Cunene - O governador do Cunene, Vigílio Tyova, afirmou  que a província enfrentará "verdadeira catástrofe" humanitária, "nunca antes vista", se o período de seca se prolongar até ao final do presente ano. Segundo o governante, aquela região do sul do país regista a mais acentuada seca da sua história, desde Outubro de 2018, que já afectou um milhão e 100 mil bovinos. 

Fonte: Angop

Por causa desse fenómeno, informa, 26 mil e 267 animais morreram em oito meses. De acordo com o governador, se o cenário de seca se prolongar, como indicam as projecções climáticas, "toda vida socio-económica da província estará ameaçada".

Vigílio Tyova adverte que, com esse quadro, estará eminente uma crise de fome e de doenças do foro hídrico, além de haver empobrecimento extremo das populações.

Siga a íntegra da entrevista, que traz, em detalhe, o quadro actual da seca no Cunene e as medidas do Governo para contrapor os efeitos desse fenómeno natural:

Senhor governador, Cunene é uma das quatro províncias do Sul de Angola que enfrentam seca. Esta localidade está sem chuva desde Outubro de 2018, sendo esta a mais grave da sua história. Qual é a dimensão do problema?

A seca é um fenómeno cíclico na província do Cunene. Podemos falar que os registos de seca começaram por volta de 1995, quando tivemos um nível acentuado e que, digamos, só foi ultrapassado este ano. Desde 1995, nunca tivemos um nível de seca como hoje. Mas já desde o tempo colonial que o problema no Cunene é conhecido. Isso tem a ver com a proximidade do Deserto do Namibe e do Deserto do Kalahar, na República da Namíbia, aqui a poucos quilómetros. Portanto, a influência deste microclima faz com que o Cunene tenha seca, por ausência de chuvas durante muito tempo, ou cheias quando resultam de grandes precipitações. Já não é surpresa para um político no Cunene, nem mesmo a nível do país, que a província tem este fenómeno cíclico de seca e, portanto, é uma situação que todos os anos ocorre, em alguns com um grau de intensidade, noutros anos menos. Mas este ano estamos perante um grau muito elevado e estamos preocupados com isso. Temos estado a trabalhar, no sentido de mitigar os efeitos da seca junto das comunidades.

Que números pode avançar relativamente aos efeitos directos da seca?

Bom… Os efeitos da seca são vários. Primeiro é que as comunidades ficam carentes de água para as pessoas, para o gado e para a agricultura. O Cunene ainda hoje depende muito das chuvas para ter água para as pessoas, gado e prática da agricultura, de modo que, quando não chove, as populações não conseguem produzir. Como sabem, a província é, essencialmente, agropecuária, tem extensões de terras muito férteis, mas quando não chove as populações não podem colher. Então, gera-se a fome. Por isso, uma das consequências é a falta de água para as comunidades, animais e também para a agricultura, o que dá lugar à fome.

Mas tem outros efeitos sociais. Por exemplo, dificulta e até inviabiliza as aulas, porque quando há seca, surge o "fenómeno" da transumância (movimento de gado de uma zona que não tem água nem pasto para outras com estas condições). É uma prática cultural que envolve crianças com idade escolar, que vão tomar conta do gado. Isto faz com que, até agora, tenhamos cerca de nove ou dez escolas encerradas, porque os alunos foram à transumância, ou porque não têm água e ficam em grandes distâncias. Temos ainda muitas outras que, não estando encerradas, registam diminuição de estudantes. Imaginemos uma turma com 35 a 45 alunos estar com cerca de 40 a 50 porcento dos alunos, porque metade está nesse processo por causa da falta de água. Também há doenças que resultam da falta de água, por isso é que se costuma dizer que água é vida e sem a mesma gera-se um conjunto de constrangimentos.

Quais são, até ao momento, os municípios mais afectados?

Embora não disponha agora dos números, os municípios mais afectados pela seca são Curoca e Ombadja, que estão distantes da água. Mas, de uma forma geral, todos os municípios, cada um à sua dimensão, estão afectados.

