Luanda - O Presidente da República, João Lourenço, concedeu, a 28 de Junho de 2019, uma entrevista conjunta à Televisão Pública de Angola (TPA), e ao semanário privado angolano Novo Jornal, cuja versão integral se transcreve a seguir, retomada deste último. 

Fonte: NJ

O senhor lançou, esta quinta-feira (27), o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), acredita que este plano, financiado com os recursos do Fundo Soberano, mais de dois mil milhões de dólares, vai mudar o actual cenário e as dificuldades dos municípios? 

Eu acredito que sim. Ontem dizia que, se for bem gerido, vai resolver muitos problemas. Vai cobrir  a totalidade dos municípios do país, o que significa que é um plano nacional, de cobertura nacional. São 164 municípios.

 

Não estaremos em presença de um investimento sem retorno, na medida em que o Fundo Soberano, quando foi criado, foi exactamente para os investimentos que depois pudessem trazer alguma mais-valia para a economia angolana? 

Não sei o que é que considera de retorno, mas eu acho que o retorno político é bastante grande, uma vez que vai resolver muitos problemas sociais das populações. O Fundo [Soberano] vai ser utilizado para a construção de escolas, hospitais, postos médicos, centros de abastecimento de água, de energia; as vias de comunicação, sobretudo as secundárias e terciárias. Portanto, eu acho que não há ganho maior do que isso, se nós conseguirmos efectivamente alcançar o objectivo para o qual este plano foi criado.

 

Há quem diga que isso é, na verdade, uma declaração do fim do Fundo Soberano, uma vez que este investimento, que será feito a nível dos municípios, em princípio, não terá nenhum retorno, a nível económico. 

Há ganhos políticos, sim... Não é nenhuma declaração do fim do Fundo Soberano, na medida em que nós não estamos a retirar a totalidade dos recursos que o Fundo Soberano tem. Portanto, o Fundo Soberano não acaba, vai-se manter. Grande parte dos países, no mundo, os que têm fundo soberano, não fundiaram valores tão altos quanto Angola fez. Portanto, a gente pode muito bem ter um fundo soberano com muito menos de cinco mil milhões de dólares. Mas não deixa de ser fundo.

 

Que mecanismos de monitorização estão previstos para que o Plano Integrado dos Municípios possa funcionar? 

São as instituições existentes actualmente. Elas é que têm que funcionar, controlar, digamos, a sua eficácia, a sua execução; evitar que haja desvios, para garantirmos o êxito do plano.

 

A um ano das eleições autárquicas, a oposição diz que o lançamento deste plano tem fins eleitorais. É verdade, senhor Presidente? 

Bom, as oposições de todo o mundo, regra geral, não se sentem satisfeitas quando quem está no poder procura resolver os problemas. O ideal seria que nós ficássemos de braços cruzados, isto dava-lhes um jeito nas próximas eleições, quer sejam autárquicas, quer sejam as eleições gerais. Quando veem que isso pode ser para solução dos muitos problemas que estão pendentes, obviamente que nenhuma oposição gosta.

 

A oposição desconfia que o governo não está preparado para as eleições autárquicas e aponta o atraso na discussão das leis, na Assembleia Nacional, como um sinal de falta de vontade política. 

Quem teve a iniciativa de anunciar a realização de eleições autárquicas fui eu, não foi a oposição. Portanto, não sei quem é que não está com vontade de que o processo vá avante. O executivo já cumpriu a sua parte. O pacote legislativo [para as eleições autárquicas] está na Assembleia. Portanto, esta acusação não me parece ser justa. Se não houvesse vontade, nesta fase ainda estaríamos, se calhar, a redigir projectos de lei deste mesmo pacote.

 

O senhor Presidente fala nos ganhos políticos... A leitura que se faz, em função daquilo que disse o senhor Presidente, este plano que foi criado tendo como base o Fundo Soberano, acaba por ser, no fundo, uma fuga para frente, em função dos objectivos políticos que se pretende alcançar, não? 

Não... é que, se houvesse outra fonte de financiamento, nós não teríamos recorrido ao Fundo Soberano. Fizemo-lo porque o país atingiu um nível de endividamento público bastante alto, e, portanto, não estamos dispostos a ultrapassar a linha vermelha, como se diz. Estes recursos são nossos, são do Estado angolano, daí termos feito mão aos mesmos. Qualquer partido que está no poder deve preocupar-se em resolver os problemas do povo, os problemas sociais, sobretudo. Nós não estamos a fazer outra coisa senão isso. Estamos a procurar resolver os tais problemas que podem ser resolvidos recorrendo a diversas fontes de financiamento. Esta é a melhor forma que nós encontrámos.

 

Desde que tomou posse, em 2017, o governo iniciou um conjunto de reformas económicas, para poder reanimar a economia, nomeadamente criar empregos, combater a fome e a pobreza. A questão é que as pessoas estão com alguma pressa. Quando é que estas reformas começam a ter impacto na vida das populações? 

Costuma-se dizer que Roma e Pavia não foram feitas num dia. Portanto, isto vai acontecer. Devo mesmo dizer que, no fundo, já começa a acontecer. E a sociedade está aqui para acompanhar. Aliás, todas as medidas que a gente tem vindo a tomar, a sociedade está a acompanhar. Está a ver que, em muitos aspectos, há, de facto, melhorias. Os problemas não estão ainda todos resolvidos, daí a necessidade de a gente continuar a trabalhar.

