Luanda - A secretária de Estado para a Administração do Território, Laurinda Cardoso, afirmou que o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios é um ensaio para uma gestão mais participativa.

Fonte: Club-k.net

O texto que se segue, pretende ser uma contribuição para a discussão que hoje vai havendo em torno da implementação dos PIIM dos municípios.

 

Começa por avaliar o que se pretende fazer no Cuanza Sul com as verbas disponibilizadas. Falamos de seguida da importância que este programa pode ter num contexto de desemprego galopante e abordamos a forma como no passado têm sido executados os programas de investimentos.

 

Depois damos exemplos concretos de como podem ser abordados os investimentos nas estradas terciárias, na Saúde e na Educação.

 

Por ultimo deixamos algumas sugestões ou propostas.

A- Introdução


A distribuição orçamental do PIIM para os 12 municípios do Cuanza Sul tem algumas curiosidades interessantes:

1º Para o Cuanza Sul, estão reservados cerca de 100,000,000.00 USD.

2º - Existem apenas duas rubricas que claramente não se destinam a trabalhos de construção ou reabilitação. Para cada Município são destinadas verbas para “Operacionalização dos serviços de Saúde” (1% do Total) e Operacionalização dos serviços de saneamento básico” (8% do Total).


3º Podemos então concluir que 92% das verbas do PIIM serão destinadas a serem usadas em empreitadas de movimento de terras, construção e montagem, com realce para obras de Energia, Águas e Edifícios Administrativos (46% do total); Reabilitação de Infra-estruturas Urbanas e Vias terciárias (16%) e Reabilitação ou construção de novas instalações hospitalares (17%)


4º- Particular realce para a Construção de Escolas Primárias – Existe um valor igual para cada município de aproximadamente 1,000,000.00 USD. Globalmente estão destinados a esta rubrica de construção cerca de 12% do Valor total do PIIM para o Cuanza Sul.

5º- Os dois projectos de maior orçamento registado são a “Reabilitação e Expensão do Sistema de Abastecimento de Agua da Sede Municipal (13,500,000.00 USD) e a “Construção da Cadeia de Cassosso na Cela” (12,000,000.00 USD).


6º Os dois projectos de menor valor registado são a “Reabilitação do Sistema de Abastecimento de Água na Aldeia de Mussoi” (11,800.00 USD) e “Reabilitação do Mercado Municipal da Conda” (13,000.00 USD)


Ainda sem conhecer como se processará a materialização deste Planos e dos Projectos que dele fazem parte, parece-nos importante tecer as seguintes considerações, que resultam da observação comum e das vivências que fomos mantendo ao longo dos anos ao trabalhar em projectos diversos.


B- Desemprego


Continuamos a pensar que o problema mais importante e de maior dificuldade de resolução que pesa sobre este executivo é o desemprego. O acesso alargado dos cidadãos a uma retribuição monetária regular como resultado do seu trabalho para terceiros ou para si próprio é condição essencial para termos pilares de edificação estável de uma economia e de um Pais. Sem emprego generalizado não surge classe média. Sem classe média não há consumo nem poupança.


Uma família que tenha que viver sem que nenhum dos seus membros possua sustento recorrente, inicia um processo de desestruturação com nefastos efeitos, não apenas para a família em si mas também para a comunidade em que vive, uma vez que a redução do poder de compra vai afectando e definhando a economia local.


Todos nós estamos diariamente confrontados com as situações que resultam do elevado desemprego que hoje atinge o nosso Pais. O mais assustador é que, para além da evidente estagnação económica, que tem lançado pessoas habilitadas e formadas para o desemprego, o “fosso” entre as necessidades de emprego e a oferta disponível é cada vez maior sob o ponto de vista tecnológico.


Terminou o tempo dos “contratados” que movimentavam milhares de trabalhadores analfabetos para as roças do café ou das fábricas têxteis baseadas em trabalho intensivo de mão de obra pouco qualificada.


À medida que a produção se torna mais mecanizada, mais exigente tecnologicamente, mais dependente das tecnologias da informação, baixa significativamente a procura de mão de obra, incrementando o desemprego.


O problema é que os governos estão com dificuldade em encontrar soluções de desenvolvimento económico que ao mesmo tempo salvaguarde empregos para os seus cidadãos.


Por isso faz todo o sentido que os Planos de Investimento Publico ou os incentivos ao Investimento Privado devam privilegiar processo de integração e dar atenção particular aos modelos de gestão, operação e manutenção dos investimentos aprovados. Na prática cada Investimento, seja ele de que natureza for, necessita de ter associado uma panóplia de serviços de gestão, de logística, de tecnologias de informação, de manutenção, etc. sem os quais tal investimento se mostra ineficiente e não rentável.