Há registo de mortes de pessoas, por causa da seca?

Tive conhecimento da morte de uma criança, cuja mãe saiu para procurar água e, por demorar muito tempo, bebeu água ardente, segundo o Rei de Ombala Yo Mungo. Portanto, isso é uma consequência da falta de água. E no dia 18 de Abril, uma cidadã estava a escavar numa chimpaca e foi soterrada, igualmente como consequência da falta de água. Há outros dois registos do ano passado, segundo o comando da Polícia Nacional.

Senhor governador, até que ponto esse problema da seca afectou aquilo que eram as projecções da campanha agrícola na província?

A seca afectou muito a campanha. Este ano não teremos resultado da campanha agrícola, sobretudo dos camponeses. A campanha na província está comprometida na totalidade, porque não temos colheita. Ela é claramente negativa.

Quais eram as metas estabelecidas para a presente campanha agrícola?

Agora não tenho os dados, mas havia metas estabelecidas por ocasião do lançamento da campanha, em Outubro ou Novembro. Aqui começou mais tarde, porque também as chuvas iniciaram mais tarde. Independentemente disso, as metas todas não foram alcançadas.

Quais são as consequências da estiagem nas instituições?

Em relação às instituições, as consequências são mais pela falta de água, o que obriga também as pessoas a beberem água não tratada. Portanto, aqui estamos a dizer que estão afectadas 178 mil famílias, que perfaz 857 mil pessoas afectadas pela seca a nível do Cunene, em que estão mapeadas cerca de 436 localidades críticas. Por falta de água, estão afectadas, neste momento, 276 escolas, nas quais estão matriculadas 54 mil 490 alunos. Em consequência, nove escolas estão paralisadas. Em relação ao gado, estão severamente afectados cerca de um milhão e 100 mil bovinos, sendo que, neste período, morreram 26 mil e 267 animais.

As indústrias locais ressentem-se deste problema?

Até certo ponto, não temos indústrias. Esse é um assunto que precisamos resolver, porque não temos uma zona industrial, nem indústrias. E isto porque não temos energia suficiente, e sem energia nada se faz em relação às indústrias. Por isso há projectos que visam a instalação da Estação Fotovoltaica e o aumento da nossa capacidade de produção energética a nível da província.

Senhor governador falava, no começo, do abandono de alunos em 10 escolas. Essas escolas a que se referiu estão localizadas aonde?

Em vários municípios, sobretudo nos de Ombadja, Curoca e Cuanhama. São registadas a nível de toda a província. Portanto, é uma preocupação, porque os alunos ficam com o ano lectivo comprometido.

E face a essa realidade, que medidas o Governo provincial tem adoptado para fazer os alunos regressarem às escolas?

Não temos outra alternativa. Se os alunos não vêm às aulas, nós não temos como fazer voltar se não resolvermos primeiro o problema da água. Ademais, eles vão com os pais e outros familiares às zonas de transumância, para cuidarem do gado.

O que temos estado a ensaiar é criar condições de recepção destes alunos nas zonas de transumância, com a construção de escolas lá onde estiverem ou integrando-os nessas escolas. Mas até antes das visitas que efectuei, julgava que isso fosse um projecto viável, porque foi sugerido pelo SINPROF e por outros agentes da educação. Mas, na prática, depois da visita, verifiquei que não seria possível, porque eles não ficam concentrados num só local. Percorrem várias zonas e os que vão para a transumância as crianças cuidam, na medida em que não teriam tempo de ir à escola, mesmo que tivesse escola. Assim, a única forma de diminuirmos o número de escolas no sistema de ensino e evitar que haja escolas encerradas por falta de alunos é, de facto, resolvermos o problema da água para as pessoas, o gado e também para a agricultura.

E o que é que está a ser feito neste sentido?