 

Não receia que o crescimento lento da economia trave algum entusiasmo da população, crie algum sentimento de desilusão e de desmobilização mesmo nas pessoas que apoiam o seu governo? 

Penso que o crescimento não está lento. O crescimento está a seguir o ritmo, digamos, de acordo com a conjuntura, não só do país, como com a conjuntura internacional. Querer correr, corremos o risco de tropeçar e não chegar à meta. Portanto, a meu ver, este ritmo não está lento. É o normal.

 

Acredita, então, que está no caminho certo, em função dos resultados? Não sente a pressão, com certeza o senhor Presidente, que tem estado muito presente ao nível das redes sociais, acredito que tem acompanhado as críticas que são feitas ao seu governo, elas de que modo mexem com a sua sensibilidade? 

Todos nós temos a noção de que o ser humano é um eterno insatisfeito. Se você dá dois, quer quatro, se der quatro, quer seis e por aí fora. Portanto, esta é uma característica universal, não se passa só com os angolanos. Portanto, puxarem por nós e quererem mais soluções dos problemas que existem é um direito que cabe aos cidadãos. Nós consideramos isso como algo absolutamente normal, e é bom que aconteça!

 

Uma das questões que se levanta é de que o Presidente João Lourenço encontrou o país armadilhado. Foi esta percepção que teve, quando cá chegou? 

Esta é a opinião de algumas pessoas.

 

E qual é a opinião do senhor Presidente? 

Brincando um bocado... Há dias, alguém dizia que eu era o sapador. Eu disse: mas sapador porquê? Porque estás a desminar. Aí a tal armadilha. Esta é a opinião de algumas pessoas. Eu não defendo isso.

 

Mas encontrou ou não o país armadilhado? 

Eu encontrei dificuldades. Não há país nenhum onde não existam dificuldades. Maiores ou menores, há dificuldades que é preciso superar e é o que nós estamos a tentar fazer.

 

Estas dificuldades que encontrou agravaram-se, sobretudo quando decidiu fazer um combate cerrado contra a corrupção? 

Não. Acho que foi o contrário. Se nós não tivéssemos iniciado este combate à corrupção, com certeza que as dificuldades seriam maiores.

 

Este combate contra a corrupção e, sobretudo, aquilo que tem sido o engajamento do executivo tem conhecido alguma brandura relativamente à sua abordagem? 

Acho que é precisamente o contrário.

 

Podia dar alguns exemplos... 

Por favor...

 

Coloca-se o maior acento tónico relativamente à corrupção relacionada com os políticos. Mas há indicadores que são tornados públicos, quer a nível nacional como internacional — agora em Espanha há um processo envolvendo altas patentes da Polícia Nacional de Angola; houve, inclusivamente, uma outra situação, ligada a um especialista belga que denuncia esquemas de corrupção ligado aos diamantes, e, agora, bem recentemente, um comissário da PN denunciou a existência de 4.500 trabalhadores fantasmas. Mas não vemos o senhor Presidente tão reactivo quando a questão tem que ver com os políticos. 

E o Nok Nogueira acha que, para cada um desses casos, o Presidente devia vir a público e falar deles? Acho que não! O Presidente traça, digamos, o rumo a seguir, como as instituições devem funcionar. Assim é que deve ser. Eu não posso vir a público comentar cada um desses casos. Não vou falar do caso deste último que citou um a um... este e outros. Isso não acontece em nenhuma parte do mundo.

 

Mas o senhor Presidente foi bastante rápido a reagir relativamente às críticas que se fizeram ao modo como se queria implementar o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) em Angola, por exemplo... 

Não. Até não, até não. Da mesma forma que o senhor tem o direito de dizer que não gosta de alguma coisa, eu também sou um ser humano, tenho o mesmo direito. E até dei a possibilidade de alguns cidadãos virem a público dizer:  “Olha, senhor Presidente, não gostámos do que o senhor disse”. Isso é bom, é a democracia. Só significa que, afinal de contas, existe em Angola realmente a liberdade de expressão.

 

Os empresários dizem que podem participar mais no esforço de recuperação económica, mas, por outro lado, queixam-se da falta de financiamento e, em muitos casos, até de alguns entraves burocráticos. É possível, a curto prazo, atender a essas preocupações e mudar-se o quadro? 

Nós anunciámos há relativamente pouco tempo, creio que não faz dois meses, uma linha de financiamento de um banco alemão, num valor respeitável de um mil milhões de dólares, que será repassado para o sector empresarial privado. Portanto, não entendemos que esta queixa de falta de atenção por parte do executivo para com o empresariado nacional persista. Nós estamos preocupados. A banca local, por si só, não tem essa capacidade e nós estamos a dar essa capacidade para a banca comercial poder financiar os empresários. Então é bom que se organizem e procurem beneficiar desta linha de financiamento que o executivo conseguiu junto de um banco alemão.

 

Senhor Presidente, eles também reclamam da falta de luz e água, ainda se vive essa situação em muitas partes do país e isto tem freado até o investimento. Estas questões podem ser resolvidas no horizonte do executivo? 

Estas questões estão a ser resolvidas paulatinamente. Até há uns tempos, a energia que se consumia no Huambo, no Bié, ainda era de centrais térmicas. Neste momento, não. Portanto, Huambo e o Bié já estão a receber energia da barragem hidroeléctrica de Laúca. Nós acabámos de anunciar, no Lubango, que vamos fazer a ligação através de uma linha de transmissão Gove/Matala, para essa mesma energia de Laúca chegar à província da Huíla. Portanto, vai haver cada vez maior disponibilidade de energia e a preços mais baixos. Portanto, a energia hidroeléctrica é, sem sombra de dúvidas, mais barata, mais fiável do que a energia produzida por centrais térmicas.

