Luanda - Nasci no tempo da revolução onde o sentimento dos homens angolanos era o da Independência, da Liberdade, da Solidariedade e do Respeito pelo Ser Humano. Nesta época, pensava-se não apenas na independência, mas mais profundamente na libertação de Angola do julgo colonial português, da sua opressão, da dominação, da expropriação de terras, da exploração do homem pelo homem, porque perspectivava-se um país livre, solidário, democrático, multirracial e uma sociedade digna para se viver.

Fonte: Club-k.net

De 1975 a 1992, quando tudo parecia estar no caminho certo, foi instaurado o sistema de Partido Único e posteriormente depois dos Acordos de Bicesse, em Portugal, do conflito armado em Angola e com a realização das primeiras eleições livres e multipartidárias no país, assistiu-se a derrocada do sonho da grande Pátria angolana que a Revolução pela via armada, preconizava ao longo da luta armada, porque presenciou-se logo de seguida a perversão da nossa história com o surgimento de um sistema político capitalista de Estado e selvagem, onde os valores humanos que eram enaltecidos na época foram substituídos pelo enriquecimento fácil, o egocentrismo, a bajulação, a veneração, o desprezo, o nepotismo, a corrupção, a impunidade, a inveja e a maldição.


O novo sistema de organização política e social em Angola, atingiu um ponto aristocrático de desprezo humano entre angolanos, que as práticas de expropriação de terras, de bens, a exploração esclavagista e dos recursos naturais da dominação colonial portuguesa, parece ser mais branda, no que se refere ao direito a vida, a saúde, a educação e a dignificação dos angolanos como seres sociais, com a dignidade desejada, com vida própria de um ser humano livre e de sonhos, valores esses que se perspectiva com o alcance da Independência.


A violência física e simbólica criada pela aristocracia angolana do novo sistema político, transformou a sociedade angolana com a cultura do medo, da insegurança e da domesticação colectiva, onde o cidadão passou a ser passivo ao ponto de ter medo da sua própria sombra, de tudo que se mexe e de tudo que não se mexe. Por outro lado, os ex-guerrilheiros, os ex-presos políticos, os ex-homens de fé e os iluminados da sociedade angolana com os seus filhos, transformaram-se em anti-povo, reacionários e em seres humanos extremamente cruéis.


O que significa dizer que todo o dogmatismo revolucionário, da liberdade, da solidariedade e do humanismo, foi substituído pela era do vazio, que transportou consigo a miséria, a pobreza extrema, o culto de personalidade, a bajulação, a ostentação, a ganância, o nepotismo, a corrupção, a impunidade e na criação de seres inumanos.
Nunca e em nenhum momento da nossa história política se pensou que um dia Angola, ultrapasse os expoentes máximos da desestruturação política das sociedades africanas, até então alicerçados no Marechal Mobutu Sese Seko , ex-Presidente do ex- Congo Kinshasa, o Imperador Bokassa da República Centro-Africana e o Marechal Idi Amin Dada, ex-Presidente do Uganda, mesmo sendo estes políticos africanos ditadores, que não se arrogaram a oferecer os seus respectivos países aos seus filhos e aos seus familiares.


Foi a 23 de Agosto de 2017, que pela primeira vez, o candidato número um da lista do MPLA, deixou de ser o Presidente José Eduardo dos Santos, (38 anos), na chefia do Estado e do Executivo, ao eleger como seu sucessor, o Presidente João Lourenço.


Com a vitória do MPLA, no pleito eleitoral, o Presidente João Lourenço passou a liderar o país e concomitantemente com a sua eleição ao cargo de Presidente do Partido, novas perspectivas sociopolíticas se abriram para o país e para o povo heróico e generoso de Angola.


Pensamos nós que ao longo dos anos, a escravatura e o colonialismo humilhou todo o povo de África, que a nosso ver, o Continente africano deveria potenciar nos dias de hoje, políticos e líderes mais humanos e intelectualizados, mas pelo contrário, criou sistemas políticos, partidos políticos, líderes e uma intelectualidade política ávida do poder pelo poder e que continuam até hoje a trilhar em estratégias políticas de exclusão, humilhação e com grandes falências de falta de humanismo, afirmando-se como verdadeiros alunos de excelência do passado colonial.

O colonialismo no passado sempre teve medo da elitização e da intelectualização dos povos africanos, subtraiu-lhes em primeira instância o direito a educação, a saúde e a sua humanização, adicionando-lhes, pelo contrário, a ignorância, a pobreza e multiplicou-lhes a cultura do ódio.


Daí que, durante a Luta Armada de Libertação Nacional, caso especifico de Angola, os Movimentos de Libertação Nacional e os seus líderes políticos não tiveram a inteligência e a capacidade necessária para congregar todo o povo angolano na mesma causa, uma vez que, o sentido último da luta pela independência tinha como finalidade a libertação do país e de criar-se um verdadeiro Estado/Nação, que aglutinasse todo o povo angolano, sem tribalismo, regionalismo, ideologias políticas e racismo, onde poderíamos encontrar espelhado, a máxima de “todos iguais e na diferença”.


