Luanda - Desde que tomou posse, a 26 de Setembro de 2017, no âmbito da sua governação, o Presidente da República João Lourenço, tem praticado um conjunto de actos administrativos, que têm merecido a condenação pública dos particulares afectados por esses actos.

Fonte: Club-k.net

Privilegiando os comunicados de imprensa, as empresas lesadas pela actuação administrativa do Titular do Poder Executivo, alegam que esses mesmos actos são ilegais e afectam direitos constitutivos e interesses legítimos, salvaguardados pelo direito angolano. Vale a pena destacar, no imenso rol de actos reputados ilegais, três paradigmáticos, a saber: a anulação do Contrato de Concessão para a Construção do Porto da Barra do Dande; a anulação do Concurso Público para Concessão de licença para a rede telefonia móvel e a anulação da Concessão para a Construção da Marginal da Corimba.


No primeiro caso, a empresa ATLANTIC VENTURES travou-se de razões publicamente com o Ministério dos Transportes, através comunicados, abundantes em matéria jurídica que melhor utilidade teriam, em sede de uma instância judicial administrativa.


No segundo caso, a empresa Telstar, vencedora do concurso público para a quarta licença de telefonia móvel, veio defender a sua reputação em hasta pública, mediante um comunicado de imprensa, onde alega que o concurso público foi transparente e legal.


No último caso, a empresa URBINVESTE, aliando-se no mesmo diapasão das duas anteriores, ficou-se pelo comunicado de imprensa, para manifestar a alegada ilegalidade do acto administrativo do Presidente da República, que a exclui do Contrato de Construção da Marginal da Corimba.

Sem desprimor da defesa pública da honra, pois os actos do Presidente da República são igualmente públicos, a sede própria para defender os direitos alegadamente violados pela actuação do Chefe de Estado angolano, são os tribunais.

As três empresas afectadas pelos actos administrativos do Presidente da República, têm legitimidade para pedir a anulação ou obterem a declaração de nulidade destes actos. Prestariam um melhor serviço à construção do Estado de Direito Democrático em curso, se levassem os actos do Presidente da República, à apreciação dos tribunais. E mais: este é o mecanismo que a Ordem Jurídica coloca à disposição dos particulares para defenderem os seus direitos.

Aqui chegados, coloca-se a questão de saber por que razão estas empresas ficam só pelos comunicados de imprensa. Qual o receio de lançar mão da via judicial para fazer valer os seus direitos que alegam publicamente? Será por temor referencial? Por receio de represálias políticas ou de outra índole? Ou será ainda por descrença na justiça angolana?

Recuando um pouco na história recente do novel Estado de Direito Democrático angolano, podemos sempre achar casos de impugnação contenciosa de actos do antigo Presidente da República, com realce para o caso Laurinda Hoygard (embora a impugnação seja feita ao acto do Ministro da Educação, mas autorizado pelo antigo Presidente da República), e a declaração de inconstitucionalidade obtida pela Ordem dos Advogados de Angola, quando demandou um acto do Chefe de Estado, junto do Tribunal Constitucional.


Se no período do consulado do anterior Presidente da República,considerado por muitos, um período fechado, houve impugnação contenciosa de actos do antigo Chefe de Estado, neste período,que se alega de maior abertura, não se demandam nos tribunais os actos alegadamente ilegais do actual Presidente da República?


Para socorrer estas empresas vale apenas a título pedagógico, informar-lhes que a ordem jurídica possui instrumentos jurídicos, para estas fazerem valer os seus direitos.

Em sede do Contencioso Administrativo angolano, encontramos meios processuais principais, a saber : o Recurso Contencioso de Anulação de Acto Administrativo; o Recurso Contencioso de Anulação de Regulamento Administrativo e as Acções Derivadas de Contratos Administrativos. Outrossim, a ordem jurídica estabelece um meio acessório ou cautelar, especifico do contencioso administrativo - o Pedido de Suspensão de Eficácia de Acto Administrativo - , sem prejuízo de outros meios cautelares que são aplicáveis de forma supletiva, nos termos da lei.

No caso da anulação da concessão para a construção do Porto da Barra do Dande, a empresa ATLANTIC VENTURES, poderia lançar mão, em sede do contencioso administrativo, do recurso contencioso de anulação do acto administrativo, praticado pelo Titular do Poder Executivo. De igual modo, poderia recorrer às acções derivadas do contrato administrativo que estabeleceu no âmbito da referida concessão.


Já no caso da TELSTAR, o meio principal seria o recurso contencioso de anulação do acto administrativo, que anula o concurso público, que foi vencedora.


Para a URBINVESTE, o ordem jurídica coloca como meios principais, o recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Presidente da República, que a exclui da concessão para a construção da Marginal da Corimba, sem prejuízo de acções que derivam dos Contratos Administrativos estabelecidos no âmbito da referida concessão.


Para evitar o periculum in mora (perigo na demora), o contencioso administrativo angolano, reservou como meio cautelar por excelência, o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, que as três empresas poderiam utilizar nos casos referidos, para evitarem prejuízos decorrentes da actuação do Chefe de Estado angolano.

Ainda em giza de informação, vale dizer que no plano legislativo, o contencioso administrativo angolano é suportado por dois diplomas nevrálgicos : a Lei da Impugnação dos Actos Administrativos - Lei nº2/94, de 14 de Janeiro, e as Normas de Procedimento e da Actividade Administrativa, aprovadas pelo Decreto Lei nº 16-A/95 de 15 de Dezembro, sem prejuízo de outros diplomas legais de natureza administrativa e de outros quadrantes do direito, aplicáveis supletivamente nos termos da lei.


Sendo certo que as empresas afectadas pelos actos do Presidente da República, pretendem que se faça justiça, para defesa do seu bom nome e prestígio perante os cidadãos, têem o contencioso administrativo, como o meio legal e mais adequado para o fazer.


Para o Chefe de Estado angolano, o Contencioso Administrativo, afigura-se também como um meio para cristalizar a legalidade dos seus actos administrativos. Embora sendo de feição executiva ou do tipo francês, o contencioso administrativo angolano, permite que as entidades administrativas possam confirmar junto dos tribunais, a legalidade dos seus actos. Desse modo, uma demanda vencida em sede do contencioso administrativo, por parte de uma entidade pública, não só confirma a legalidade dos seus actos, como confere prestigio e credibilidade das instituições públicas angolanas.


Sem prejuízo do papel do Ministério Público no contencioso administrativo angolano e da acção popular (serão tratados em sede própria), e em homenagem à tutela jurisdicional efectiva, consagrada na Constituição angolana, fica, hic et nunc, para os demais particulares o desafio de impugnar actos de qualquer entidade pública, que sejam lesivos dos seus interesses ou direitos legalmente protegidos.

Até porque, socorrendo as palavras do próprio Chefe de Estado que já virou um brocado angolano, “ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido”. Mutatis mutandis e apartando as distâncias, os tribunais são a última ratio de um Estado de Direito Democrático, vamos, sem qualquer receio, promover a Justiça angolana!


Lazarino Poulson

Jurista e Especialista em Direito Administrativo