Luanda - Paira no ar fortes suspeitas sobre um possível adiamento das eleições autárquicas inicialmente aprazadas para o próximo ano.

Fonte: Club-k.net

A mera suspeita converteu-se em juízo de probabilidade na cerimónia oficial que assinalou o dia 17 de Setembro deste ano.


Na ocasião, estranhamente, a Ministra de Estado para Área Social, Carolina Cerqueira, no discurso proferido no município da Chibia, província da Huila, não fez nenhuma referência ao pleito eleitoral autárquico agendado para 2020.


É voz corrente, em surdina, que o juízo de certeza vai ser tornado público nos próximos dias com o anúncio oficial do (In)esperado adiamento. Entretanto, recentemente, a Comissão Nacional Eleitoral ( adiante designada CNE) reuniu -se para tratar de questões logísticas do pleito eleitoral autárquico do próximo ano.


Não sendo “iure et de iure”, a referida presunção pode ser ilidida. Porém, a reunião da CNE que poderia constituir prova bastante para ilidir a presunção, ficou prejudicada pela ausência da legislação sobre eleições autárquicas. Mal anda a CNE a preparar um escrutínio sem base legal: a Lei Orgânica sobre as Eleições Autárquicas ainda não foi aprovada pela Assembleia Nacional.

Será que a CNE está a colocar o carro à frente dos bois? Ou não passou de uma “mise en scène” para dissipar às dúvidas ante o aumento alarmante das suspeitas de adiamento?

Sendo ou não uma medida de distracção para assegurar a opinião pública até ao membro certo, vamos então ter que esperar pelo dia 15 do corrente mês, quando o Presidente da República proferir o discurso do “Estado da Nação “ na Assembleia Nacional, em cumprimento de uma injunção constitucional ( artigo 118 da Constituição da República de Angola - adiante designada por CRA).
Nesta acto, seguramente, teremos a resposta.

Entretanto, o presumível adiamento pode apanhar de surpresa os menos atentos, mas para quem como nós acompanha desde o início o processo de implantação das Autarquias Locais em Angola percebe as fragilidades do mesmo.


Por isso, em Outubro do ano passado, sugerimos publicamente que as eleições autárquicas fossem adiadas.


A falta de condições mínimas na maioria dos municípios de Angola é a principal razão para não avançarmos já para o governo autárquico.


A confirmar-se, nos próximos dias, o adiamento, embora defraude às expectativas internas e além fronteiras, porém justifica-se por três razões que passo a escalpelizar:

a) Razões de Ordem Política

Há uma questão fracturante que coloca em polos contrários o Executivo e a Oposição: o Executivo defende o princípio do gradualismo territorial e a Oposição discorda, aceitando apenas o gradualismo funcional.


O gradualismo territorial é o princípio segundo o qual as Autarquias Locais são implementadas de forma fraseada ou gradual no território nacional, sendo contemplados, no primeiro pleito eleitoral, alguns municípios e, no segundo ciclo eleitoral, os restantes. Para a Oposição, em homenagem aos princípios constitucionais da universidade, igualdade, democrático entre outros, as primeiras eleições autárquicas devem ocorrer em todos os municípios do País.


Na visão dos partidos da oposição, o gradualismo consagrado no artigo 242 da CRA é funcional e não territorial, isto é, deve-se implementar as Autarquias Locais em simultâneo em todo território nacional, transferindo-se, apenas, faseadamente as atribuições ou funções do Estado para as Autárquicas Locais.


Esta posição manifestada e vincada pela Oposição o ano passado, aquando da discussão pública do Pacote Legislativo Essencial Autárquico ( adiante designado por PLEA), colocado à consulta pública pelo Executivo, através do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado ( MATRE), foi seguida e comungada por muitas organizações da sociedade civil e religiosas.


Portanto, há um pomo de discórdia que não ajuda politicamente este processo. O ambiente político e social não é favorável à implantação das Autarquias Locais no formato proposto pelo Executivo.
Esta discórdia não é assunto de “lana caprina” porque o gradualismo remete o país para dois campeonatos de governação local distintos e as velocidades governativas díspares serão de consequências incalculáveis não só para o bem-estar das populações, como para agigantar a já larguíssima assimetrias entre regiões.


Moçambique, por exemplo, que seguiu este formato, não apresenta bons resultados com o ensaio do gradualismo territorial em duas décadas de experimentação.

Por outro lado, ainda não foi discutido e aprovado todo o PLEA, estando até ao momento aprovado e publicado somente dois diplomas, designadamente a Lei da Tutela Administrativa e a Lei de Organização e Funcionamento das Autarquias Locais.


Faltam, por isso, mais quatro diplomas do PLEA, estando entre eles a polémica questão do gradualismo e a proposta da Lei Orgânica das Eleições Autárquicas.


E o gradualismo territorial está ligado a falta de condições objectivas na maioria dos municípios, motivo este que passamos a explicar de seguida.

b) Razões de Ordem Objectiva

Um das razões, se não a principal, que leva o Executivo a defender o gradualismo territorial é a falta de condições materiais, humanas, infra-estruturais e de capacidade contributiva do grosso dos municípios do País.

Depois de um diagnóstico efectuado, apurou-se que menos de metade dos 164 municípios reúne as mínimas condições para serem transformamos em Autarquias Locais.