 

Há aqui uma questão que a redacção do Novo Jornal me pediu expressamente que a colocasse. Algumas vezes, o senhor Presidente anunciou que o Estado tinha cedido terrenos e infraestruturas, hotéis, etc., que, não tendo sido dinamizado a actividade e não tendo sido retribuído ao Estado na óptica financeira e tributária, teriam de ser devolvidos. Há o caso flagrante, por exemplo, de um investimento de vários milhões de dólares feito para a empresa FADEPA a nível do sector das pescas. Estes milhões, os barcos que se encontram parados, sem qualquer actividade... Quando é que o senhor Presidente pretende colocar fim a isto? 

Eu preferia, já que está a falar de dinheiros públicos de que beneficiaram particulares, que falasse de casos de valores mais altos, e não desses pequenos beneficiários do fundo das pescas. É um caso, sim senhor, que é preciso resolver. Portanto, dinheiros públicos são dinheiros públicos, quer sejam grandes ou pequenos, mas nós de momento estamos a atacar sobretudo os grandes valores, e isso são casos que estão na Procuradoria-Geral da República. Alguns deles foram anunciados publicamente pela própria PGR. O Estado está engajado sobretudo em atacar primeiro estes valores que são bastante avultados e que fazem falta ao erário público.

 

Não houve da parte do executivo um tratamento diferenciado, na medida em que algumas pessoas que estiveram envolvidas em determinados actos estão a contas com a justiça e pessoas que usaram os dinheiros públicos para fazer determinados investimentos estão livres de qualquer acusação, ou seja, estão livres de qualquer processo judicial? 

Olha que eu não sei se estão. Não sei se estão. Não posso dizer se sim ou não...

 

E daquilo que chegou à mesa do senhor Presidente? 

Eu estou-lhe a dizer que não sei se estão livres. Quando o assunto é tratado a nível do Ministério Público, só isso já significa dizer que não está livre. A única diferença que existe é que uns são arguidos e outros não são arguidos. Portanto, a justiça é assim, tem ‘n’ fases e há situações em que os casos morrem logo na primeira fase, não passam à segunda etapa, à condição de arguidos. E há outros que passam por esta fase e chegam mesmo a tribunal.

 

Quando definiu essa estratégia de combate à corrupção – já agora que voltou ao tema –, o senhor Presidente por acaso definiu alguns aliados? Algumas pessoas que intencionalmente teria isolado de tudo o resto? 

Não. Não posso escolher a dedo quem devem ser os meus aliados. Era o que eu dizia há bocado. O papel do Presidente da República é definir o rumo. Todos aqueles angolanos de boa vontade, que entendem que esta luta contra a corrupção é algo nobre, todos aqueles que assim o entenderem, são esses os meus aliados. Esses é que são os meus aliados, quer estejam no Executivo ou fora do Executivo.

 

Há uma crítica muito viva e muito feita a nível das redes sociais, segundo a qual o senhor Presidente defende, por exemplo, o engenheiro Manuel Vicente.

As pessoas dizem isso apenas pelo simples facto de Angola ter feito aquele braço-de-ferro com Portugal... E a pessoa implicada por sinal era ele. Creio que não haja outras razões para pensar desta forma. Acredito que seja apenas por esta razão.

 

E as declarações do senhor ministro das Relações Exteriores em Paris, dando como dado adquirido que a Justiça angolana vai arquivar o processo contra o engenheiro Manuel Vicente? 

Quem tem que falar pela justiça, neste caso, são os próprios órgãos de justiça.

 

Mas falou um auxiliar titular do Poder Executivo... 

Está bem... eu repito, quem tem que falar pela justiça nesse caso são os próprios órgãos de justiça. Não ouvi nada do Ministério Público a esse respeito.

 

Mas isso não belisca a própria imagem do titular do Poder Executivo, quando se trata de um dos seus auxiliares? 

Não, de forma nenhuma. Não belisca. Há-de beliscar porquê? De forma nenhuma.

 

Porque está um elemento, uma entidade, um auxiliar do titular de Poder Executivo eventualmente a retirar competência aos órgãos judiciais. 

A Justiça portuguesa remeteu o processo para Angola, para a sua congénere angolana, e o assunto está a este nível. Portanto, qual será o desfecho ninguém sabe, nem eu próprio sei.

 

Angola pediu um programa de assistência ao FMI, o senhor Presidente acha que, no actual contexto do país, essa assistência é viável? Também na agenda de reformas do FMI se prevê o corte dos subsídios de combustíveis. O senhor Presidente não acha que isto pode agravar a vida social das populações? 

A assistência prestada pelo Fundo Monetário Internacional a Angola não só é viável como eu a reputo de benéfica. É benéfica na medida em que nós conseguimos financiamentos em condições muito boas, que não conseguiríamos com qualquer outro credor. Os nossos habituais credores, e isso não é segredo para ninguém. É verdade que puseram aqui muito dinheiro, mas a troco de quê? De carregamentos de petróleo. E, regra geral, os Estados não funcionam assim, mesmo aqueles que têm petróleo. Mas, na altura, foram as condições em que conseguimos negociar. Hoje temos essa abertura, o acesso aos “eurobonds”, a facilidade financeira conseguida com o FMI. A facilidade financeira que está sendo negociada que está quase a ser concluída, quase a ser fechada com o Banco Mundial. Portanto, nós só vemos vantagens nisso, não temos qualquer receio. É evidente que a política dos subsídios gradualmente deve ir sendo alterada, até à medida do razoável. Portanto, o preço do combustível do nosso país — mesmo sendo importado, Angola não produz praticamente produtos refinados — mas o preço a que chega ao consumidor ainda está abaixo de muitos países daqui do nosso continente e mesmo do mundo.