Os Governos começam a entender que a prestação de serviços representa uma produção intangível, difícil de contabilizar que cresce de uma forma mais rápida que a agricultura ou a indústria e que pode significar uma importante contribuição para o PIB de uma nação e para a diminuição da procura de divisas.


Cada vez mais devemos dar atenção ao investimento intangível, ou seja, investimento em pessoas. Investir em Capital humano pode significar valorizar o principal activo de muitas empresas e serviços. Investir nas qualificações e aptidões das pessoas traz aos serviços mais efectividade, aumentos de produtividade ou mesmo a introdução de inovações e melhorias nos processos produtivos de uma empresa.

C- Modelo de Execução de Investimentos


A reconstrução nacional que se processou depois de 2002 e para a qual até foi criado um super Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN) tinha perante si dois caminhos.


Ou seguia um caminho mais lento, e eventualmente mais caro - mas socialmente mais efectivo - aplicando as verbas das obras do âmbito desse gabinete através da manutenção e criação de empresas locais e de know-how nacional. Ou seja, usar os financiamentos para potenciar os locais, permitindo que se aplicasse os fundos disponíveis no fortalecimento do empresariado e economia nacional


Alternativamente optou-se por uma solução mais rápida – politicamente de maior impacto a curto prazo - ” importando” empreitadas do tipo chave na mão. Os financiamentos da China serviram para as empresas chinesas virem trabalhar para Angola, trazendo suas tecnologias, seus trabalhadores, com praticamente nenhum input angolano. Empresas e trabalhadores chineses, foram usados para elaborar projectos e fazer obras (cidades, estradas, estádios, etc) não deixando o necessário para que pudéssemos manter e conservar o que nos estava a ser “oferecido”. É como importar um carro sem saber onde comprar os filtros e as peças de reposição.


Como resultado, dessa alternativa verificamos hoje que o dinheiro de Angola serviu para dar trabalho e lucro a empresas chinesas. Destruímos a nossa rede de empreiteiros e empresas de serviços à construção, não demos trabalho aos nosso engenheiros e arquitectos e não permitimos o surgimento de operários especializados que hoje possam fazer a operação e manutenção das obras construídas.

Este erro não pode ser cometido outra vez.


Estamos em completo acordo que se inicie a aplicação do conceito de “intervenção integrada” quando se estiver perante um investimento por mais pequeno que ele seja.


A sua implementação tem de ser antecipada pelos necessários estudos de custo/beneficio, impacto social e ambiental e estar de acordo com duas importantes perspectivas: 1º. Como gerador de benefícios directos e de qualidade para os destinatários. 2º Como gerador de fonte de trabalho e emprego para os locais.

D- Comentários ao PIIM do Cuanza Sul.


De acordo com o entendimento que fazemos da lista de Projectos que nos é colocada, cerca de 92% da verba destinada ao PIIM do Cuanza Sul é destinado a obras. Será certamente uma boa oportunidade para os empreiteiros. As questões que colocamos são as seguintes: Onde estão os empreiteiros angolanos capazes de fazer tais obras? Será que vamos voltar a ter empresas chinesas a fazer estas obras, com praticamente nenhuma mão de obra local? Que medidas de promoção das empresas locais estão a ser estudadas?


Procurando ir de encontro às questões de integração e garantia de operacionalidade, vejamos algumas das actividades e projectos listado.


1º - Trabalhos de reabilitação das infra-estruturas urbanas e vias terciárias, para as quais estão destinados cerca de 16,000,000.00 USD.


Tivemos conhecimento, que o Ministério da Construção e Obras Publicas tem em curso a aquisição de Kits de equipamentos pesados para terraplanagem e estradas para serem entregues às administrações municipais. Nada que não tenha sido feito no passado com resultados mais que duvidosos. Equipamentos desta natureza podem ter um ciclo de vida de mais de 10 anos desde que bem usados e mantidos.


As questões que gostávamos de ver esclarecidas são as seguintes:


• Quem vai gerir tais máquinas e equipamentos, garantindo o fundo maneio da sua operação corrente?

• Onde estão os operadores dessas máquinas? Onde estão a ser treinados? Quem os vai contratar?

• Quem se responsabilizará pelos trabalhos de manutenção corrente e reparação dos equipamentos? Tais oficinas possuem equipamento oficinal adequado?

• Quem fará a logística de peças de reposição e lubrificantes?

• Quem adquirirá e colocará em funcionamento os equipamentos de laboratório necessários para qualquer obra de estradas e terraplanagem?

