Luanda - A «integridade», em termo jurídico-legal, está no domínio da soberania do Estado. Portanto, a soberania é caracterizada por certos requisitos fundamentais, no contexto do Estado, a saber: a presença do «povo», ou da «população», que habita num «território» definido, no qual estejam o «governo», o «parlamento» e os «tribunais», com plenos poderes de tomar decisões e acções em matérias de escolha dos sistemas político, económico, social e cultural, bem como a formulação e implementação da política externa, sem intrusões de outros Estados soberanos.

Fonte: Club-k.net

Porém, na época contemporânea, do mundo globalizado, assente no Direito Internacional, a soberania tem o carácter limitado, ou partilhado, em que um Estado não exerce o «poder absoluto». Classicamente, essa versão não está conforme a teoria do filósofo Francês, Jean Bodin (1530-1596), que interpretava a soberania nos seguintes termos: «La puissance absolute et perpétuelle d ́une republique». Traduzindo-se em português: “o poder absoluto e perpétuo de uma república.” Por outro lado, o filosófico suíço, Jean-Jacques Rousseau, no seu livro, intitulado, o Contracto Social (1762), defendia a tese segundo a qual: O fundamento do «poder supremo» é a «vontade popular», assente num «contrato» que configura uma «vontade geral».


Contudo, no sistema democrático atual, a soberania assenta em determinados princípios universais, tais como: o sufrágio universal; a alternância da autoridade pública; o direito à vida; a dignidade e a segurança humana; a igualdade de direitos; a independência nacional; a autodeterminação; o respeito pelos direitos do homem; a igualdade dos Estados; a igualdade entre os Estados; o respeito pela soberania territorial; a coexistência pacífica; a não ingerência nos assuntos internos de outros Estados; enfim, a responsabilidade máxima das Nações Unidas de fazer valer o direito internacional, fazer respeitar os direitos fundamentais do homem, salvaguardar a paz e a segurança mundial, e combater a fome e a pobreza no mundo.


Em acréscimo, no quadro da jurisdição doméstica, a soberania refere-se às competências, às funções e às responsabilidades que um Estado dispõe, dentro do seu território, para governar e administrar o bem comum, no sentido de garantir a segurança e proporcionar o bem-estar a todos, sem qualquer forma de discriminação racial, étnica, género, religiosa, estrato social, política ou geográfica.


Comparativamente, a Teoria do Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), defendida no «Contrato Social», parece estar em consonância com o sistema atual da democracia plural, que assenta no princípio do sufrágio universal directo, através do qual os poderes executivos e legislativos são eleitos por «maioria absoluta» ou «qualificada». Na profundidade o filósofo Jean-Jacques Rousseau enfatizava que, a Instituição do Governo não é um Contrato Social, mas uma lei, cuja validade depende da vontade geral, a qual tem a legitimidade legal de alterar o sistema político, instituir uma nova administração e disponibilizar outros servidores públicos.


Em função disso o filósofo Rousseau adianta que, todas as sociedades humanas passaram por diversas etapas das transformações sociais, adaptando-se às exigências concretas de cada modo de produção, criando novos modelos da organização política e da estruturação económica, libertando-se da subjugação, da exploração e da acumulação da riqueza por uma minoria privilegiada, em detrimento da maioria da população. O que quer dizer que, o povo é a origem natural de todas as formas da organização política e económica, sendo este o pilar principal do Estado, munido de poderes soberanos de alterar o sistema político e inová-lo para que corresponda à vontade geral da população. Por outro lado, a mesmo filósofo suíço destacava o seguinte: «as tendências mais remotas da sociedade prepararam o caminho para a destruição do homem através da dependência, desigualdade, corrupção e deformidade moral».


Dito de outra maneira, a prevalência dos «elementos perversos» no sistema de governação, não somente constitui o factor eminente para a deslegitimação da autoridade pública, como poder soberano, mas é uma das fontes principais da instabilidade social, com o potencial de provocar a mudança do sistema de governação. Se olharmos atentamente à conjuntura mundial, o quadro global de instabilidades, resulta-se das assimetrias sociais e económicas, bem como das rivalidades étnico-culturais e religiosas. Este contexto, das assimetrias socioeconómicas, tem origem, acima de tudo, na distribuição desigual da riqueza, na corrupção sistémica, na deformidade moral da classe politica e no desequilíbrio acentuado entre o Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul. Pois que, a supremacia tecnológica dos países industrializados serve como fundamento da dependência e da subordinação imposta implicitamente aos países menos desenvolvidos.


