CARTA ABERTA

Sr. Ministro da Justiça,

Srs. Procuradores da Procuradoria-Geral da República,

Foi com muita atenção e particular interesse que acompanhei a conferência de imprensa realizada conjuntamente por sua excelência o Ministro da Justiça e a Procuradora Eduarda Neto, no dia 16 de Maio sobre o alegado conflito existente entre a República de Angola e a empresa Africa Growth Corporation.

 

Tomei também conhecimento da nota de imprensa publicada na sequência da referida conferência e sobre a qual gostaria de fazer os seguintes comentários:

 

Lamentar o facto de só agora, ou seja, quase dois anos depois, a PGR reconhecer que a AGC está a fazer uma campanha de chantagem contra o Estado angolano. Esta situação poderia ter sido evitada se a PGR tivesse feito o seu trabalho de investigação com imparcialidade e deixar o Tribunal dirimir o conflito que, de resto, é um conflito entre particulares, o que infelizmente não aconteceu.

 

A PGR continua com a mesma táctica de escamotear a realidade dos factos, embarcando desta vez sua excelência o Ministro da Justiça, levando o mesmo a pronunciar-se publicamente sobre um processo que ainda está sob investigação e em curso nos Tribunais em Angola nomeadamente (4a Secção do Cível – Nova Vida).

 

Lamentar o facto de a PGR não informar devidamente o público sobre a situação da referida empresa em Angola, se factualmente realizou ou não investimento em Angola para vir reivindicar propriedade no território angolano. É ser-se simplista de espírito crer que a construção dos edifícios só terá ocorrido porque se depreende que os “endinheirados estrangeiros” vieram investir no terreno dos “empobrecidos angolanos, sem eira nem beira” sem que estes tivessem colocado sequer um centavo nesta empreitada comum. Pensar-se assim é resultante dos velhos complexos de inferioridade nutridos por muitos dos nossos conterrâneos aos vários níveis da sociedade inclusive na PGR e noutros sectores da Administração central do Estado. Facto que é de lamentar.

 

Fiquei consternado de ver altos representantes do Estado angolano a ter que vir publicamente abordar e prestar esclarecimentos sobre matéria que não envolve o Estado e que só pode ser esclarecido pelas partes em litígio. Esta postura só pode se justificar por parte de quem tem interesse directo no litígio. O contrário não é admissível.

 

Consternado ainda e triste por ver que este assunto só chegou a este nível de absurdidade por culpa exclusiva da PGR. Porque se a Procuradoria-geral da República de Angola tivesse tomado em consideração, logo de início, quando recebeu as primeiras queixas-crime feitas pela família Andrade em Agosto de 2017 e que deram abertura de dois processos (têm número) junto à PGR/SIC e Polícia Económica em que foram denunciados os actos ilícitos e ilegais praticados pelos representantes desta empresa americana sob a direcção directa do cidadão irlandês/norte-americano/suíço Christopher Sugrue (pessoa chave em todo este processo) e coadjuvado por indivíduos nacionais identificados, actos estes que causaram danos avultados para a família Andrade de 2010 à 2019. Qual foi o tratamento dado pela PGR? O anterior Procurador-geral Sr. João Maria de Sousa “engavetou” deliberadamente as referidas queixas com o intuito de prejudicar a parte angolana. Quais foram as suas motivações para não acionar os mecanismos de investigação? Deixo aqui a interrogação.

 

Consternado pela forma deturpada, mentirosa e leviana como se trata a posição dos membros da família Andrade (cidadãos angolanos) fazendo-lhes passar por criminosos e esbulhadores quando se sabe perfeitamente quem são os verdadeiros malfeitores nesta história. Desde a PGR, AIPEX, BNA e todos os serviços de segurança e Inteligência do país dispõem destas provas. Lamento mas a responsabilidade por este embaraço de que é vítima hoje o Estado e o Governo de Angola recai totalmente sobre os órgãos do Estado competentes que não fizeram o seu trabalho.

 

Meus senhores,

 

Quem em Angola, e em particular na zona da Ilha de Luanda, não sabe que o complexo habitacional ISHA (anteriormente denominado Ilha Lodge) pertence à família Andrade? Ela é a legítima proprietária do terreno e dos edifícios, objecto deste imbróglio, desde 2013 (ano da assinatura do Contrato com o GPL), inicialmente por via de uma empresa familiar (AUSRAL Lda) e depois de uma segunda também familiar (a ILLICO,Lda) constituída pessoalmente pelo signatário desta carta (GUE Marginal) e depois transferida para o nome da minha irmã por decisão dos membros da família. Não é crime, nem tampouco diz respeito à ninguém externo ao nosso círculo familiar. Trata-se de uma propriedade privada, tendo a família Andrade pago o valor do direito de superfície na totalidade (informação disponível no Gabinete jurídico do GPL). Ainda importa salientar de que para efeitos da realização do empreendimento, a AUSRAL LDA assumiu em seu nome todos os encargos administrativos para a obtenção de todas as licenças legais para a construção e a expansão do projecto ISHA e PINA (informação disponível no IPGUL e na Comissão Administrativa da Cidade de Luanda).

