Luanda - VITORINO JOSÉ DOMINGOS, é um jovem do bairro Boa Esperança em Cacuaco que sofreu uma paralisia física aos 5 anos e desde então fez da sua vida uma luta diária contra a desistência e pela sobrevivência, sem qualquer apoio.

*Rui Ramos
Fonte: JA


Vitorino Domingos ficou paralisado aos cinco anos e desde então a sua vida é uma luta incessante e diária contra a adversidade. Vtorino José Domingos nasceu há 31 anos no Bairro da Boa Esperança, Kicolo, filho de José Domingos da Silva, maquinista do Porto de Luanda, falecido há sete anos, e de Josefina Ongomba Bartolomeu, lavadeira e engomadeira, natural de Camacupa, com mais dez irmãos, dos quais sete estão em vida. A infância de Vitorino Domingos foi como a de muitos meninos, cheia de dificuldades, que se agravaram quando, aos cinco anos, de repente, é acometido de paralisa física.


Vitorino Domingos deixou de andar e teve de permanecer deitado de barriga para baixo, sem acção. Aos seis anos não conseguia falar, "só olhava", e a comida era-lhe dada com uma sonda. Como não havia explicação científica para o mal, a família optou pelos tratamentos tradicionais e conseguiu que ele recuperasse parcialmente, se mexesse e falasse mas com muita dificuldade.


A família de Vitorino Domingos muda-se então para Luanda, para a Samba, e o jovem tem muita dificuldade em ir à escola. Mesmo deitado forçadamente de barriga para baixo, Vitorino Domingos tentava sentar-se e a irmã mais velha, Rosa, levava-o às costas á igreja e à escola.


Aos nove anos, já gatinhando, uma alma boa, Sabalo António, oferece a Vitorino Domingos uma cadeira de rodas, mas o jovem, com vontade férrea, força os músculos até que consegue alguma locomoção.


O pai de Vitorino Domingos adoece de repente e morre, situação que torna a situação financeira da família insuportável.


Vitorino Domingos teve de tomar uma decisão muito dura, foi para a rua vender jornais, passou a viver na rua em São Paulo, ia até ao Baleizão, a pé, fornecer-se de jornais para vender, mas a actividade não rendia e ele começou a perder dinheiro. Começa então a lavar carros no Miramar, apesar das dificuldades físicas. Vivia ao relento, aos 20 anos, na entrada de um prédio, mas sem nunca parar de estudar, interrompia sempre por falta de pagamento de propinas, mas conseguiu inscrever-se na escola privada Bendezeu do bairro, por 500 kwanzas mensais, mas nem mesmo este valor Vitorino Domingos conseguia.


Vitorino Domingos também transportava sacos de compras, mas estudou sempre, matriculou-se no Instituto de Gestão do Kicolo, onde ficou um ano e meio mas era muito difícil deslocar-se do Miramar para lá, a pé.


Decide então, em 2017, com alguns amigos, criar a Associação dos Deficientes Eficientes-ADE, com Catarina Paulo, uma senhora com deficiência, também moradora no bairro. Doze pessoas do Bairro da Boa Esperança, portadoras de deficiência, decidem avançar sem qualquer tipo de apoio institucional.


A direcção da ADE foi entregue a um jovem, Dongala Monteiro, o projecto endereçado à Administração Municipal, que não respondeu, mas a força de vontade prevaleceu e a associação cresceu rápido com adesões no Cazenga, Zangos, Pedreira, Caop, Cerâmica, Sequele, Viana, perfazendo hoje cem membros.


Vitorino Domingos e os outros dirigentes associativos elaboraram estatutos e rumaram ao cartório de São Paulo, onde lhes foram pedidos 250 mil kwanzas para início do processo de legalização. Impotentes, os jovens regressaram a casa, por não disporem deste valor, porque, diz-nos Vitorino Domingos, a maior parte dos associados passa fome.


Uma equipa de desporto adaptado foi formada na modalidade de futsal e a ADE pretende desenvolver actividades sociais em especial em Cacuaco, o município que "detém a maior taxa de pessoas portadoras de deficiência do país, sobretudo crianças, completamente abandonados pelas famílias e pelas instituições".


Os portadores de deficiência enfrentam, diz Vitorino Domingos, barreiras por todo o lado, e quando aparecem são desprezados e as "pessoas normais sentem-se incomodadas com a nossa presença".


"É um mundo cheio de abusos sexuais, homens que não assumem as companheiras, abandonam os filhos, meninas grávidas precocemente e brutalmente abandonadas por todos", diz Vitorino Domingos, que explica que o Mercado do Kicolo está repleto de portadores de deficiência, muitos ainda crianças, andrajosos, descalços, abandonados pelas famílias e pela sociedade.


No dia 4 Abril, Dia da Paz, a ADE realizou, na praia da Vila de Cacuaco, um jogo de futsal entre uma equipa de Cacuaco e outra do Cazenga, assistida por milhares de pessoas, mas sem a presença das autoridades locais.


Visitámos o pequeno espaço em que a ADE vai funcionar, no Bairro da Boa Esperança, um local de pessoas muito pobres e dignas, onde a maior parte das crianças não vai à escola. Aí, Vitorino Domingos pretende criar uma pequena biblioteca para as crianças e jovens do bairro.