Este fenómeno, referido acima, exerce o impacto sociopsicológico muito grande na vida das pessoas, que são coagidas pelas circunstâncias da pobreza extrema, da fome e do desemprego juvenil para emigrar-se aos países ricos, que estão melhor organizados e estruturados. Repare que, o fluxo migratório, que se regista a nível mundial, sobretudo com destino à Europa Ocidental e aos Estados Unidos da América, além de fomentar o xenofobismo e racismo, serve de fonte de inspiração do nacionalismo branco e do ressurgimento do Neonazi e da Extrema-direita. Constata-se igualmente a proliferação dos grupos extremistas islamitas, que se expandem gradualmente pelo mundo, com maior intensidade no Continente Africano, onde se multiplica os conflitos internos e transfronteiriços.

 

Além do mais, o Continente Africano tem sido o alvo principal da infiltração do terrorismo internacional devida a fragilidade das suas instituições, fortemente atingidas pela corrupção, sem capacidade de assegurar a soberania e proporcionar o bem-estar das populações locais, em cada país. A título de referência, a nível dos países africanos existe grupos de traficantes transfronteiriços, em posse de capitais financeiros. A complexidade destes grupos mafiosos reside no facto de que são sustentados por figuras influentes dos poderes políticos que usam os Aparelhos do Estado para ocultar o tráfico ilícito de capitais, de pedras preciosas, de drogas, de órgãos humanos, de crianças e de jovens. Nesta condição, a integridade e a soberania do Estado tornam-se bastantes porosas, já que, os órgãos públicos, que têm o dever de proteger o Estado estão moralmente deformados, expostos à corrupção, e entreguem à perversidade.


Cabe-nos notar que, nesta época das novas tecnologias digitais e cibernéticas, a integridade física e moral do Estado, no âmbito da soberania, enfrenta grandes desafios. Isso é devido ao sistema sofisticado dos veículos da informação e das telecomunicações, através dos satélites em orbita, fora do sistema terrestre, com capacidades enormíssimas de emissões, em velocidades tremendas. Repare que, o seu manuseamento exige não só equipamentos sofisticados, mas sobretudo, recursos humanos habilitados, com conhecimentos técnico- científicos muito avançados.


Embora haja o clima de abertura e de cooperação mútua, mas o mundo de hoje funciona na concorrência desenfreada dentro do mercado internacional em que cada Estado-membro busca conquistar o seu espaço devido e tirar maior benefício das potencialidades e das lacunas que o mercado oferece. Sabendo bem que, na realidade todos os Estados-membros são concorrentes e parceiros, que buscam a cooperação bilateral ou multilateral na base dos interesses nacionais, em prol do seu povo, como sendo o fundamento da existência do Estado.


Nesta lógica, a partilha da tecnologia e know-how, além de estar condicionada, é utilizada como «fonte da inteligência» para colher informações sensíveis sobre os alvos previamente definidos durante o processo da prestação de serviços. Pois que, quem constrói um satélite, munido de equipamentos sofisticados, não o faz sem contar com o feedback, que lhe permita avaliar não só o desempenho do aparelho, mas sobretudo a natureza do Universo, a qualidade de dados colhidos, o manuseamento da informação e a perspetiva estratégica. Nesta senda, veja que, a guerra comercial que se verifica atualmente entre as potências económicas mundiais, por exemplo, resulta-se da concorrência e do conhecimento de cada um sobre as vantagens e as desvantagens do mercado, que resulta-se do intercâmbio comercial ou do outsourcing da tecnologia e do know-how.


Por outro lado, a «supra-soberania», exercida através das organizações multilaterais, como as Nações Unidas, tornou-se uma realidade inequívoca, que desafia a doutrina absolutista, que prevaleceu na Idade Média, e que ainda influencia o pensamento político de certos sectores da comunidade internacional. Pois, o mundo actual assenta no Direito Internacional que é caracterizado por um conjunto de factores da globalização, como por exemplo: o dever de todos os Estados membros, em pé de igualdade, submeter-se às deliberações das Nações Unidas e das outras organizações multilaterais; respeitar as normas que regem o mercado internacional; a integração do sistema bancário; e a presença das plataformas cibernéticas veiculadas por múltiplos satélites de pesquisa que orbitam o Universo e controlam o espaço terrestre.