O que aconteceu após as independências foi precisamente o contrário, as sociedades africanas criadas depois dos anos 50 e 60, com as independências, criaram sistemas políticos ditatoriais, de exclusão social, de pobreza extrema, de humilhação, ou seja, com total desprezo aos seus povos na qual eles próprios, libertaram do jugo colonial.


Os Movimentos de Libertação Nacional, desprovidos de complexos políticos e sociais, ou seja, sem tribalismo, regionalismo, racismo, etc., casos do MPLA, em Angola, FRELIMO em Moçambique e PAIGC, na Guiné-Bissau e Cabo-Verde, com menor ou maior intensidade, não escaparam a tirania da desestruturação na construção de Estados/Nações, dos seus Estados, ao criarem sistemas políticas de exclusão social, sem paz, de humilhação e de pobreza, após as independências.


No caso concreto do MPLA, foi dos poucos Movimentos/Partidos políticos de África ao Sul do Sahara que reuniu as condições necessárias e objectivas para criar o Estado/Nação no verdadeiro sentido da palavra em Angola. Mas só seria possível na sua materialização se na sua evolução como Partido/Estado nas suas estratégias políticas conseguisse implementar o seu Programa Mínimo, da Independência total e imediata e do seu Programa Máximo, com a criação da Independência Política, Económica e Social.

No início da Independência de Angola, já com o MPLA no poder do Estado e da Nação, tudo indiciava que Angola seria diferente dos outros países africanos, (sem Mobutismo), principalmente nos países ao Sul do Sahara. Mas com o tempo esta perspectiva não passou de uma miragem.


O país conheceu uma guerra civil de longa duração e profundamente destruidora, que foi do tecido humano da sociedade até as suas infra- estruturas, tendo sido na sua primeira fase do conflito entre os três movimentos de libertação, MPLA, FNLA e a Unita e na sua segunda fase entre o MPLA/Estado e a Unita/Movimento de Guerrilha, que conheceu o seu fim a 4 de Abril de 2002, com a morte do líder da Unita Jonas Savimbi.


Do nosso ponto de vista, com a humildade e a ponderação que se impõe, pela delicadeza da matéria em análise, pensamos nós, o que fez com que o MPLA perdesse a sua essência, consubstancia-se no seguinte:


 A não “materialização do seu Programa Máximo”, quando o Programa Mínimo já tinha sido alcançado com a independência, ou seja, com a criação de um Estado independente, livre, em certa medida com alguma igualdade de oportunidades, solidariedade e teoricamente com alguma dignidade para se viver, por se tratar de um país novo, livre do colonialismo português.


 Erradicou do seu seio, “o uso da crítica e da autocrítica, da Fogueira do Combatente”, que eliminou do seu seio, todo o senso crítico dos seus militantes, no uso das suas liberdades de pensamento e de livre expressão e criou em contra posição, a cultura do medo, da bajulação, do culto de personalidade e da ordem superior.


 A Transformação do MPLA Movimento em MPLA-PT (Partido do Trabalho). O que fez com que o Partido se convertesse num partido selectivo, em que a militância deixava de ter qualquer importância, ao introduzir no seu lagar a política de exclusão, anulando-lhe todo o seu carácter democrático e de diálogo, emergindo na luta de guerrilha contra o colonialismo português, promovendo por seu turno a cultura de grupo, da linhagem e dos superdotados selecionados superiormente pela divindade aristocrática do Partido.


 O MPLA, caracteriza-se hoje como um Partido que adere o Socialismo Democrático, tanto é assim que é Membro da Internacional Socialista. Posiciona-se como um partido de esquerda. Mas na verdade é que o Socialismo Democrático é uma orientação política que propõe a criação de uma economia democrática descentralizada a partir de movimentos populares, empreendida por e para cidadãos conscientes dos seus direitos políticos. Ela surge em oposição no combate a outras correntes políticas que defendem o autoritarismo, o totalitarismo partidário, o totalitarismo militar e outras formas de dominação que possam pôr em causa o Socialismo.
Neste contexto, não existe uma significação clara para o socialismo democrático, sendo que muitos grupos de estudiosos em matéria de ciência política divergem radicalmente sobre a definição do termo. Algumas correntes referem-se simplesmente, como sendo, socialismo democrático todas as tendências sociopolíticas que seguem a via eleitoral, reformista e/ou evolucionista para o socialismo ao invés de um único caminho revolucionário como era o comunismo científico.


