Dr. Joel Leonardo
Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Júri do Terceiro Concurso Público Curricular Para Provimento ao Cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral
Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Araújo foi responsável  pela selecção pouco transparente da INDRA/VALLEYSOFT


Luanda

PETIÇÃO

Excelência:

A signatária, Mihaela Neto Webba, Deputada à Assembleia Nacional e Professora de Direito Constitucional na Universidade Metodista de Angola;


Tendo tomado conhecimento, através dos seus constituintes e não só, de factos privilegiados que impactam duas das candidaturas admitidas ao terceiro concurso curricular para provimento ao cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), um assunto de interesse público;


No exercício do direito de participação na vida pública e no cumprimento do dever de representação inerente ao exercício do seu mandato electivo;


Vem, nos termos do artigo 73.º da Constituição da República de Angola, apresentar a presente PETIÇÃO para a defesa da Constituição, das leis e do interesse geral, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:


1.º
A candidatura do magistrado judicial Manuel Pereira da Silva, actual Presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, deve ser objecto de escrutínio particular, pelas seguintes razões:

2.º
Nas eleições gerais de 2017, o candidato Manuel Pereira da Silva, no exercício das funções de Presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, foi provadamente acusado pelos seus pares de não cumprir vários preceitos legais relativos à selecção dos membros das assembleias de voto, ao credenciamento dos delegados de lista e ao apuramento provincial dos resultados eleitorais no círculo provincial de Luanda.


3.º
Há também relatos de improbidade e de falta de transparência na gestão dos recursos públicos sob sua responsabilidade directa.

 

4.º
Em particular, aquele magistrado judicial violou o disposto nos artigos 124.º a 130.º da Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (Lei n.º 36/11, 21 de Dezembro) no que diz respeito ao dever de realizar o apuramento provincial dos resultados eleitorais “com base nas actas das mesas de voto”. Segundo testemunho público dos próprios comissários nacionais eleitorais, o candidato fez uso das actas síntese não assinadas pelos delegados de lista e dos resultados gerados pelo software da empresa espanhola INDRA para atribuir os votos às diversas candidaturas, ao invés de utilizar uma a uma as actas das operações eleitorais, como impõe a lei. De facto, nas eleições gerais de 2017 não houve apuramento provincial dos resultados eleitorais na província de Luanda efectuado nos exactos termos estabelecidos pela Lei aplicável.


5.º
O principal responsável por esta grotesca violação ao princípio da legalidade é o magistrado Manuel Pereira da Silva, que, tal como alguns de seus colegas, preferiu seguir orientações superiores contrárias à Constituição e à Lei.


6.º
Aquele magistrado terá também violado o disposto no artigo 35.º da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, no que diz respeito ao cumprimento do dever de “publicar os nomes dos membros das assembleias de voto com a devida antecedência”.


7.º
Além disso, segundo testemunhos recolhidos, o candidato Manuel Pereira da Silva não goza de boa reputação no que diz respeito à percepção de isenção, independência, credibilidade e integridade que a Lei requer dos membros da Comissão Nacional Eleitoral (Art. 43.º, n.º 2, alínea b da Lei n.º 12/12). De igual modo, a sua conduta amiúde revelou-se incompatível com a dignidade do cargo que ocupa na Comissão Provincial Eleitoral de Luanda.


8.º
E mais: no exercício do seu mandato actual como Presidente da CPE de Luanda, o candidato Manuel Pereira da Silva foi também responsável pela denegação da justiça ao cidadão Ernesto João Manuel, Comissário Municipal Eleitoral da Quiçama, a quem impediu de obter tutela efectiva e em tempo útil contra a violação do direito a acesso a cargos públicos, constitucionalmente consagrado.


9.º
De facto, o Dr. Manuel Pereira da Silva foi o principal promotor de uma falsa acusação de duplo registo contra aquele cidadão. Mesmo depois do Ministério Público ter revisto a sua posição inicial e depois de o Tribunal ter absolvido o cidadão lesado, o Presidente da CPE de Luanda prejudicou o cidadão nos seus benefícios sociais, não processando os seus salários durante mais de nove meses. O cidadão ofendido teve de recorrer ao Plenário da Comissão Nacional Eleitoral para a reposição dos seus direitos, o que também só veio a ocorrer cerca de um ano depois da declaração do Tribunal. Tudo porque o candidato Manuel Pereira da Silva não observou os requisitos da isenção, da integridade e da justiça a que estão vinculados os juízes e os membros da Comissão Nacional Eleitoral.