 

Muito recentemente, foi anunciada a construção de várias refinarias. Será desta vez que Angola deixará de ter de facto problemas com o combustível? 

Acreditamos que sim. Nós estamos determinados, porque, de facto, é inaceitável que o segundo maior produtor de crude nesta parte subsaariana do continente africano não tenha uma refinaria em condições. Esta de Luanda, daqui a uns tempos, vai ser uma refinaria, embora continuando a reproduzir pouco, para as nossas necessidades mas já vai ser uma refinaria, porque está a sofrer uma importante intervenção, mas, de resto, é caso para se dizer que nós não temos refinaria. Então precisamos de ter, há pessoas que não acreditam que Angola não tem refinaria.

 

O senhor Presidente está bastante optimista relativamente às medidas que o seu executivo tem tomado, aliás porque até encabeça estas medidas. A questão que eu coloco é: que milagre é que vai acontecer, por exemplo, em relação à diversificação da economia quando o senhor Presidente ou o seu executivo canaliza um por cento do Orçamento Geral do Estado para a agricultura? 

Bom, nós temos prestado muita atenção à agricultura familiar, porque, quem vai produzir não é o Ministério da Agricultura. Quem vai produzir são os camponeses, em primeiro lugar. Daí o Executivo estar empenhado em dar um grande apoio à agricultura familiar e os empresários virados para esta área, no que diz respeito aos empresários virados para esta área, o capital que eles vão utilizar nas suas unidades de produção, nas suas fazendas, não consta do OGE. Eles têm que recorrer à banca comercial, portanto toda a atenção que o Estado deve prestar à agricultura deve ser virada sobretudo à agricultura familiar.

 

Com um por cento do Orçamento Geral do Estado? 

Foi o possível, mas, mesmo assim, nós temos feito um grande trabalho a favor do aumento da produção de bens de consumo em Angola.

 

O senhor Presidente não acha estranho que se faça uma maior cabimentação a nível do seu cordão de segurança do que aquilo que se investe para o sector agrícola, por exemplo? 

Não entendo, pode repetir?

 

Eu questiono relativamente ao valor que é cabimentado a nível do Orçamento Geral do Estado para a Casa de Segurança do senhor Presidente e o valor que é aplicado ao sector agrícola, por exemplo. 

Não, não é verdade o que está a dizer. Não me venha dizer que a Casa de Segurança consome mais verbas do Orçamento Geral do Estado do que o sector agrícola. Isso não pode ser verdade. Agora, que a segurança nacional é importante, e quando falo em Casa de Segurança, espero que não entenda que a Casa de Segurança existe só para a protecção física do Presidente da República, não é isso. Tem a ver com a segurança do país. Tanto é que atende o Ministério da Defesa, Forças Armadas, Ministério do Interior, Polícia Nacional. Não estão todos esses a defender um cidadão, que é o Presidente da República.

 

Como é que pensa resolver o velho problema do escoamento de produtos? Há produção interna, mas grande parte desta produção não chega aos grandes centros urbanos? 

Olha, parte da solução vem com o plano que foi anunciado ontem, plano que foi anunciado ontem e, aliás, eu destaquei na minha intervenção, ao citar que ele se destinava à saúde, à educação, à água, energia, vias secundárias e terciárias. Eu fiz questão de salientar, sobretudo, aquelas vias que vão facilitar o escoamento da produção agrícola do campo para as cidades.

 

Vai haver novos traçados a nível do sector rodoviário? 

Eu acho que o mais inteligente será melhorar os que já existem e já será muito bom se nós conseguirmos fazer isso, mas, eventualmente, se houver necessidade de um outro novo traçado, surgirá, embora a prioridade seja tornar transitáveis os traçados já existentes.

 

Há uma situação muito actual, o IVA que devia começar a ser implementado a partir do dia 1 de Julho passou para Outubro, o que é que terá falhado? 

E o Estado já está a perder dinheiro.

 

Portanto, o OGE prevê receitas provenientes do IVA... 

Sim, com certeza.

 

E onde é que o executivo vai tirar estas receitas, como é que vai cobrir? 

Os outros impostos mantêm-se, enquanto não entrar em vigor o IVA. Portanto, o imposto de consumo, em princípio, e outros impostos, mantêm-se. Embora seja uma outra qualidade de imposto diferente do IVA. Onde é que falhamos?

 

Sim, onde é que se terá falhado? Porquê este adiantamento? 