Dito de outro modo, a grande maioria dos municípios em Angola, apesar de terem em funcionamento os órgãos locais do Estado ( Administrações Municipais), não possuem, na prática, condições objectivas tais como: infra-estruturas adequadas, funcionários qualificados, capacidade contributiva, capacidade de arrecadação de receitas, agências bancárias, etc.


Tendo em atenção a natureza jurídica das Autarquias Locais, que demanda autonomia administrativa e financeira, facilmente se conclui que mesmo que se realize eleições nestes municípios, os órgãos das autarquias eleitos ficam totalmente dependentes do Estado, quer em termos de capacidade de gestão ou administração (falta de pessoal qualificado), quer de recursos financeiros, pois os municípios não possuindo capacidade contributiva mínima, ficam totalmente dependentes das dotações do OGE.
Um outro aspecto de grande relevância é concernente o atraso que se regista na aprovação da legislação atinente ao processo autárquico.


Do PLEA, composto por seis diplomas, somente dois foram discutidos e aprovados pela Assembleia Nacional. Faltam, como vimos, quatro propostas de lei por aprovar.


Pelo ritmo médio de aprovação de leis do nosso Parlamento, e a lassidão conhecida dos órgãos de soberania do nosso País, e tendo deixando os diplomas mais complexos e polémicos para o fim, a aprovação da restante legislação consumirá alguns meses.


Há, contudo, ainda legislação completar que deve ter aprovação pelos órgãos competentes do Estado, tais como os regulamentos das leis do PLEA, bem como legislação complementar à esse núcleo fundamental do regime jurídico autárquico.


Mesmo que os Deputados imprimam um outro ritmo nos seus trabalhos e aprovem em tempo “record”, ainda assim, o PLEA chegará tarde aos seus destinatários, se consideramos as eleições autárquicas em 2020.
Nem trago à colação o PIIM que de tão atrasado mais parece um “nado morto”, pois não se notam sinais deste programa intempestivo. Talvez a actividade do MATRE a realizar-se no dia 8 do corrente mês no Cazombo ( Municípios do Alto Zambeze, província do Moxico) venha reavivar o “nascituro”.
Em todo caso, há outro motivo na base do adiamento das eleições autárquicas: a falta de recursos financeiros, razão mais relevante para o adiamento, que passo a detalhar a seguir.

c) Razões de Ordem Financeira

Angola atravessa, desde 2014, uma profunda crise financeira.

Os indicadores económicos das mais prestigiadas instituições nacionais e internacionais vocacionadas para este tipo de projecções, incluindo o Executivo, não apontam a saída deste crise a curto prazo .


Isto significa que no próximo ano o nosso país continuará mergulhado em dificuldades financeiras.
Numa linguagem clara, Angola não dispõe de meios financeiros para transformar os municípios em Autarquias Locais no próximo ano. Nem o PIIM tem essa pretensão.


Não se trata aqui de verbas para realizar eleições autárquicas, mas de meios financeiros para criar condições essenciais para volatilizar o funcionamento das Autarquias Locais, enquanto entidade autónoma. Uma autarquia local para ser digna deste nome não pode ficar exclusivamente dependente do OGE, sob pena de ser convertida num “mero serviço local” com órgãos eleitos.

Aqui trazidos, é o momento de questionarmos: qual o caminho que o País deve seguir?

Em nossa opinião, o Estado deve adiar a realização das eleições autárquicas nos seguintes termos e condições:

 

I) Agendar para 2025 a realização das primeiras eleições autárquicas

 

II) Realizar as eleições autárquicas em todos os municípios, abandonando de vez o princípio do gradualismo territorial ou geográfico

 

III) Criar condições, durante estes cinco anos, em todas as localidades para que estejam em condições de receberam as Autarquias Locais.

 

IV) criar um órgão para implementação de todos os elementos do Poder Local, designadamente, as Autarquias Locais, as Instituições do Poder Tradicional e as Outras Formas de Participação Específicas dos Cidadãos

 

V) O Órgão encarregue de implementar o Poder Local deve igualmente participar no combate às assimetrias regionais.

VI) Este órgão administrativo deve funcionar sob fiscalização da Assembleia Nacional

 

VII) Este órgão vai elaborar e implantar um Plano e um Programa de Implementação do Poder Local e de combate às assimetrias regionais a ser aprovado pelo Executivo e pela Assembleia Nacional.

 

vIII) Os referidos planos e programa terão etapas, cujo cumprimento é fiscalizado periodicamente pela Assembleia Nacional.

 

Por fim, esperamos que o Presidente da República no procedimento para adiar as eleições autárquicas consulte à Assembleia Nacional, a sociedade civil e não apenas o Conselho da República como fez para agendar a realização das eleições autárquicas para 2020.


A falta de consenso no adiamento, na conjuntura actual, pode ser o seu epitáfio.


Tendo em atenção o ressurgimento no debate público de propostas de “agendas de consensos”: uma nova e outras já conhecidas, o poder local apresenta-se como um terreno fértil para experimentação de um consenso na parte, uma vez que no todo nacional não há ainda ponto de equilíbrio.


Se tem sido um obstáculo intransponível o entendimento sobre os grandes temas nacionais, uma ponte pode ser encontrada nas questões locais. E havendo entendimento na base, mais facilmente podemos alcançar acordos sobre os grandes temas nacionais no topo.


Esperemos que o Presidente da República anuncie o adiamento das eleições autárquicas no sentido acima exposto e que o chorrilho de críticas habituais ceda o lugar a vozes dialogantes.

Posto isto, mais não digo..