10.º
O facto de não existirem mecanismos eficazes de avaliação do desempenho dos magistrados judiciais que suspenderam as suas funções judiciais após terem sido designados para o exercício de mandatos como comissários eleitorais, contribui certamente para que a conduta desses magistrados na administração eleitoral escape ao controlo directo e pleno do Conselho Superior da Magistratura Judicial.


11.º
A segunda candidatura que deve ser igualmente rejeitada é a candidatura do Dr. Raul Carlos Vasques Araújo, cujo mandato como juiz conselheiro do Tribunal Constitucional terá expirado em Fevereiro último.


12.º
A candidatura deve ser rejeitada tanto por razões de desempenho enquanto comissário nacional eleitoral no período 2005 – 2011 como por razões legais.


13.º
Enquanto comissário nacional eleitoral, o Dr. Raul Araújo foi, em 2008, um dos principais responsáveis pela selecção pouco transparente do consórcio INDRA/VALLEYSOFT, pela aquisição e utilização de uma solução tecnológica para o apuramento dos resultados eleitorais que não estava em conformidade com a lei e também, naturalmente, pelos custos altamente inflacionados dessa contratação.


14.º
Recorde-se que naquela eleição não foram utilizados cadernos eleitorais, não houve apuramento provincial dos resultados efectuado com base nas actas das operações eleitorais, tendo os resultados anunciados sido produzidos em Luanda, com base na aplicação informática desenvolvida pelo consórcio Valley Soft/INDRA e ditados às províncias apenas para registo e assinatura.


15.º
O Dr. Raul Araújo foi o responsável pelo centro de escrutínio nacional, uma peça fundamental na arquitectura do sistema pouco transparente montado pelo consórcio INDRA/ Valley SOFT, cuja contratação e funcionalidade supervisionou. O sistema foi adquirido em regime de “chave na mão”, em que a contratada forneceu e levou consigo todo o equipamento hardware, todo o software, todos os programas fontes e também os resultados produzidos por mesa de voto. Não deixou ficar nada.


16.º
Dos dados publicados pela CNE, conclui-se facilmente que a Valley Soft foi criada apenas para ser utilizada como testa de ferro para uma operação de dupla fraude: fraude eleitoral e fraude financeira ao erário público. Ela foi criada para servir de muleta ou testa de ferro de uma operação arquitetada para atentar contra o Estado de Direito e contra o tesouro nacional.


17.º
A análise dos relatórios da CNE e demais documentos relativos às eleições revela-nos que as operações tecnológicas associadas ao escrutínio de 2008, supervisionadas pelo Dr. Raul Araújo e que envolveram a ValleySoft, foram as mais caras da história. O concurso público não foi transparente e as despesas finais incorridas estão superinflacionadas. Comparando com as demais eleições, as eleições de 2008 terão custado ao País, mais de 900 milhões de dólares, para 8.256.584 eleitores, ao passo que em 2012 previram-se 9.757.671 eleitores e as eleições custaram 653 milhões de dólares. Já em 2017, e apesar de a população ter crescido em mais de 30%, o número de eleitores baixou para 9.317.294 mas o custo das eleições subiu para 796 milhões de dólares.


18.º
O que importa destes dados é o facto de que a ValleySoft desapareceu do mercado no mesmo ápice como surgiu. O caso da ValleySoft e a conduta pouco transparente da maior parte dos comissários da CNE na contratação de terceiros para organizar as eleições, revelam a nós, Deputados do Povo, que a CNE enfrenta sérias dificuldades em afirmar a sua independência devido à interferência clara de certas forças ligadas ao poder Executivo do Estado, e quiçá ao Partido que se confunde com o Estado. O Presidente da CNE a ser selecionado agora deve ser capaz de contrariar esta prática, pelo que a avaliação das candidaturas também deve ponderar esta realidade objectiva do contexto político-constitucional em que a CNE opera.