Eu não sei se vamos considerar isso uma falha, antes pelo contrário. Costuma-se dizer que às vezes há males que vêm para bem e nós fomos suficientemente humildes em ouvir a opinião de um sector importante da nossa sociedade, que é o empresariado nacional privado, que colocou as suas preocupações ao executivo e nós ouvimos. Alguns deles vieram publicamente numa entrevista falar desta negociação que houve entre eles e o executivo. O executivo acabou por concluir que, numa boa parte as preocupações que eles levantavam, eles tinham razão. Por isso é que eu digo que há males que vêm para bem, porque, a não ser assim, depois talvez nos arrependêssemos. Ainda temos tempo de nos preparar melhor e, quando digo nos preparar melhor, não é só o executivo que tem que se preparar melhor, somos todos, que é o executivo, e a própria classe empresarial. Eles também não estavam preparados, daí a razão da pressão sobre nós. E, no fundo, os próprios consumidores, os próprios cidadãos.

 

Curiosamente, o senhor Presidente acaba de dizer que ouviu. Afinal a mensagem passou, mas, na altura, disse que ouviu e não gostou. 

Não. Ouvimos de quem? Aliás, não tinha havido crítica nenhuma. A crítica é salutar. E a prova está aqui que as críticas feitas pelas entidades competentes, que representam, de facto, a classe empresarial, estas foram ouvidas. Portanto, eu sei para onde me quer conduzir mas...[risos].

 

E o quê é que o senhor Presidente não gostou de facto relativamente a isso? 

Eu gostei que vocês não tivessem gostado.

 

Apesar dos investimentos no sector da saúde, nota-se ainda muitas dificuldades. Há quem diga que a saúde continua doente. Tem-lhe tirado o sono a situação do sector da saúde, principalmente em termos de hospitais, na esperança de um serviço de saúde mais humanizado? 

É verdade que a educação e a saúde tiram o sono. Isto é verdade. E é precisamente por isso que, desde muito cedo, prestamos uma atenção particular a esses dois sectores. Veja que há muitos anos que não se faziam concursos públicos de admissão para esses dois sectores, para a educação e para a saúde. Nós tivemos, contra tudo e contra todos, a coragem de reabrir os concursos para o preenchimento de vagas nestes dois sectores, precisamente por os considerarmos importantes. Porque os problemas nesses dois sectores não são apenas de infraestruturas mas são também de recursos humanos, não apenas em termos de qualidade, mas em termos de oferta, de escassez de recursos humanos. Não são suficientes para a demanda. Há uma coisa em que nos podemos dar por felizes, é o facto de o problema dos medicamentos hoje nos hospitais já não ser tão grave quanto era relativamente há pouco tempo. Hoje, nenhum familiar de alguém que esteja hospitalizado e acamado pode dizer, salvo raras excepções — porque também não posso dizer que a solução encontrada já seja a perfeita— mas, de uma forma geral, os familiares já não recebem a receita do médico para irem comprar medicamentos para socorrem os seus parentes. Foi um esforço muito grande que fizemos. Encontrámos verbas extraordinárias para atender praticamente todos os hospitais provinciais do país, todos os de Luanda, pelo menos os maiores, incluindo maternidades. O Hospital Sanatório, como sabem, está a reconstruído e ampliado. Portanto, vamos servir melhor os nossos doentes que sofrem de tuberculose. A Maternidade melhorou muito, o Hospital Pediátrico [de Luanda] melhorou muito. E não me refiro só a Luanda, poderia continuar a enumerar. Anteontem mesmo, no Lubango, inaugurámos uma nova unidade de hemodiálise. Temos mais quatro na forja, portanto, são unidades públicas, e isso vai melhorar bastante a situação de saúde no nosso país. Não é tudo, temos de fazer muito mais, temos noção disso. Mas, se quisermos ser justos, temos de reconhecer que já houve uma boa melhoria.

 

Estas afirmações que faz relativamente ao estado da saúde no país, fá-lo por convicção ou por ouvir dizer? 

Faço porque eu visito as unidades. E as minhas visitas são públicas, vocês podem confirmar que sim. Estive em todos os principais hospitais de Luanda, todos eles: Josina Machel, Américo Boavida, Hospital Sanatório. Houve quem me tivesse chamado sei lá de quê, que não devia ter ido ao Hospital Sanatório. Eu tive a coragem de fazer isso e vou continuar a fazer. Nas minhas visitas às províncias faço também. Portanto, esta constatação é do que eu vejo e do que ajudei a resolver.

 

Não será uma constatação momentânea, na medida em que há todo um serviço protocolar? O senhor Presidente vai visitar um hospital e é natural que a direcção desta unidade hospital prepare todas as condições... 

Não, não, não. Nok Nogueira, não diga isso. Há coisas que não se escondem.

 

É apenas uma questão que coloco ao senhor Presidente. 

Sim, está bem, está no seu direito, mas eu também estou no direito de lhe responder. E o que eu lhe estou a dizer é que há coisas que não se escondem. Há coisas que não é possível esconder.

 

Coloco esta questão porque, diariamente ou semanalmente, pelo menos, quando temos necessidade de abordar uma questão ligada ao sector da saúde, que nós temos dado algum privilégio, os nossos repórteres vão às unidades hospitalares e a realidade que é constatada não casa muito com aquilo que o senhor Presidente está a afirmar. 

É evidente que os nossos hospitais não são hotéis de cinco estrelas. O que eu quero dizer é que ainda têm insuficiências. Seria ingenuidade de minha parte pensar de forma diferente. Que têm insuficiências, têm. Precisamos de mais quadros, precisamos de melhores quadros, nalguns casos precisamos de melhores equipamentos, mas a situação já não é crítica. O que eu quero dizer é que houve uma evolução [positiva]. Nós estivemos numa situação crítica em que os familiares tinham de comprar medicamento e hoje já não acontece. Isso é um ganho. Isto foi dito pelos próprios cidadãos, numa entrevista, passada, há dias, naquele programa do Cabingano. Não fui eu quem o disse.