Por este motivo, mesmo os países mais avançados, como os Estados Unidos da América, com tecnologias de ponta, mas o seu espaço territorial é também vulnerável diante outras potências industrializadas, como a Rússia, a China e a União Europeia, que se encontram igualmente no espaço. Para dizer que, os países em desenvolvimentos, com tecnologias rudimentares, são reféns dos países industrializados, que usam o seu potencial tecnológico para exercer a sua supremacia e ditar as regras do jogo. Por isso, a distribuição desigual da riqueza passa por esta via do desequilíbrio tecnológico, que sempre permitirá aos países avançados ter acesso às matérias-primas e aos recursos minerais dos países menos desenvolvidos, dando-lhes vantagens na comercialização das mercadorias fabricadas.


Em síntese, esta reflexão baseou-se na tese do filósofo suíço Jean-Jacques Rosseau, expresso nos seus trabalhos extensos que incluíram o Discurso sobre as Origens e Fundamentos da Desigualdade, a Economia Política, o Contrato Social, e, a Émile, este último, que foi banido em Paris e em Genebra em 1762, mas vinha ressurgir como fonte de inspiração da Revolução (1789-1799) Francesa. Aliás, o Rosseau não só inspirou a Revolução Francesa, mas as suas ideias progressistas impulsionaram a Revolução Americana, dinamizaram os Movimentos Cívicos e Independentistas das Colónias Europeias em África, na Ásia e na América Latina, e servira como base de referência na elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.


Por este motivo, Rosseau foi tido como o Apóstolo da democracia e combatente pela liberdade. Pois, nas Teses do Jean-Jacques Rosseau, as questões relacionadas com a soberania, a liberdade, a igualdade, a lei, a ética, a moral, a educação, a corrupção, a distribuição da riqueza, a democracia e o despotismo, faziam parte do debate contraditório, de teses e antíteses, entre os grandes Pensadores da Idade Média, como Santo Agostinho, Thomas Hobbes, David Hume, Thomas More, Karl-Marx e John Locke. Este último, o filósofo Inglês, John Locke, por exemplo, era o defensor acérrimo do direito à vida, à liberdade, à propriedade e à auto-preservação. Nesta senda, ele destacava que, «os indivíduos têm o direito a fazer a revolução para defender os seus direitos inalienáveis contra o poder absoluto, contra a opressão e contra a injustiça social». O que mais inspira nesta matéria é a alerta que Rosseau já fazia na altura, de que, «as tendências mais remotas da sociedade prepararam o caminho para a destruição do homem através da dependência, desigualdade, corrupção e deformidade moral».


Hoje, em pleno Século XXI, a corrupção atingiu os níveis alarmantes da destruição das comunidades humanas, com maior destaque na África Negra, onde o povo sucumbe-se da seca e da fome, enquanto os seus governantes vivem na opulência extrema, sem a vontade política de somente puxar água do rio, a menos de 70 km, para salvar a vida das populações locais e dos seus animais. Assistimos todos os dias ao fluxo migratório à Europa Ocidental, de muita gente, raparigas e rapazes, mulheres gravidas e crianças, a afogarem-se no Mar Mediterrâneo, a busca da vida. Veja só como a insensibilidade, a imoralidade e a ganância podem tomar conta da alma humana, tornando-se um Diabo colossal, um Monstro feroz.


Portanto, é ilusório falar da soberania, da integridade, da liberdade, da igualdade, da justiça e da boa governação quando um partido político, como MPLA, durante quatro décadas no poder, entrega-se à vontade alheia; coloca-se acima da lei; privatiza o Estado; saqueia o tesouro público; e mergulha o povo na desgraça. Acima disso, subordina a cidadania; valoriza a militância partidária; prática a exclusão política e a segregação social; destrói a herança cultural; valoriza os estrangeiros; e marginaliza o seu próprio povo. Mesmo assim, o povo, na sua ingenuidade, ainda espera dele, de que, um belo dia virá, para ele corrigir os seus vícios crónicos, e pensar no bem-comum. Habita-se, de facto, no mundo da Utopia!


Todavia, para ser efectiva, a soberania deve assentar-se na democracia, na liberdade, na dignidade humana e na boa governação, capazes de proporcionar o bem-estar ao povo; erguer instituições democráticas, fortes e apartidárias; distribuir bem a riqueza; e granjear o prestígio na comunidade internacional. Mas, tudo isso não virá do Céu como maná, sem luta, sem sacrifício, sem revisão da Constituição e sem mudança efectiva da estrutura partidária que governa o país desde 1975.


Luanda, 15 de Novembro de 2019.