Estamos a implementar medidas emergenciais, no quadro de um programa, de um Plano de Acção de Emergência. Também temos medidas estruturantes. No âmbito das medidas emergenciais, o que se pretende é aumentar a captação, transporte e distribuição da água para as populações rurais, com camiões cisternas. Vamos comprar 20 a 25 camiões cisternas para serem distribuídos, em média, um por cada comuna. Nós temos 20 comunas a nível da província do Cunene. Pretendemos comprar, também, reservatórios de água. Já estamos a comprar, pelo que nesta primeira fase já andamos por volta de 200. Mas tem estado a aumentar o número de reservatórios de água para serem fixados em zonas de convergência de maior concentração populacional.

Como sabem, aqui as populações vivem muito dispersas. Estamos a falar de reservatórios com capacidade de cinco a dez mil metros cúbicos para cada um. Queremos comprar tractores que possam depois puxar cisternas de água para os municípios de difícil acesso, onde os camiões cisternas não vão poder passar, por não haver estradas em condições. E, sendo emergenciais, nós não podemos esperar que as estradas estejam boas. Vamos comprar Unimogues ou Camazes que podem ser adaptados com cisternas, para atingirem zonas de difícil acesso, por causa das pedras e estradas que estão em mau estado, ou por causa da areia.

Nós temos aqui, na zona leste dos municípios do Cuanhama e Namacunde, localidades em que um carro normal não pode ir por causa da areia. Portanto, temos que encontrar viaturas adaptadas para esse tipo de terreno, para podermos fazer chegar a água às populações. Onde não for possível pôr camiões cisternas, poderemos usar tractores, sobretudo nas áreas de difícil acesso e arenosas. Vamos também recuperar cerca de 168 furos que estão inoperantes.

 Qual a previsão para a compra dos meios de recuperação dos furos?

Já estamos no processo de compra, mas como sabem há procedimentos que devem ser observados, mesmo tratando-se de compras no quadro de um programa de emergência. Esta compra, devido ao seu valor, tem de ser por concurso público. De qualquer forma, como temos as verbas já disponíveis, dez camiões cisternas já se encontram por aqui, e também só estamos à espera de concluir os processos simplificados de concurso, para começarmos a adquirir outros meios. De qualquer forma, é em função do valor que foi disponibilizado, porque já há no terreno apoios, as administrações disponibilizaram as suas próprias cisternas ou de privados que estão já a ajudar a distribuir água para as populações. Também já há compra de meios com o orçamento dos próprios municípios, normalmente 25 milhões de kwanzas/mês, directamente para as administrações, no âmbito do Programa de Combate à Pobreza, que também já está a permitir comprar reservatórios.

Agora, o que vai acontecer é um aumento da nossa capacidade de transporte, distribuição e armazenamento da água para as populações. Isto é que temos de fazer, e vai haver aumento na ordem dos 70 porcento em relação à percentagem actual, porque os meios são poucos. A província do Cunene tem seis municípios, cerca de um milhão de habitantes. Destes um milhão de habitantes, à volta de 80 porcento vivem no meio rural, sendo esta a população alvo para questões emergenciais da água. Nós temos, neste momento, um camião da Protecção Civil destacado no Curoca, outro no Cuvelai e um terceiro a apoiar Ombadja, Cahama e Cuanhama, o que é insuficiente para uma extensão de quase 80 mil quilómetros quadrados. Ainda assim, temos estado a fazer o possível com estes meios distribuindo água onde é possível.

Também com estes recursos financeiros vamos recuperar entre oito a dez camiões cisternas da Protecção Civil que se encontram avariados, por esta ser uma estrutura de apoio às questões de calamidade e acções emergenciais, como esta da seca. Mas o orçamento que temos é curto e não permite adquirir mais equipamentos para outras acções de ajuda às populações mais carenciadas. Portanto, estamos a fazer esse programa com o objectivo de aumentar a nossa capacidade de transporte de água e, depois, de armazenamento, porque é preciso transportar dos pontos dos rios, das chimpacas ou de girafas. Portanto, quando se trata de água potável, transportamos para os reservatórios de 5 a 10 metros cúbicos cada, ou então para tanques elevados que também serão comprados para serem colocados nas povoações e nas sedes comunais e municipais, onde vamos colocar tanques elevados (já em distribuição) para onde os camiões cisternas devem transportar água e distribuir às populações, nas localidades onde estiverem instalados esses reservatórios e os tanques elevados.

