Luanda - O advogado e ativista de Cabinda Arão Tempo criticou hoje a manutenção da repressão no enclave, afirmando que, se o povo angolano continua a viver em crise, o do território vive "num inferno".

Fonte: Lusa


Em entrevista à agência Lusa, em Luanda, o também presidente do Movimento de Reunificação do Povo de Cabinda para a sua Soberania (MRPCS), criado em 2002, considerou que a situação no enclave angolano entre os dois Congos é "preocupante e degradante", uma vez que já vive sob a "repressão de Luanda" há 44 anos, período em que, reivindica, não se fizeram investimentos especiais.

 

"A situação em Cabinda é preocupante, na medida em que é um povo que vive numa repressão durante 44 anos, em descontinuidade geográfica e sem investimentos especiais. Já se vê que a situação é degradante", declarou, defendendo que a repressão mantém-se com as detenções arbitrárias de jovens cabindenses.

 

Falando na qualidade de líder do MRPCS, movimento que referiu ter sido criado em 2002, após o final da guerra civil angolana, Arão Tempo criticou as autoridades de Luanda por manterem o "silêncio" sobre a situação no enclave, palco desde 1975 de uma luta pela secessão de uma província angolana rica em recursos minerais, como o petróleo.

 

"Lamentavelmente, todo o povo angolano está a levar uma vida muito difícil, mas, na verdade, em Cabinda aquilo é um inferno. Nós, no MRPCS, temos estado a proceder a alguns contactos com várias entidades para que o Governo angolano seja sensibilizado para um diálogo. Esse movimento, de facto, existe e tem estado a comunicar com outros partidos políticos angolanos, governador e demais entidades que a sua existência é democrática", indicou.

 

Arão Tempo disse estar preocupado com o facto de Luanda ter deixado de lado qualquer ideia de secessão ou de um estatuto especial autonómico e querer agora implantar as autarquias no país, tendo em vista as primeiras eleições locais previstas para 2020.

 

"Falando-se das autarquias, agora já não há estatuto especial, agora são autarquias. Com a descontinuidade geográfica, com o abandono do território durante 44 anos, e ainda continua a haver rumores de guerra entre beligerantes, entre Governo e a FLEC. Será que autarquias é uma solução para Cabinda", questionou.

 

O advogado e ativista referiu que, recentemente, numa cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), o vice-Presidente angolano, Bornito de Sousa, foi "perentório" na defesa da luta do povo do Saara Ocidental pela independência de Marrocos, que anexou o território saarauí em 1975.

 

"Angola tem neste momento uma intervenção direta na descolonização do Saara Ocidental. (...) Porque é que Angola intervém fora, diretamente, na questão do Saara Ocidental, sabendo que Marrocos também é um país soberano. Se assim for, porque é que agora o Governo angolano não fala de Cabinda? Essa contradição, de facto, leva a crer que há muito a fazer nessa governação angolana", sustentou.

 

Um dos lemas do movimento, acrescentou, é "Não à Discriminação", uma vez que todo aquele que quiser fazer parte do movimento, mesmo sendo oriundo de uma província que não de Cabinda, desde que adira e apoie, esse indivíduo tem todos os direitos como cidadão de Cabinda.

 

"Não sei porque o Governo angolano continua a silenciar a questão de Cabinda. Temos uma ligação de casamentos. O MRPCS condena todas as atitudes discriminatórias, sobretudo o recrudescimento da guerra ou de atitudes repressivas em Cabinda. Estamos a dar um mau exemplo para as futuras gerações", defendeu.

 

Na entrevista à Lusa, Arão Tempo não confirmou a existência de uma guerra em Cabinda e optou por falar de "rumores" nesse sentido, defendendo que cabe aos "homens da guerra" - "da governação de João Lourenço e das FLEC" [as diferentes fações da Frente de Libertação do estado de Cabinda] - explicar a situação.

 

Sobre a aproximação às autoridades angolanas, Arão Tempo disse que a resposta "ainda não é visível", uma vez que os governantes angolanos continuam com os corações endurecidos".

 

"Ainda não é visível. É o endurecimento dos corações dos nossos governantes, a continuidade do senhor José Eduardo dos Santos, porque os senhores que rodeiam o novo Presidente são os mesmos. Se o Presidente da República pensar em apostar nas novas gerações, que não conhecem esses comportamentos de guerra e de corrupção, creio que podia avançar. Mas enquanto apostar nos mesmos, creio que não haverá futuro para Angola", afirmou.