Lisboa - A iniciativa da UNITA, que propôs a quatro grupos parlamentares a subscrição de um documento submetido ao Tribunal Constitucional, solicitando apreciação da constitucionalidade do acórdão que proíbe a Assembleia Nacional de fiscalizar os atos do executivo, pode surtir efeito, segundo declarou ao Club-K, fonte da magistratura.
Fonte: Club-k.net
Acórdão foi assinado fora do Tribunal e sem os juízes
Em causa está o acórdão 319/13 do Tribunal Constitucional, de 9 de outubro de 2013, que declarou inconstitucionais quatro artigos do Regimento da Assembleia Nacional, em vigor na altura, proibindo a Assembleia Nacional de fiscalizar os atos de governação do executivo.
Segundo a fonte do Club-K, a oposição (UNITA, PRS, FNLA) poderá, desta vez, ter sucesso na sua reclamação se a nova direção do Tribunal Constitucional levar em conta a forma como o então Presidente deste órgão, Rui Constantino Ferreira, fez aprovar o acórdão violando normas internas, para satisfazer um pedido do antigo Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos.
O polemico acórdão foi elaborado por Rui Ferreira (e redigido por Raúl Araújo) de forma isolada sem a participação dos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional. Ou seja, os juízes do constitucional tomaram conhecimento da aprovação do acórdão pela televisão, por isso fontes que trouxeram a verdade, sugerem a oposição (UNITA, PRS e FNLA) a pedir também um inquérito a nova direção do Tribunal Constitucional para que a verdade venha ao de cima e de forma haver cancelamento do acórdão.
Eis a historia:
Em 2013, o então Presidente José Eduardo dos Santos fez saber a Rui Ferreira para ver uma solução para que a Assembleia Nacional deixasse de convocar a si ou/e aos membros do seu governo para prestação de esclarecimentos sobre o rumo do país. A solução encontrada foi fazer aprovar um acórdão do Tribunal Constitucional que colocasse este impedimento.
Depois de Agosto daquele ano, Rui Ferreira levou o assunto aos juízes conselheiros do tribunal constitucional e estes se negaram participar na elaboração do acórdão alegando que ao faze-lo estariam a contribuir para “um mal ao país” enquanto que outros justificavam que ao faze-lo, era permitir que “o país ficasse nas mãos de uma só pessoa”.
Na sequencia de pressões que Rui Ferreira foi tendo do então Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos que o questionava se o documento já estava aprovado, o então Presidente do Tribunal Constitucional, encontrou uma solução “inventando” uma viagem de serviço a província do Uíge, levando alguns juízes consigo.
O Tribunal Constitucional é constituído por 11 juízes e para se fazer aprovar um acórdão precisa-se apenas de seis votos. No dia 19 de Outubro de 2013, Rui Ferreira levou consigo cinco juízes conselheiros da sua confiança cujos ingresso para o constitucional foi por indicação de JES.
A saber:
1.Raúl Carlos Vasques Araújo, antigo quadro da escola do MPLA, e leal ao antigo PR.
2.Ameríco Garcia, antigo chefe da Casa Civil do PR (de 2005 a 2008) e indicado por JES para fazer parte do Tribunal Constitucional
3.Terezinha Lopes, indicada para o TC pela bancada parlamentar do MPLA.
4.Onofre dos Santos, figuras das eleições de 1992, e indicado para o TC por JES
5.Miguel Correia, antigo vice-ministro e secretario de Estado do governo de JES
Com este grupo de cinco juízes, o Presidente do Constitucional tinha o numero necessários de votos (mais o seu) para aprovar o acórdão que alegara ter sido solicitado por 22 deputados do MPLA.
Ao chegaram na província do Uíge, Rui Ferreira levou o grupo de cinco juízes a sede do governo provincial e explicou-lhes o propósito da viagem. Raúl Araújo que ajudou a compilar o “draft” do acórdão era depois de Rui Ferreira, o único juiz Conselheiro que sabia do propósito que os levou a província. Na reunião, Ferreira foi sincero com os seus colegas sobre a pressão que estava a ter de JES e pediu que cada um assinasse o Acórdão.
O Acórdão determinou que “a Constituição não confere à Assembleia Nacional competência para fazer interpelações e inquéritos ao Executivo, nem para convocar, fazer perguntas ou audições aos Ministros, uma vez que em Angola os Ministros de Estado, Ministros e Governadores desempenham funções delegadas pelo titular do Poder Executivo, que é o Presidente da República”.
Para este grupo de juízes liderados por Ferreira “ter o poder de convocar os ‘membros do Executivo’ seria o mesmo que ter o poder de convocar o Presidente da República que é o Titular do Poder Executivo, o que não é constitucionalmente aceitável”.
Depois de aprovado, os seis juízes regressaram a Luanda, razão pela qual o Acórdão 319/2013 é o único da historia do tribunal constitucional que foi aprovado fora de Luanda. Os restantes juízes conselheiros que constituem a maioria apenas tomaram conhecimento da decisão pela televisão.