19.º
É sentimento geral dos cidadãos que as estruturas do Poder Executivo do Estado não respeitam a independência orgânica e funcional da Comissão Nacional Eleitoral, facto que tem constituído, nos últimos anos, factor de fricção e constrangimento funcional ao bom desempenho daquela instituição e um atentado à fé pública que os cidadãos gostariam de depositar na sua Comissão Nacional Eleitoral.


20.º
O desrespeito à independência da CNE só acontece devido à não afirmação dos seus membros, em especial dos seus presidentes, como titulares de um poder efectivamente separado do Executivo, que, no plano funcional, apenas deve obediência à Constituição e à Lei.

 

21.º
Daí ser do interesse público que o primeiro Presidente da Comissão Nacional Eleitoral na era do corrigir o que está mal seja uma entidade realmente isenta, que satisfaça além de qualquer dúvida os requisitos da probidade e da integridade e que tenha demonstrado ter a força moral e institucional adequada para corrigir de facto o que está mal.


22.º
Em nosso entender, pelo seu desempenho enquanto lá esteve, por acção ou omissão de dever, o Dr. Raul Carlos Vasques Araújo, não satisfaz tais requisitos.


23.º
Além disso, importa frisar, uma das forças de bloqueio à independência funcional da CNE tem sido a Direcção do MPLA. Ora, um dos responsáveis do Bureau Político do MPLA pelo controlo (político) da CNE, ou de seus membros, é o Dr. Carlos Feijó, amigo e até sócio ou ex-sócio do candidato Raúl Araújo nos seus negócios. Têm ou tiveram negócios e interesses comerciais comuns.

 

24.º
É convicção da signatária que, no contexto da operacionalização do poder em Angola, este facto por si só pode perturbar ou ferir a percepção de isenção e independência que se requer do Presidente da CNE. Num momento em que “corrigir o que está mal” tornou-se uma política pública do Estado angolano, este factor deveria ser também motivo de ponderação na avaliação das candidaturas.


25.º
Há ainda o facto de o Dr. Raul Carlos Vasques Araújo não ser magistrado judicial para os efeitos pretendidos pelo legislador ordinário que estabeleceu tal requisito, primeiramente, na Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro).


26.º
Por ter participado no processo de concepção e legiferação do referido requisito, a signatária pode afirmar com propriedade que a intenção do legislador ordinário foi dupla: (1) utilizar um juiz de carreira como árbitro num órgão colegial exclusivamente composto por entidades políticas designadas por partidos políticos; e (2) seguir a recomendação da SADC de ter no topo dos órgãos máximos das administrações eleitorais um juiz de carreira como personificação da isenção, neutralidade e integridade que se requer dessas instituições.


27.º
A larga maioria dos Juristas angolanos sabe que o Dr. Raul Vasques Araújo, que há mais de sete anos concorreu como “jurista” ao cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, para um mandato único de sete anos nos termos na alínea d) do n.º 3 do artigo 180.º da CRA, não é magistrado judicial.

 

 

28.º
Todos sabem que o jurista chamado a exercer funções jurisdicionais no Tribunal Constitucional não se torna, por isso, magistrado judicial. De facto, o ilustre Professor Dr. Raul Araújo é bem conhecido e respeitado como advogado, quiçá como o primeiro Bastonário da Ordem dos Advogados e foi nessa qualidade, de advogado, que concorreu em 2012 para a única vaga disponível no TC que é preenchida por concurso público curricular.


29.º
E isto sucede porque a nossa Lex Mater, estabelece uma composição mista para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos: “O Tribunal Constitucional é composto por 11 Juízes Conselheiros designados de entre juristas e magistrados, …“


30.º
Quis o nosso legislador constituinte permitir que a proveniência dos juízes que servem no Tribunal Constitucional não se limitasse à Magistratura judicial, mas que incluísse Juristas (qualquer licenciado em Direito) e Magistrados (Judiciais e do Ministério Público).


31.º
O Dr. Raul Araújo pertence ao grupo dos juristas, não pertence ao grupo dos magistrados. O legislador constituinte teve razões para distinguir bem os dois grupos. Razões que o legislador ordinário interiorizou e que nada têm a ver com o requisito “magistrado judicial” para o cargo de Presidente da CNE.


32.º
Não será necessário comprar pareceres, recorrendo a ilustres Professores de Direito da República Portuguesa, para se compreender o objectivo perseguido pelo legislador ordinário da República de Angola quando estabeleceu o requisito “magistrado judicial” para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.