 

Também há dificuldades na educação, há falta de carteiras, de salas de aulas. Isto vai ser mudado brevemente? 

Há dificuldades, sim senhor. Há dificuldades que também vêm sendo superadas. Até há uns tempos, até carteiras eram importadas. Nós, hoje, estamos a preencher muitas salas de aulas com mobiliário “made in Angola”. Feito em Luanda, feito no Lubango, feito no Huambo, feito em outras províncias. Estamos a equipar as nossas escolas com mobiliário “made in Angola”. Da mesma forma que estamos a produzir uma boa parte dos livros escolares em Angola. Está a haver evolução. Damo-nos por satisfeitos? Claro que não.

 

O senhor Presidente apoiaria uma revisão da Constituição, que limite os poderes do Presidente da República? 

Com que fim é que se faz uma revisão constitucional? Não vem a propósito, a meu ver. A Constituição é clara (em relação a) quem tem competência para espoletar o processo de revisão de uma Constituição. Quem tem essa competência, se tiver argumentos para dar início ao processo de revisão da Constituição, não importa para que fim seja. Os limites da Constituição também estão bem definidos, que matérias é que não são susceptíveis de revisão constitucional.

 

Pode ser de iniciativa presidencial? 

Diz muito bem: pode ser. Não tem de ser necessariamente. Não me pode obrigar a fazer. O Nogueira não me pode obrigar a fazer.

 

Não estou obrigar o senhor Presidente a fazer. Argumentou que a Constituição delimita as competências, mas a Constituição também permite que a iniciativa seja presidencial. 

Sim, se algum dia entender fazê-lo, utilizarei essas prerrogativas que a Constituição me dá.

 

Senhor Presidente tem dois anos... 

As Constituições não têm de ser revista obrigatoriamente. Às vezes, fica-se com a ideia de que tem de haver necessariamente a revisão da Constituição. Não é bem assim. A Constituição diz que pode ser revista passado “xis” tempo.

 

O senhor Presidente não se sente com poderes excessivos? 

Não. Poderes excessivos porquê?

 

Na medida em que, inclusivamente, o exercício de governação do seu executivo não é fiscalizado. Há uma série de competências que são atribuídas ao Presidente... 

De algum modo, é fiscalizado. Como é que não é fiscalizado? É fiscalizado.

 

De que modo, senhor Presidente? 

O próprio Parlamento fiscaliza, através da Conta Geral do Estado, fiscaliza.

 

Mas a Conta Geral do Estado está dois anos atrasada. 

Sim, está bem, mas, pronto...

 

Ou seja, daqui a dois anos, quando estivermos a preparar as próximas eleições, vamos ter um passivo... 

Mas esse atraso não se deve a mim, lamentavelmente. E há outros mecanismos de fiscalização. Estamos a ver os deputados, hoje, a andarem, a fazerem visitas em tudo quanto é canto, até de forma isolada. Partidos políticos, ao invés de serem delegações multipartidárias — assim é que seria o correcto — em que todos estariam representados nestas comissões.

 

Não tem em vista qualquer iniciativa no sentido de rever esta questão da reforma educativa, na medida em que os indicadores que foram apresentados são de que há algum sentimento de insatisfação de não se ter alcançado aquilo que de facto tinha sido projectado, quando se pensou na reforma educativa?

A reforma deve ser contínua, até atingirmos o tal estágio de satisfação. Não estamos satisfeitos, tudo bem, então não podemos cruzar os braços. Não temos que ir atrás do perfeito, mas pelo menos do bom.

 

E, em concreto, o que é o que o seu executivo tem em carteira? Porquê as culpas foram atiradas aos professores, e os professores, por sua vez, também se queixaram que houve um investimento bastante ínfimo, que não permitiu atingir outros patamares? 

É melhor não culpar pessoas. No fundo, a falha foi do sistema. Nós queremos um ensino melhor, temos que investir mais na formação do professor, para termos um bom ensino. De outra forma, não temos. E, se essa melhor formação não existiu, a culpa não é dos professores.

 

E isso vai implicar que agora, para o ano, o OGE, pelo menos o bolo destinado à educação, venha a sofrer algum incremento? 

Já no OGE que está em vigor, entre o de 2018 e de 2019, a área social já beneficiou de um incremento, a educação, saúde, beneficiaram de um incremento.

 

Vai, certamente, aumentar para o ano? 

Vamos lutar para isso.

 

A que percentagem? 

Vamos lutar para isso, ainda nem começámos a discutir e a preparar o orçamento para 2020. Na devida altura, vamos definir.

 

Agora, nas vestes de presidente do MPLA. O MPLA realizou o VII congresso extraordinário, foi marcado pelo alargamento do Comité Central, com a entrada de muitos jovens, e também a saída do secretário-geral, Boavida Neto. Qual a explicação para a saída do SG deste cargo apenas nove meses da sua eleição? 

Não tem explicação e nem tem que ter.

 

O antigo SG não estava alinhado com o líder do partido? 

Já disse que não tem explicação. Agora, no jogo de sábado [Angola/Tunísia], houve substituições, não? E, depois da substituição, houve o golo. E ao substituído ninguém deu explicação. O importante é que a equipa ganhe. Isto é que é o importante.

 

O senhor Presidente não terá gostado do pronunciamento que o senhor Boavida Neto havia feito em relação ao ex-Presidente José Eduardo dos Santos? 