A nossa maior preocupação, neste momento, é aumentar a capacidade de distribuição de água às populações do meio rural, que não têm mesmo água. E esta distribuição dos reservatórios/tanques deve ser feita em função não só das longas distancias que as populações percorrem em busca desse líquido, mas também da localização das fontes seguras permanentes, como os furos e os rios. Então, onde houver um furo operacional ou rio, nós vamos colocar os reservatórios e tanques elevados, de modo a reduzir as distâncias percorridas pelas populações. 

Ainda em relação aos furos, dizia que, no quadro do plano emergencial, previam construir furos. Pode aflorar melhor esse assunto?

O Programa de Emergência prevê a recuperação de 168 furos, numa média de 28 furos por município. É pouco, mas se conseguirmos recuperar este número de furos, a nossa capacidade aumentará significativamente. Pois, se eu tenho um furo não preciso de ter grande frequência de camiões, porque os furos colmatam as necessidades de água das pessoas e do gado. Por isso é que nas zonas onde existirem muitos furos também não vamos colocar muitos reservatórios, e à medida que vamos recuperando furos, aumentaremos também os reservatórios dessas zonas nas localidades onde não há nenhum furo nem reservatórios de água. Este é um processo, por isso é que esses reservatórios vão ter carácter móvel. Quer dizer, estão aqui agora mas depois, se fizermos um furo ao lado, com água suficiente para dar à população, então movimentamos esses reservatórios de 10 ou 20 mil litros e enviamos para outra área mais distante, o que consideramos ser um processo para diminuir sucessiva e continuamente as distâncias que a população percorre para ir buscar água. São enormes distâncias que a população percorre diariamente para ir buscar água, pelo que queremos diminuir, através da abertura de mais furos, fazendo com que as populações fiquem cada vez mais próximas dos pontos de abastecimento de água.

A intenção de colocar um camião cisterna por comuna está mais próxima de se tornar um facto ou é ainda utopia?

O pedido que fizemos ao Presidente da Republica, João Lourenço, foi no sentido de dispormos de 25 camiões para colocarmos um em cada comuna. Os camiões vão chegar e nós vamos distribuir. Depois de distribuídos, cada comuna será responsável pela distribuição da água às populações.

Os camiões reflectem o número total de comunas?

Sim. Nós temos 20 comunas e estamos a falar em 25 camiões, porque precisamos de ter uma reserva, visto que um camião pode acidentar, gripar ou ter algum problema. Mas como queremos que os camiões durem, temos de fazer uma gestão dos meios, de modo a que as manutenções sejam feitas em tempo oportuno.

Ademais, o Presidente da Republica já autorizou que, no próximo ano, em vez de se declarar uma calamidade natural no Cunene, porque já soubemos que o fenómeno é recorrente todos os anos, no orçamento haja verbas para dois programas permanentes de emergência, que vão atender, por três ou quatro anos, os programas de Emergência Contra a Fome e o de Emergência Contra a Seca. O Programa de Emergência Contra a Seca vai suceder as acções emergenciais em curso, porque no próximo ano vamos ter o mesmo problema de seca e fome.

Os furos podem avariar e os camiões griparem. Então, precisamos de ter recursos para fazer a gestão dos equipamentos e dos meios de captação, transporte e distribuição de água durante três anos. Das medidas estruturantes que o Presidente da Republica já autorizou constam a construção de três barragens, num prazo de três ou quatro anos. Esperemos que não haja constrangimentos de natureza financeira, porque os 200 milhões de dólares anunciados são, sobretudo, para arrancar com as obras. Por isso, o concurso público foi lançado no dia 03 de Abril, com término previsto para o dia 03 de Maio, com uma centena de concorrentes envolvidos, entre empresas nacionais e estrangeiras.

Quantas angolanas?