A actual opção ideológica do MPLA, o Socialismo Democrático, encontra-se alicerçado num campo teórico, universalmente aceite porque na sua essência vai a procura da possibilidade de se alcançar uma sociedade mais igualitária, com melhor distribuição per capita, que respeite os direitos humanos, a liberdade de expressão, a liberdade de pensamento e do direito a vida.


Toda essa abordagem teórica e ideológica do socialismo democrático só tem funcionalidade quando ela é aplicável não como importação de modelo, mas sim, como uma realidade social. Ou seja, criar uma liderança de Estado em que o povo elege, como fonte única da sua actuação, aquele que, a qualquer preço, põe sempre o bem comum à frente dos interesses particulares. Um Estado que elege uma cidadania activa de participação direcionada a todos os cidadãos, sejam eles ricos ou pobres em detrimento de uma liderança autista.


Angola, neste momento, necessita de um Estado que na sua acção de governação coloque o bem comum como a principal meta a atingir, que seja capaz de contrariar até a sua própria ideologia, caso seja imprescindível para preservar o bem comum, colocando deste modo, sempre o Estado acima de qualquer ideologia partidária, não descorando, os seus limites e capacidades, para não recuar perante as adversidades e reconhecer o valor e a pujança dos seus actores sociais, com principal incidência na juventude, em utilizá-los como fonte de sucesso e de boa governação.


A sociedade angolana almeja por um MPLA, como Partido de vanguarda, que na sua liderança do Estado, possa transformar as tradições socioculturais locais, observando a especificidade de cada região e potenciar de forma harmoniosa o desenvolvimento sustentado de toda a Nação, num compromisso comum de valores, promovendo uma governação de excelência e de respeito pela diversidade de pensamento, que propicie a uma liderança racional e universal, indo de encontro aos anseios de todo o povo angolano, respeitando os seus cidadãos sem qualquer espécie de exclusão política e social.


Segundo o filósofo Jean-Paul Sartre “o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos inteiramente responsáveis pelo nosso passado, pelo nosso presente e pelo nosso futuro. O homem está condenado a ser livre”. “Tal como Friedrich Nietzsche, outro filosofo da modernidade, afirmava, que não havia a existência de um Deus que pudesse justificar os acontecimentos, a ideia de destino, tal como descrita pelo cristianismo, passava a ser inconcebível, sendo então o homem o único responsável pelos seus actos e pelas suas escolhas”. “Para Sartre, as nossas escolhas são direcionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, para Sartre, o homem é um ser que projecta tornar-se a semelhança de Deus”.


Com a liderança do Presidente João Loureço nos destinos do país e do MPLA, o povo angolano voltou a sonhar, só que Angola encontra-se numa situação extremamente difícil, com uma crise económica profunda, pobreza extrema, crise de valores humanos e sociais e com uma total ausência de boas práticas de governação herdadas dos 38 anos da presidência do seu antecessor.


O Presidente João Lourenço no seu discurso na VI Sessão Ordinária do Comité Central do MPLA, enfatizou que “não basta termos um programa, bons estatutos. Importa que a nossa prática, a nossa atitude, enquanto Partido, esteja em conformidade, alinhada com o conteúdo dos documentos que aprovamos, em Congresso ou a outro nível da direcção.


Que MPLA temos, que defendemos e pretendemos construir?


Vivemos novos tempos, com uma oposição mais combativa, uma imprensa mais livre e investigativa e rigorosa na exigência ao estrito cumprimento da lei, do respeito pelo erário público, do respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos.


Por esta razão, o nosso Partido deve acompanhar essa dinâmica do tempo, da nossa sociedade e do mundo global em que vivemos e de que somos parte integrante e ativa”.


Apesar do Presidente João Lourenço manifestar uma vontade acérrima de criar uma nova Nação fora da corrupção, do nepotismo e da impunidade, o MPLA Partido/Estado, ainda não conseguiu dar provas do seu realismo. Tudo porque o lema de “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”, continua submerso à um campo teórico, uma vez, que se quer fazer novas mudanças, mas com os mesmos métodos e estratégias do passado do marimbondismo que criou o caos no país.


O método e a estratégia de governação permanece na dança de cadeiras, rodeando-se de governantes profundamente ligados a corrupção, ao nepotismo e a impunidade, ou seja, que tiveram um desempenho exemplar, como militantes fieis do antigo regime, que a actual direcção do país e do MPLA, gizou para a sua erradicação.


Em suma, todas mudanças objectivas e subjectivas necessárias que se pretende em Angola e no MPLA ainda estão em tempo real da sua materialização e sair do dogmatismo e da era do vazio. Mas “a medida que o tempo vai passando, vão se criando dúvidas, será que ainda restarão novas conjunturas para refazer o país e concretizar o sonho que resta ao Povo heróico e generoso de Angola? Quando já foram decorridos mais de 44 anos de poder, com os mesmos actores políticos e com o mesmo pensamento político”?


Santos Pereira