33.º
Também não é necessário discutir o “conceito legal” de “magistrado judicial” e muito menos o fantasma de qualquer “inconstitucionalidade” no estabelecimento do requisito em si. Todos sabem que Magistrado judicial é Magistrado de carreira. Todos sabem que os requisitos ou restrições impostos por lei, em Angola ou em Portugal, para o acesso a certos cargos públicos, como o de juiz dos Tribunais Superiores, os responsáveis pelas autoridades reguladoras independentes ou os comissários eleitorais independentes, não extravasam o que é necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Nem os angolanos esperam que um jurisconsulto tenha a pretensão de fazer a “interpretação correcta e conforme” de uma norma concebida pelos seus legisladores e cujo espírito desconhece. Não se trata de doutrina, trata-se da expressão da vontade soberana do povo angolano, que é um dos fundamentos da República soberana e independente de Angola.


34.º
De igual modo, no número 4 do artigo 180º, a nossa lei fundamental estabelece que, relativamente ao Tribunal Constitucional, os seus Juízes Conselheiros são designados para um mandato de sete anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes dos restantes Tribunais.


35.º
Entende-se dessa disposição que o legislador constituinte quis equiparar os Conselheiros do TC aos demais Juízes, no caso os Magistrados Judiciais, pois o artigo 179º da CRA, sob a epígrafe Magistrados Judiciais é utilizado para equiparar os Magistrados do MP e os demais Juízes Conselheiros dos Tribunais Superiores que não estejam sob a alçada do Conselho Superior da Magistratura Judicial, no que à questão da independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade, diz respeito.


36.º
Os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional não são Magistrados Judiciais, tal como não são Magistrados Judiciais os Juízes Conselheiros do Tribunal de Contas. Ambas categorias são apenas equiparadas à de Magistrado Judicial nos termos da CRA.


37.º
Os Juízes Conselheiros do TC têm um mandato limitado, que termina com a tomada de posse do novo Juiz Conselheiro, algo que não acontece com os Magistrados Judiciais, cujo mandato é vitalício. Os juízes Conselheiros do TC Apenas poderão ser considerados Magistrados Judicias se passarem a exercer a magistratura no TS, na Relação ou em outra instância da jurisdição comum. A Jubilação também não lhes confere a qualidade de Magistrados Judiciais.


38.º
Outra questão de grande importância tem a ver com a avaliação pessoal de desempenho do Magistrado Judicial. De acordo com a Lex Superior, o Magistrado Judicial é obrigatoriamente avaliado periodicamente, de seis em seis meses, nos termos do que está consagrado na CRA.


39.º
Na Reclamação do candidato e no Parecer de direito que solicitou ambos os professores parecem confundir o exercício do poder disciplinar dos Juízes Conselheiros do TC com as avaliações periódicas obrigatórias dos magistrados judiciais. Quem não está sujeito à avaliação periódica do Conselho Superior da Magistratura Judicial não é magistrado judicial.


40.º
Se se considerar que todos os juízes dos Tribunais Superiores especializados são Magistrados Judiciais, então teremos como magistrados judiciais os Conselheiros do Tribunal de Contas, que nem sequer são licenciados em direito, requisito indispensável para o exercício da Magistratura Judicial.


41.º
De igual modo, se considerarmos os Juízes Conselheiros do TC como Magistrados Judiciais e não apenas como Conselheiros com um mandato temporário de 7 anos, então todos os Juristas de mérito que entraram para o Tribunal Supremo, mediante as vagas existentes para juristas de mérito, estariam neste órgão, de modo ilegal e inconstitucional, porque não concorreram na sua respectiva pretensa categoria, (de acordo com Raul Araújo e Bacelar Gouveia), mas sim na categoria de juristas de mérito e nesta condição estaria igualmente o actual Presidente do Tribunal Supremo.


42.º
No respeito pelo princípio da supremacia da Constituição e legalidade, no interesse da probidade e da fé pública, na defesa do interesse geral e por todas as demais razões acima expostas, as candidaturas do actual Presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda e do jurista e veterano Professor de Direito Raul Carlos Vasques Araújo devem ser rejeitadas.

Luanda, 9 de Maio de 2019


Atenciosamente

Mihaela Neto Webba