A maior parte é angolana. Não tenho o número fixo, porque este processo está a ser conduzido pelo Ministério da Energia e Água, que lançou o concurso e vai fazer as avaliações das propostas. Nós, Governo Provincial do Cunene, temos um membro na comissão de proposta, que é o vice-governador para a área das infra-estruturas, Edio José. Para dizer que as barragens vão levar quatro anos para estarem concluídas, se não houver constrangimento de natureza financeira, porque é preciso haver financiamento. Mas é por isso que estamos a propor e é por isso que o Presidente autorizou que, nos próximos três anos, estes dois programas venham obrigatoriamente contemplados no orçamento da província do Cunene. Assim, não vamos ter necessidade de voltar a esperar o Presidente disponibilizar mais uma verba, porque já teremos um orçamento.

Concretamente, em que acções serão aplicadas os 200 milhões de dólares?

Esses 200 milhões têm a ver com o início do arranque da construção das barragens. O que estou a dizer agora é que as empresas compraram os cadernos e vão ter um mês para apresentar as propostas. Depois, caberá à comissão de avaliação apurar os vencedores, daí vão fazer as consignações para se dar início às obras. Mas são medidas de natureza estruturante, para resolver de uma vez por todas a dependência que o Cunene tem da chuva, para ter água para as populações, o gado e para agricultura.

As barragens são, sobretudo, para garantir água para o gado e agricultura, porque em relação às pessoas a solução ainda passa pelo aumento de furos, com a recuperação dos 168 e a abertura de novos furos. Vamos também desassorear as chimpacas (reservatórios de água a céu aberto), no âmbito do plano de emergência, para permitir que haja água para o gado. Portanto, em termos de acções de natureza emergenciais são estas, digamos. Há, entretanto, um conjunto de acções em curso no âmbito desse programa, mas o objectivo é unicamente aumentar a capacidade de distribuição de água àquelas populações com mais dificuldades para aceder à água.

Quantas chimpacas pretendem fazer dentro deste plano?

Não temos agora o levantamento. Vai depender muito dos recursos que tivermos, porque estes valores de 3,9 mil milhões que foram disponibilizados vão funcionar como se fosse uma cota financeira. Portanto, essa cota foi distribuída em seis naturezas, pelo Ministério das Finanças, nomeadamente para a compra de equipamentos, de cisternas, para a recuperação de meios, para compra de tanques elevados, para a assistência técnica, entre outras naturezas.

A natureza de recuperação e abertura de furos, por exemplo, tem um valor que deve ser aplicado tanto para a recuperação de furos, quanto para a abertura de outros e também o desassoreamento de chimpacas e a construção de outras novas. Esses 3,9 mil milhões estão justamente divididos por essas seis naturezas, sendo a de compra de camiões cisternas a mais dispendiosa, uma vez que o custo médio de um camião de marca IVECO (de origem alemã) varia entre 30 a 40 milhões de kwanzas.

Vamos optar pela marca europeia IVECO, por serem viaturas consistentes, já usadas pela Protecção Civil. Mas poderemos também comprar outros dez ou 15 de marca chinesa, para termos uma frota mais alargada, embora reconheçamos que os chineses são mais frágeis. Mas podem não ser exactamente 25 camiões, porque para aquelas localidades de difícil acesso, como o município do Curoca, prevemos comprar Unimogues, Camazens ou tractores para circularem com cisternas de 30 a 40 mil litros atreladas.

Esses três mil milhões que foram disponibilizados, julga serem suficientes para dar resposta às acções contidas no Plano de Emergência?

O dinheiro disponibilizado não é suficiente. Mas primeiro vamos gastar bem e só no fim avaliar as realizações, até porque é um valor que o Chefe de Estado decidiu atribuir ao Cunene.

O dinheiro já esta sob responsabilidade do Governo do Cunene?

Sim, já está sob responsabilidade do Governo, mas na conta do Tesouro. Quando quisermos fazer os pagamentos está disponível para cobrir as despesas ligadas à emergência. Muitos estão a pensar que o governador Tyova está com os dinheiros. Nem os 200 milhões de dólares. Este valor está em posse do Ministério das Finanças, nem sequer com o Ministério da Energia e Águas. Isto, porque eles vão ser pagos no sistema normal de gestão financeira do Estado, que será por ordem de saque, de modo que não posso dizer se é muito ou pouco, porque ainda não o aplicamos.