Já vos provei que sou frontal. Se não tivesse gostado, teria dito publicamente que não gostei. Não o fiz, portanto, tudo que se possa dizer à volta disso é especulação.

 

Mas relativamente ao pronunciamento que ele faz? 

Não tenho que me pronunciar sobre isso. Houve uma substituição e espero bem que a equipa fique melhor.

 

Mas criou-lhe algum desconforto ao ouvir que o seu SG, ao contrário daquilo que é, no fundo, o encaminhamento da sua estratégia, tivesse apontado para uma outra direcção? 

Já lhe respondi. Não me vou pronunciar sobre isso.

 

Há muito desconforto sobretudo quando se fala do antigo Presidente José Eduardo dos Santos. Sente algum desconforto, como está a acontecer agora? 

Porquê que diz isso? Estamos a falar do antigo SG. Não é? Não é do antigo SG que estamos a falar?

 

E eu levanto a questão sobre a declaração pública que ele fez numa entrevista que concedeu ao jornal Expansão, em que menciona o ex-PR e eu percebo que o senhor Presidente, provavelmente, com algum desconforto, não queira responder a esta questão. 

Não. Eu estou absolutamente confortável. Acha que um Presidente da República que sai da sua casa para visitar alguém, sente-se desconfortado na presença dessa pessoa que você voluntariamente foi visitar? Acha? Esta é uma questão lógica. Então, interroguem-se!

 

O senhor Presidente foi visitar alguém que não lhe deu ouvido... 

Não sei se o Nok Nogueira estava na sala. Eu sei quem estava na sala.

 

Coloco a questão relativamente ao voo protocolar. A Casa Civil do Presidente da República... 

Sim, mas não fuja a questão fundamental: ninguém procura alguém se não se sentir confortável com essa pessoa. Se eu não estivesse à vontade, não saía aqui do conforto do Palácio.

 

Antes de o senhor Presidente tomar posse, ou mesmo antes da realização do pleito eleitoral de 2017, e aquela opinião mais avisada colocou isto como um mau sinal para aquilo que viria a ser a relação entre o Presidente João Lourenço e o ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Estas nomeações feitas exactamente à beira do fim do mandado do Presidente José Eduardo criaram algum desconforto? Volto aqui a insistir na palavra desconforto. 

Não conheço nomeações que tenham sido feitas naquela altura. Conheço, sim, reconduções de mandados, sobretudo na área castrense. Isto houve. Agora nomeações, novas, não estou a ver.

 

Voltemos ao congresso do MPLA. O que é que espera alcançar com esse rejuvenescimento do Comité Central do MPLA? Há quem diga que houve essas alterações por causa da resistência da velha guarda do partido. Isto é verdade? 

Mas não saíram. Se tivessem saído, aí teria razão no seu raciocínio. Se me dissesse, olha, a velha guarda saiu, entraram os mais jovens, este era o objectivo que o presidente perseguia. Mas não tirei ninguém da velha guarda, nem da velha nem da nova. Todos que lá estavam mantêm-se no comité central.

 

Então qual foi a necessidade? Fazer crescer por fazer crescer?  Rejuvenescer apenas por fazer rejuvenescer? 

Injectar um pouco mais de jovens, de género e alguma massa cinzenta, como eu dizia algures. Portanto, foi não tanto uma substituição, mas, digamos, um reforço.

 

Não foi à procura de quórum? 

Fui à procura de melhor qualidade. Fui à procura de um melhor Comité Central. Melhor, em função do combate que estou a levar a cabo, quer contra a corrupção, contra a impunidade, e mesmo até na área económica, da necessidade de diversificação da nossa economia...

 

Fazendo um termo comparativo com um passado recente, em relação à Presidência do Eng.º José Eduardo dos Santos. Não o preocupa que a sua palavra de ordem, esse engajamento, esse entusiasmo, relativamente ao combate à corrupção não seja replicado? Não se ouve esta ressonância, parece que a voz do senhor Presidente é uma voz solitária, clamando no deserto. É, no fundo, aquele que conduz... 

Diz muito bem, eu sou o que conduz.

 

Sim. Mas não vejo mais ninguém ao lado que o pudesse auxiliar. Diferente de uma outra realidade. Por exemplo, o ex-Presidente sempre que fizesse um pronunciamento, no dia seguinte estavam 300 pessoas a replicarem exactamente aquilo que acabava de ser dito. 

Esta réplica tem havido. Tem havido e de forma não apenas barulhenta mas também espelhados em acções concretas, o que é mais importante do que as palavras. Porque dizer tolerância zero e ter um batalhão de pessoas a vir a repetir isso no dia seguinte, mas depois na prática a gente constatar que foi acção zero ao invés de tolerância zero! O que é que prefere? E esta batalha não é minha. Dizia esta bandeira que abraçou... Eu simplesmente abracei, mas quem orientou o actual executivo a levar a cabo esta batalha foi a direcção do partido, numa altura em que eu não era nem presidente do partido, nem Presidente da República. Não era nem uma coisa nem outra. Era simplesmente candidato. Os documentos reitores do partido na altura expressavam, vincavam a necessidade de se levar a cabo uma luta acérrima contra a corrupção.

 

E hoje quem é que está consigo nesta luta contra a corrupção? 

Quem está comigo? Acho que estão os angolanos, de uma forma geral, salvo meia dúzia de pessoas.

