na adaptação e resiliência. O Executivo deve ratificar o Acordo de Paris.


Problema 5. Discriminação fundiária em razão do género por certas práticas e costumes, sobretudo, em casos do direito à sucessão. A Mulher é a principal vítima. Análise do Problema: É preocupante o distanciamento de regimes entre os regimes do direito consuetudinário e do direito positivo sendo notórias algumas práticas que atentam contra a princípio da igualdade de género no acesso e uso da terra. A questão da discriminação da Mulher não está presa apenas ao costume. Ela está entranhada silenciosamente em algumas práticas e comportamentos desde as pessoas singulares às coletivas.


A Mulher, dificilmente, integra as assembleias de formação ou tomada da decisão. Em larga medida a mulher tem os seus direitos fundiários dependentes ou sujeitos às determinações do Homem ou a família deste colocando-a numa condição de risco e vulnerabilidade. Geralmente, mesmo o dinheiro ganho pela Mulher quem o gere é o Homem a tal ponto que, nalgumas situações, não é permitido que a Mulher trate o seu documento pessoal: Solução: Portanto, é urgente a necessidade de analisar através de estudos algumas práticas costumeiras que atentam contra a promoção da igualdade de género em sede de direitos fundiários e, não só, criar instrumentos normativos concretos que protejam a mulher. Tem de haver uma reflexão profunda sobre os factores de discriminação da Mulher. O direito positivo não é urbano e o costume não é o rural. As pessoas tanto em espaços urbanos quanto em rurais têm costumes cujas matrizes axiológicas precisamos de repensar.