 

O conflito opõe a família Andrade ao Sr. Christopher Sugrue (citado nas nossas queixas) e não com nenhuma AFGC pois não existe sequer vínculo contratual entre a minha família e esta entidade. Logo, trata-se de um litígio é de foro particular e como tal deve ser dirimido pelo Tribunal e não pela PGR.

Meus senhores,

É facto que existiu uma parceria entre a empresa da família Andrade e a sociedadeBlox Construções SA detida pelos Srs. C. Sugrue e Omer Gal. É igualmente facto que existiu um acordo privado no âmbito desta parceria que previa a cedência dos imóveis em contrapartida do pagamento pelos "investidores" estrangeiros do devido valor a favor da família Andrade. Ora, face ao incumprimento das obrigações decorrentes deste acordo (algo incumprimento que premeditadamente planeado pelo Sr. Christopher Sugrue e sua clique) desde 2014, e após várias promessas quebradas por parte deste, a família Andrade, lesada nos seus direitos, rescindiu unilateralmente o acordo. E recuperou a plenitude da sua propriedade dentro das regras previstas na Lei das Terras. Nunca houve esbulho (ou seja invasão e apropriação violenta de propriedade) por parte de nenhum membro da família Andrade conforme falsamente alega o Sr. Scott Mortman da AFGC até porque membros da família Andrade residiam permanentemente na propriedade desde 2010 até novembro de 2018. Ou seja, como pode alguém esbulhar ou usurpar algo que é seu? Aparentemente para certas pessoas é possível, aceitando e reproduzindo alegremente esta narrativa falaciosa.

 

O conflito opõe a família Andrade ao Sr. Christopher Sugrue (citado nas nossas queixas) e não com nenhuma AFGC pois não existe sequer vínculo contratual entre a minha família e esta entidade. Logo, trata-se de um litígio é de foro particular e como tal deve ser dirimido pelo Tribunal e não pela PGR.

 

A família Andrade jamais teve qualquer contacto directo ou indirecto com o Sr. Scott Mortman, amigo do Sr. Christopher Sugrue. O mesmo nunca procurou fazê-lo por forma a tentar um entendimento entre as partes porque não é do seu interesse nem de quem o rodeia e apoia.

 

Se há aqui um responsável a ser chamado para esclarecimentos é o Sr. Christopher Sugrue que não honrou a sua palavra perante o ex-parceiro angolano e foi vender à AFGC e outros algo do qual não era dono. É a ele que a PGR e o Ministério da Justiça de Angola devem focar a sua atenção para se apurarem os factos por nós denunciados nas queixas apresentadas junto dos serviços da PGR.

 

O Sr. C. Sugrue, por iniciativa própria, alienou este património a terceiros (AFGC e outros) sem ter previamente saldado e honrado em Angola, com o seu parceiro angolano, os compromissos assumidos. É facto. Dispomos das provas. A PGR não se interessou em investigar e apurar os factos. De quem a falha?

 

Questiono também aqui a PGR a razão pela qual a AFGC, sendo supostamente “dona” dos imóveis situados em Angola, supostamente lesada nos seus direitos no território angolano, alegadamente em posse de toda a documentação comprovativa das suas alegações, e estando já em curso processos nos tribunais angolanos, não manifesta nenhum interesse em dar andamento ou impulso judicial necessário de maneira a ver reconhecida a sua pretensão pela Justiça? Ao invés, optou por mover um processo nos Estados Unidos contra o Estado e seus cidadãos sabendo perfeita e previamente de aquela instituição não teria competência territorial para se pronunciar sobre a matéria.

 

Para mim a minha família está claro que a principal intenção da AFGC e dos seus representantes foi de se servir desta para promover acções de difamação, chantagem e extorsão contra Angola. Os imóveis nunca foram na realidade de interesse senão para servir de alibi para os seus planos inconfessos. Não terá a PGR feito esta leitura dos factos?

 

“Afina, todos eles são rebeldes obstinados, propagadores de mentiras e falsas acusações. Estão petrificados, endurecidos em seus corações como o bronze e o ferro. Foram corrompidos e vivem da prática da corrupção.” Jeremias 6:28

Meus senhores,

A família Andrade denunciou ainda o não cumprimento (em violação da Lei do Investimento privado) pela filial Angolana da agora AFGC, a AGPV Lda, do projecto de investimento assinado com a ANIP em 2013. Significa que a AFGC, via a sua filial, está em situação de infracção grave para com o Estado angolano, que neste caso está lesado em USD 3.482.400,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e dois mil e quatrocentos dólares norte-americanos) pelo investimento não realizado. É facto. Contactem a AIPEX e o BNA. Será que a PGR não é competente para neste caso defender os interesses do Estado angolano, no seu próprio território de competência, em face desta violação da Lei por uma empresa estrangeira? Ou não há aqui matéria delituosa por parte desta entidade? Obviamente que há. A PGR não age porquê atendendo que o país tem uma necessidade gritante de investimentos? Livre à opinião pública tirar as suas conclusões.