Disponibilizar quase quatro mil milhões para um Programa de Emergência é muito bom. Agora é evidente que as necessidades da província a nível de emergências são grandes. Mas tenho a garantia do Chefe de Estado de que, no próximo ano, teremos mais recursos financeiros, podendo ser um valor mais alto ou mais ou menos. E além disso, teremos uma verba específica para o Programa de Emergência Contra a Fome, que é consequência do Programa de Emergência Contra a Seca, porque não havendo chuva e produção, por parte das populações, então estas passam a ter imediatamente fome. Portanto, esse valor é para providenciar mantimento num banco alimentar que estará à disposição do governo provincial, para responder imediatamente às solicitações das pessoas mais afectadas. Desta feita, deixaremos de esperar por apoios do Ministério da Acção Social, do MINARS e de outras instituições que também tardam, por vezes, a prestar. Esse dinheiro do Programa Contra a Fome será para comprar o milho, a massambala, o massango e o peixe seco que são a base da dieta alimentar da maioria das populações que vivem no meio rural.

Esses produtos são os que nós precisamos ter nos armazéns, para irmos distribuindo à medida que a fome vai apertando. Há pouco me perguntou sobre as consequências da seca: uma delas é a falta de produção. As lavras estão todas secas. Aliás vocês já comprovaram, porque estão a andar por todos os municípios. E se não houver colheitas, vai existir muita fome. Antes mesmo do próximo ano, na reunião do governo provincial que foi realizada no município do Cuvelai, ficou decidido que a vice-governadora deveria trabalhar com um pequeno grupo de instituições, para criar o banco alimentar e não só. E à medida que vamos receber alguns apoios, não só do Executivo Central, mas também de organizações não governamentais, como AJAPRAZ, vamos armazenar esses produtos e fazer a distribuição pontualmente.

Nós também não vamos ficar com essa base alimentar aqui. Vamos recebê-la, programá-la e enviar para os municípios, para ficar próxima dos munícipes. A partir destes pontos, as próprias administrações também vão fazer uma programação para enviarem às comunas. A intenção é termos bases alimentares nas sedes comunais, para que, a qualquer momento, vai-se buscar comidas nesses armazéns. Portanto, estes dois programas são complementares.

Estando autorizada uma rubrica especial no Orçamento Geral do Estado (OGE) para o Cunene, de que forma será usada?

É isso que estou a dizer. A disponibilização destes 3,9 mil milhões vai permitir ter uma ideia de qual é o valor que precisamos para manter os níveis de produção, transporte, distribuição e armazenamento de água para as populações mais carenciadas. Portanto, não sabemos se esse valor será suficiente, por isso é que lhe disse que agora vamos fazer um programa referencial, no qual deverá constar, objectivo, metas, número de pessoas que vamos atender, distâncias entre as localidades, os meios que vamos precisar, entre outros. Temos que fazer um programa num projecto que permita calcular os meios humanos e financeiros que precisamos para a execução deste programa de emergência contra a seca e outro programa de emergência contra a fome.

Quando é que, na prática, começam a ser construídas as barragens, no quadro dos 200 milhões de dólares disponibilizados pelo Presidente da República?

Estas barragens já estão em concurso. Os cadernos de encargos já foram vendidos e analisados em Abril, na reunião do Conselho de Auscultação das Comunidades que se debruçou profundamente sobre a gravidade da seca e os apoios a serem dados. E aí foi apresentada a informação sobre a construção das três barragens. Uma vai ser sobre o Rio Cunene e outras sobre o Rio Cuvelai. São duas de USD 60 milhões cada e um transvaze, a que estará - creio - sobre o Rio Cunene.