 

E a velha guarda do seu partido? 

Eu não gosto muito de usar esta expressão. Ninguém gosta de se sentir como velho. Isto é pejorativo. E as ideias das pessoas não tem nada a ver com o tempo de militância. Não têm nada a ver. Quem tem 30 anos de MPLA e quem tem um ano de MPLA ou defendem o mesmo ponto de vista ou, contrariamente ao que pensam, a tal velha guarda, como lhe chama, apoia-me mais do que, se calhar, alguns jovens — estou a falar individualmente. Não estou a falar da juventude. Sabe que aqueles a quem você chama de velha guarda são os que tiveram a coragem de escrever para o meu antecessor e dizer que é tempo de passar o testemunho ao nível do partido. São esses que o Nok Nogueira pensa, ou pelo menos, está a insinuar que não estarão comigo.

 

Em circunstância nenhuma equacionou estar alí na cerimónia em Lopitanga? 

Isto insinuou-se bastante. Há uma certa imprensa mesmo que, na véspera, anunciava a minha presença lá. Mas não podia acontecer, pelo simples facto de que sempre ficou claro, e nós nunca alimentámos a expectativa, junto, quer da direcção da UNITA, quer da família, de tratar aquele caso como um funeral do Estado. Não podia ser funeral do Estado. Quiseram comparar com o caso do general Ben-Ben, por sinal, ironia do destino, sobrinho do Doutor Jonas Savimbi. O general Ben-Ben era chefe do Estado Maior General adjunto das Forças Armadas Angolanas, portanto,  era um homem do Estado, e teve honras do Estado. Não tem comparação possível. Daí a ausência de entidades oficiais do Estado angolano em Lopitanga.

 

Seria heresia colocar, no mesmo patamar, a figura de Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi? 

Acho que sim. Acho que seria, porque não vejo um Agostinho Neto apenas como presidente do MPLA. Agostinho Neto foi chefe de Estado. Primeiro, ou segundo ou terceiro presidente, não interessa a ordem. Ele foi chefe de Estado. Então, chefe de Estado tem honra de Estado. Isso não sou eu que estou a inventar.

 

E a base fundadora deste país, o nacionalismo, todo o protagonismo que estas figuras tiveram, não representam nada para o senhor Presidente, neste sentido que coloco a questão? 

Representam para os militantes da organização política que ele dirigiu. E a prova de que representam, todos nós vimos as homenagens que foram prestadas por quem devia prestar.

 

E a questão da reconciliação nacional? 

Qual é o problema? Houve alguma coisa que choca com a reconciliação nacional?

 

O senhor Presidente coloca a figura Jonas Savimbi apenas voltada para aquilo que é a massa militante da UNITA... 

E em quê que isso chocaria com a reconciliação nacional?

 

Não seria um grande activo... 

O que chocaria com a reconciliação seria mantê-lo no estado em que estava no Luena, e nós ultrapassámos isso.

 

Falemos sobre a exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi. Esperava tanta polémica à volta deste momento? 

Não houve muita polémica. Num processo que durou meses, em que tudo correu bem, a polémica só levou 48 horas. Exactas 48 horas.

 

O líder da UNITA teve que vir consultar o Presidente da República, no momento das exéquias. 

Ele não me veio consultar, é preciso que se diga a verdade. O líder da UNITA escreveu para mim, a [solicitar a indicação] de um interlocutor válido para ultrapassar este imbróglio. Este foi o pedido curto e simples que o presidente da UNITA fez ao Presidente da República, por escrito. Eu é que preferi, ao invés de, pela mesma via, dizer fale com o fulano, entendi convidá-lo a vir aqui ao Palácio. Penso que foi o melhor que fiz. Conversámos e ficou resolvido.

 

O porquê do imbróglio? 

Já está ultrapassado.

 

Para uma situação que estava a ser conduzida a bom porto, exactamente no final, o que é que correu mal? 

Gosto muito de fazer comparações. Imagina que o Nok Nogueira é um grande jogador de futebol, vai para o campo, o jogo está difícil, mas ganha. No final, o quê mais importante para si? A vitória. Ganharam o jogo. Agora se levou uma canelada na perna, se ficou com o joelho lesionado, isto aí já não conta. Para um processo que levou meses e que teve um final feliz o quê é que são 48 horas de desentendimento? Para mim, não contam. O que conta é o final feliz, que, felizmente, conseguimos encontrar conjuntamente. Ninguém quer tirar louros. O salvador não fui eu.

 

Eu ia perguntar se não houve nenhum aproveitamento político de sua parte. 

Aproveitamento político como?

 

Na medida em que teve de ser o senhor Presidente a ter de pôr termo ao imbróglio [risos]. 

Vocês têm que ver sempre a parte escondida do...

 

Foram as leituras feitas. Não é uma questão que esteja a colocar por entender que o senhor Presidente tivesse tirado algum partido desta situação. As pessoas diziam: vocês querem ver que tudo vai no fundo culminar com a intervenção do senhor Presidente da República e acabou por ser. 

Se pudéssemos evitar que assim acontecesse, eu preferia. Se a solução não tivesse que passar por mim, seria melhor, se calhar. Mas, lamentavelmente, teve que passar.

 

Dentro daquilo que são as competências das pessoas que estavam envolvidas no processo, elas não podiam decidir por elas próprias e evitar-se aquela situação? 

Nogueira, chegámos a um desfecho feliz para todos, não? Então, vamo-nos abraçar e ficar por aí.