 

Expresso consternação e estupefacção pelo facto de nem a PGR, nem o Ministério da Justiça não terem uma vez sequer questionado de que forma é que a AFGC, empresa constituída nos Estados Unidos somente em Abril de 2016, se declara detentora de propriedades em Angola em 2017, não havendo cumprido nenhum pressuposto legal previsto na Lei das Terras nem no âmbito da Lei do Investimento privado. É facto. De quem a irresponsabilidade aqui? A Lei afinal em Angola é para todos e para se cumprir ou é só fachada? E se a AFGC alega ser dona de algo, teve a PGR ou o Ministério da Justiça acesso às provas de pagamento pela AFGC destas propriedades? Pagou quanto e à quem? Certamente não foi à família de António de Andrade.

 

Para nossa grande surpresa, tomámos conhecimento pelo Semanário Expansão da existência de contactos entre a PGR e elementos da AFGC em Lisboa (Portugal) para negociar os termos de um acordo que envolvia a nossa propriedade objeto do litígio e que curiosamente, uma das partes foi simples e deliberadamente excluída desta iniciativa. Ou seja alguém com intenções inconfessas e desonestas tentou "passar-nos a perna" e isso com a colaboração de elementos da PGR. É facto. Se o propósito era de se encontrar uma solução negociada, então por que razão não foi a família Andrade envolvida neste processo? A PGR pretendeu defender interesses de quem neste caso: do Estado ou do suposto investidor estrangeiro?

 

Senhores da PGR e do Ministério da Justiça da República de Angola,

Não obstante todas as incongruências e falhas assinaladas no âmbito deste assunto do lado da PGR principalmente, a família Andrade, única parte que conhece no detalhe a matéria e dispõe das informações e peças de prova que podem servir para desmontar as pretensões criminosas dos representantes da Africa Growth Corporation, mantém total disponibilidade para colaborar com o Estado na defesa dos interesses nacionais e dos seus próprios, na eventualidade de se julgar oportuno e útil a nossa ajuda, pois acima de tudo somos angolanos, nos sentimos angolanos. O projecto empresarial desenvolvido foi também investimento feito por nós, e permitiu empregar mão-de-obra nacional e potenciar o desenvolvimento social, económico e profissional de cidadãos angolanos mas que hoje, fruto desta situação surreal, cerca de 100 empregos directos e indirectos de angolanos foram perdidos.

 

Lamento que o nome do país esteja a ser propalado pela negativa dentro e fora do território nacional numa fase em que o Estado vem lançado uma série de iniciativas para promover o investimento estrangeiro e nacional estruturante de que precisa, e lamento mais ainda o facto de o Executivo ter sido mal aconselhado no tratamento dado a este processo pelas entidades competentes. Mas infelizmente, o Estado pouco caso fez de nos ouvir para assegurar firmemente a sua defesa, em busca da VERDADE.

 

Finalizando, permito-me frisar aqui que a minha irmã Dra. Natasha Andrade Santos, é Procuradora da República há 13 anos, e vem exercendo as suas funções com zelo e dedicação no Tribunal Provincial de Luanda, apesar das constantes insinuações de que tem sido alvo desde 2017. Sendo ela quadro da PGR, e em serviço efectivo, pela segunda vez na sua carreira, tomou conhecimento pelos meios de comunicação social, e pela voz da colega a Sra. Eduarda Neto, nesta mesma conferência de imprensa, de que corre um processo-crime contra si, e sem que ela tivesse sido antecipadamente notificada da sua existência. É este o procedimento normal da PGR, garante da legalidade, na forma como trata os seus próprios quadros? Era da competência da Sra. Procuradora Eduarda Neto, fazer um pronunciamento desta natureza perante os órgãos de comunicação social? A Constituição da República de Angola da qual a PGR é suposto respeitar e fazer respeitar, garante a protecção e o respeito ao bom nome de cada cidadão, sem excepções.

 

Digníssimos senhores,

 

A família Andrade não mais fará nenhum pronunciamento público a respeito deste assunto, e aguardará serenamente o desfecho desta novela mas continuará a levar a cabo as açções legais na Justiça no sentido de defender todos os seus direitos, até que lhe seja restituído o direito pleno de acesso e de exploração da sua propriedade da qual a PGR ilicitamente a removeu em Novembro de 2018. Não vamos desistir, até a vitória final!

 

Miguel Andrade


Em nome e representação da família Andrade