Como disse, dia 03 de Abril iniciou-se a venda dos cadernos de encargos, os concorrentes tiveram até ao dia 03 de Maio para apresentar as suas propostas. Depois, não sei qual é o tempo no programa do concurso para a comissão de avaliação decidir os vencedores. Os programas da construção das barragens estão divididos em dois lotes cada. A obra em si tem um concurso ligado à construção, que está dividido, envolvendo muitas construtoras, para não se perder muito tempo na execução. 

E quais são esses blocos de que as várias empresas se vão ocupar?

Uma tem a ver com a construção de infra-estruturas, outra com os equipamentos e instalações, porque estamos a falar em barragens e os canais, e nos outros casos as condutas. E depois, ao longo dos canais, de dez a dez quilómetros haverá a construção de cerca de 70 canais no curso do próprio canal do rio, para o abeberamento do gado. E também vamos fazer algum ordenamento agrícola, para dar possibilidade àqueles que pretenderem produzir em um hectar de terra, com um sistema de irrigação do canal, deixando de depender das chuvas. Mas não esqueçamos que ainda tem que ter o visto do Tribunal de Contas, por causa dos valores.

Estamos a falar de três concursos, mais na verdade são seis, porque cada um comporta dois projectos intrínsecos a cada barragem. O processo está dividido em dois concursos, para permitir que se faça um trabalho rápido e se cumpram os prazos. Em princípio, 200 milhões é o valor que se vai pagar para as empresas iniciarem as obras. Já estão disponíveis, agora temos de encontrar os vencedores de cada concurso para o pagamento e iniciarmos as obras, ainda este ano.

Qual será a capacidade de cada barragem?

Não sei a capacidade, mas é uma barragem de reservatório de água não propriamente hidroeléctrica, o que significa que não vai fornecer energia. Apenas vai reter água e fazer a derivação para os canais, porque nós precisamos de canais de água para o gado e para a agricultura. Não tenho aqui o programa do concurso, porque não é da alçada do governo provincial. Nós somos os simples beneficiários. Mas na própria comissão de avaliação criada pelo Ministério da Energia e Água está um nosso membro.

É para começar o mais urgente possível, porque se não vamos arrastar os prazos da resolução dos problemas, o que não será bom, visto que as barragens são para resolver de forma definitiva o problema da dependência da água das chuvas a nível do Cunene. É uma medida estruturante. É verdade que depois há outros assuntos em volta, mas que deixaremos para depois de se concluírem as barragens.

Por exemplo, esta questão da transumância é cultural, mas não vai parar com a construção das barragens por uma razão simples: a transumância já não vai ocorrer por causa da falta da água, mas por falta de pastos, porque as barragens não vão fazer capim. Logo, o que temos de fazer depois é a produção do feno, o chamado capim, se não o gado fica sem pastos.

Mais estes são outros problemas que vamos ver mais tarde. Por agora, o que nos interessa é que haja água das barragens e dos canais, porque a prioridade não é o gado. São as pessoas. Portanto, temos que estar primeiro preocupado com as pessoas e estamos a trabalhar afincadamente para resolver este problema da água.

O Governo está a mitigar os efeitos da seca, mas sabe-se que, em contrapartida, o Cunene também enfrenta muitos problemas de cheias. Têm algum plano já em carteira para contrapor este fenómeno?

A nível da província há um programa que já existe dos governadores que me antecederam, que tem a ver com projectos de aproveitamento das águas das cheias. Todavia, ficaram sempre comprometidos com problemas de recursos financeiros. Mas o importante para mim agora não é pensar nas cheias. Temos é de resolver o problema das pessoas e o gado que está a passar mal, por falta da água. Se houvesse cheias agora, estaríamos a falar de outros tipos de problemas. Contudo, os problemas que temos são mesmo o da falta da água para as populações e para o gado. E isto está a empobrecer a província e as nossas populações, além de estar a criar sofrimento grande nas famílias rurais. Para as cheias, há programas específicos de subordinação central, através do Gabinete do Instituto Nacional dos Recursos Hídricos. Há também um gabinete da Bacia do Cuvelai, que envolve namibianos e angolanos.

A água que estes projectos vão gerar é suficiente para a irrigação dos vários campos agrícolas que a província tem?