• Onde estão os técnicos de terraplanagens e estradas. Capatazes, Topógrafos, medidores, etc

• Quem fará os projectos de reabilitação das estradas e vias? Quem fará o controle de qualidade e conduzirá os ensaios de qualidade?


E, muito importante: Que estrutura receberá a obra depois da mesma concluída. Obras de estradas em terra têm uma exigência de conservação e manutenção muito grande.

2º - Trabalhos de Construção e Reabilitação de Hospitais e instalações de saúde, para os quais estão destinados cerca de 18,000,000.00 USD.


Os economistas e administradores em saúde sabem que os custos de construção de uma unidade hospitalar representam apenas 20% do investimento necessário para colocar uma unidade hospitalar em operação. Instalações de Saúde são provavelmente dos mais complexos sistemas para serem operados, tendo em conta a enorme quantidade de serviços que contribuem para o seu funcionamento diário.


Para além do valor quase insignificante para a “Operacionalização dos serviços de saúde” (apenas 1% do valor total) O valor destinado para o sector, não nos parece suficiente para muito mais do que a própria construção tendo em conta a importância e grandeza dos projectos propostos.


Fica então por saber como se processará a operacionalização dessas instalações. Para além das questões logísticas especializadas (Medicamentos, manutenção de equipamentos de electromedicina, Reagentes de laboratórios, sistemas de Informação, serviços de higienização, Alimentação, lavandarias, etc) existem algumas questões que têm dificultado cronicamente o funcionamento destas instalações: Mobilidade (Ambulâncias e Viaturas de apoio); Condições de alojamento e estadia para médicos e técnicos deslocados e Formação continua.


Fica igualmente por saber como se fará a ligação dessas unidades com os propostos Agentes Comunitários de Saúde. É função do sector de Saúde trabalhar junto das comunidades na prevenção das Doenças Negligenciáveis.

3º Construção de Escolas Primárias, para o qual está destinada uma verba de cerca 12,000,000.00 USD.


Tal como referido por um eminente comentador da nossa praça, Angola não necessita de Escolas, Necessita de Educação.


Claro que a população está a aumentar e o nº o de instalações escolares deve continuar a crescer. No entanto o problema que se põe hoje é colocar a funcionar devidamente as escolas existentes.


Não é aceitável que professores vivam a dezenas de quilómetros das suas escolas ou que alunos sem uma refeição, tenham de calcorrear mais do que a distancia que o ser humano pode fazer em condições aceitáveis. Não é agradável ver uma escola com os alunos nos recreios a maior parte do tempo


É necessário conceber a escola como um sistema de aprendizagem com salas e carteiras limpas e seguras, alunos, professores motivados, mas também fiscalizados, auxiliares educativos a funcionar, sistemas simples de mobilidade para os alunos mais distantes, áreas de desporto, água corrente, área de jardim ou de horta, etc. Que bom que seria que cada escola pudesse ter electricidade e condições de acesso à net.


E- Propostas e Sugestões

Que sugestões podem ser feitas na expectativa de que, como disse a Sra Secretária de Estado possamos fazer ensaio para uma gestão mais participativa?


A primeira sugestão vai no sentido de permitir/organizar uma maior participação das comunidades na aplicação dos fundos do PIIM. Neste caso não está em causa desviar os valores já destinados para os projectos identificados, mas sim verificar em que medida ainda é possível ajustar os Termos de Referencia dos Projectos de forma a irem de encontro a uma maior “integração”, um maior impacto na comunidade.


Igualmente sugerimos que possa haver verbas disponíveis para que empresas de estudos e de elaboração de projectos e de fiscalização possam ser antecipadamente contratadas para rever os documentos de projecto existentes e os possam completar lá onde for possível. A existência de obras bem concebidas e bem feitas não depende da qualidade dos empreiteiros, mas sim do detalhe dos projectos que lhes são entregues através dos cadernos de encargos e da independência e competência das empresas de fiscalização

Cada município tem as suas próprias especificidades, mas cada município tem certamente recursos humanos e capacidades locais que merecem uma oportunidade de se exibirem e de serem usadas. Caso a caso, devem ser promovidas as empresas locais ou aquelas que sejam capazes de uma mais alta taxa de colaboração local.


São propostas pequenas que teriam um grande impacto na vida e economia local de cada município. No entanto também compreendemos que exigem um grande esforço institucional e organizativo por parte das administrações e de quem tiver a responsabilidade de implementar estes Projectos.
Façamos votos que este seja um programa de sucesso, sem motivações político partidárias.


Rui Lopes