No inicio do corrente ano, o dirigente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, em entrevista a Lusa, lembrou que, desde aquela altura, a Assembleia Nacional passou a impedir a realização de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), bem como de iniciativas parlamentares de fiscalização à governação, “sob o pretexto de que careceriam de prévia autorização do titular do poder executivo, o Presidente da República”.
O deputado referiu que, com esta situação, a UNITA viu sem resposta ou impedidos requerimentos dirigidos à Assembleia Nacional para a abertura de CPI ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), à Sonangol, ao Fundo Soberano de Angola e à Dívida Pública.
Segundo disseram ao Club-K, a nova direção do Tribunal Constitucional liderada por Manuel Aragão pode mandar anular este acórdão por se tratar de um documento que foi aprovado sem as actas e sem os votos vencidos, uma vez que foi aprovado pelas costas dos juízes conselheiros que não concordavam.
Segundo normas estabelecidas “O acórdão, como as demais decisões judiciais, deve apresentar o nome de seu relator, dos membros componentes do órgão julgador (câmara, turma, seção, órgão especial, plenário etc.), e o resultado da votação. Caso a votação não seja unânime, o voto vencido, ou seja, o entendimento divergente, mesmo que de um membro apenas órgão julgador deverá ser exposto no acórdão”.
Nota da redação
Na sequência da presente abordagem, o Club-K gostava de colocar - por esta via - as seguintes questões ao antigo Presidente do Tribunal Constitucional, Rui Constantino Ferreira sobre o Acórdão 319/13. Pelo que se aguarda resposta.
1. Sr. Juiz, depois da aprovação do Acórdão 319/13, o advogado Francisco Viena, na altura exercendo as funções de secretário nacional para os assuntos constitucionais e eleitorais da CASA-CE, dizia que o referido “é um exemplo claro de que o Tribunal Constitucional estava ao serviço do Presidente, José Eduardo dos Santos, e não da legalidade democrática.” Como podemos contrariar o que disse Francisco Viena?
2. O jornalista Rafael Marques escreveu que o Presidente Dos Santos não conseguiu colocar artigos de limitação da Assembleia Nacional, na nova constituição de 2010, para não passar a ideia de ter estado a cima da lei. Que provas há de que o Acórdão 319, não é apenas a formalização, na realidade, de uma decisão tomada em 2010 pelo então presidente da Assembleia Nacional, António Paulo Kassoma, através do Despacho n° 02177/03/GPAN/2010, que pedia suspensão temporária a “realização de qualquer acção de controlo e de fiscalização das actividades do Executivo” por parte do Parlamento. ?
3. Na tomada de posse de João Lourenço, o senhor no seu discurso pediu ao novo Chefe de Estado para corrigir o que está mal, melhorar o que está bem, combater a corrupção, fortalecer o Estado democrático e de direito, diversificar a economia e melhorar a qualidade de vida dos angolanos. A nossa pergunta é, como recomendar combate a corrupção quando por outro lado o senhor aprovou um acórdão que proíbe o parlamento de interpelar os membros do governo?
4. Porque que o Acórdão 319/13 é o único aprovado fora de Luanda? Geralmente os acórdãos trazem o voto vencido da antiga juíza conselheira Imaculada Melo, indicada pela UNITA. Porque que na feitura deste acórdão não encontramos o voto vencido daquela juíza Jubilada?
5. A Juíza Jubilada Luzia Sebastião é reconhecida pela sua frontalidade, coerência e por não admitir infrações. Sendo sua amiga desde a JMPLA, conforme a mesma declarou em entrevista ao Jornal de Angola, porque que o senhor não a levou também na suposta viagem de serviço ao Uíge em que o seu grupo aprovou o acórdão 319? O senhor não esteve seguro de que ela pudesse votar num acórdão que impede o parlamentar de fiscalizar actos do governo?
6. Ao regressar do Uíge como geriu o assunto junto da maioria dos juízes conselheiros que ficaram a saber pela televisão que o seu senhor aprovou um acórdão fora do tribunal?
7. Há vozes em Luanda, a dizer que o Juiz Onofre dos Santos só aceitou assinar o acórdão depois de previas garantias de que o ajudariam a retomar terras que o seu falecido pai deixou em Angola, e que estão confiscadas pelo Estado. Até que ponto poderíamos não considerar, estas promessas como corrupção ?
8. Há juristas dizendo que num governo que não seja do MPLA, o senhor poderia ser levado a tribunal por actos de lesa pátria por aprovar um acórdão 319/13 que atenta contra o funcionamento da Governação do país. No seu ponto de vista quem mais saiu a ganhar com esta sua decisão de impedir a Assembleia de fiscalizar o governo, o país, ou o ex-Presidente José Eduardo dos Santos?