Pode não ser, mas é um grande passo para a província. Não podemos minimizar isso. Duas a três barragens para a retenção da água com canais em dia, em volta de 47 a 50 quilómetros, isto é um grande avanço. O caminho faz-se caminhando. Então, vamos resolver isso e depois vamos pensar nas outras acções. Mas, para já, isso é o mais importante, porque ele foi pensado para abastecer água a quatro dos seis municípios. O Curoca e o Cahama têm outras acções, porque estão numa cota muito elevada que não permite a água do Cunene ir para a margem direita do Rio Cunene. Então a água para o Curoca está-se a pensar ir buscar no Monte Negro, para ir até Oncócua (sede do município do Curoca). E está-se a fazer barragem na Cova do Leão no Rio Caculuvar para abastecer o município da Cahama, o que considero um grande avanço.

Senhor governador, caso não haja chuva no Cunene, até ao final do presente ano, o que será das comunidades locais?

As comunidades da província do Cunene estão a enfrentar uma situação de seca severa, desde Outubro do ano passado, devido às alterações climáticas que vêm ocorrendo a nível global, bem como a proximidade com o deserto do Kalahari. E as projecções e previsões climáticas indicam o prolongamento da ausência de chuvas no Cunene até ao fim da época chuvosa. Pois, se assim acontecer, aí sim, vamos ter uma verdadeira catástrofe, nunca antes vista, com toda a vida socioeconómica do Cúnene ameaçada. Haverá um empobrecimento extremo das populações do meio rural, alimentado pela improdutividade agrícola, escassez de alimentos e morte de animais. Consequentemente, verificar-se-á de forma mais acentuada a interrupção das aulas em todas as áreas afectadas, por conta do êxodo massivo das populações, tanto em direcção aos centros urbanos, quanto para as áreas de transumância. E com esse quadro, vamos confirmar o agravamento das vulnerabilidades das populações e do risco de uma eminente crise humanitária de fome e doença de fórum hídrico, que requererá uma conjugação de esforços entre o governo central, local e organizações da sociedade civil.

Já no final dessa conversa, quer deixar alguma mensagem à população, sobretudo àquelas comunidades que vivem directamente o problema da seca?

Todos vivemos o problema da seca e eu costumo dizer que o Cunene tem sede e também fome, daí que devemos todos serrar fileiras para levar este programa com seriedade e fazer com que o Cunene deixe de depender da chuva para ter água. Sabemos que o Cunene tem esse problema cíclico da falta de chuva, então temos de ir buscar água onde é preciso. Temos no Cunene dois rios permanentes onde devemos ir buscar água. E é justamente isso que está a ser feito agora. Particularmente, já me custa pedir às pessoas, porque são muitos anos, são 43 anos de independência e este assunto não ficou resolvido por qualquer motivo que também não sei. Portanto, esperemos que, com essa iniciativa do Presidente da República, consigamos resolver nos próximos três anos a falta de água no Cunene.
Na verdade, não é falta de água, porque a província tem água. Tem dois rios permanentes e dois ou três rios intermitente. Por exemplo, o Rio Caculuval é permanente que, tendo uma barragem, reserva água para várias estações. Mas o assunto não foi resolvido. Por isso, só tenho a pedir mais paciência às pessoas. O que posso dizer é que vamos continuar a trabalhar para que, o mais urgente possível, este assunto da água seja resolvido e possamos dar um passo em frente para outras coisas. Para mim, a prioridade é a água. Sem água compromete-se todos os outros sectores de desenvolvimento da província, nomeadamente da saúde, educação, produção industrial, agrícola, entre outros tipos. O Cunene, se não resolver este problema da falta da água, acabará por comprometer as suas metas do Programa de Desenvolvimento Nacional, porque existem metas para a província, sobretudo no domínio agrícola. E claro que as metas não são comparadas às províncias cujos níveis pluviómetros são muito altos. Mas podemos comprometer as metas do Programa de Desenvolvimento Nacional, porque a nível da província o potencial activo é o gado e a principal actividade é a agricultura.