Luanda - Devem ser nomeados, pelo Presidente da República, os Conselhos de Administração das Empresas Públicas ?

Fonte: Club-k.net

Nos últimos dias, foram nomeados, pelo Presidente da República, novos Conselhos de Administração (adiante CA) de algumas Empresas Públicas ( adiante EP).


Na sequência deste facto, foi-nos colocada a questão de saber se deve ser o Titular do Poder Executivo ( adiante TPE) a proceder ao provimento dos cargos de direcção das EPs?


No fundo, o nosso interlocutor quer saber se a nomeação do CA, pelo Presidente da República, na veste de TPE, é a melhor solução para o funcionamento do Executivo em geral e, das EP, em particular.

Porém, esta questão é apenas a ponta do icebergue que esconde uma problemática mais complexa que importa descortinar.

Entretanto, para respondermos a questão colocada, vamos analisar o referido fenómeno em três perspectivas, a saber: perspectiva da matriz ideológica, na perspectiva de iuri condito ( direito constituído), na perspectiva do iuri condendo ( do direito a constituir).

Na perspectiva da matriz ideológica, embora se tenha libertado formalmente da matriz socialista-comunista dos anos de Partido Único ( 1975-1991/92), o MPLA transitou formalmente para o capitalismo, assumindo a sua matriz centro esquerda - defende “trabalho e serviço”, ou seja, a Classe Média e Classe Baixa através do Estado Social.


Esta “fuga para a economia de mercado” feita pelo Partido no Poder nos finais dos anos 80 do século passado ( SEF, 1988) precipitou às aberturas políticas nos anos: 1991 ( Acordos de Bicesse); 1992 ( Lei Constitucional e primeiras eleições democráticas), e a economia de mercado desde 1991.
Contudo, esta inversão histórica ao capitalismo não está suficientemente clarificada nem consolidada.


Para melhor compreensão, podemos fazer um cirúrgico contraponto com dois países de democracia consolidada e o caso suis generis chinês.


Nos Estados Unidos da América encontramos os dois Partidos, que governam alternadamente o país dito como o líder do mundo livre, claramente definidos: o Partido Republicano, por exemplo, é de direita, privilegia os interesses da Classe Alta ( Ricos), ao passo que o Partido Democrático defende a matriz centro esquerda, protegendo e lutando pelos direitos da Classe Média e da Classe Baixa.


Surpreendemos a mesma clarividência no Reino Unido, onde a dicotomia esquerda-direita coloca o Partido Trabalhista na primeira e o Partido Conservador na segunda matriz.


O caso curioso é do Partido Comunista Chinês que arranjou uma solução híbrida para China face às transformações mundiais.


O referido Partido mantém a ideologia comunista ( extrema esquerda), embora não se assume como tal, mas adoptou, claramente, princípios, valores e políticas capitalistas de direita.

Há na China uma simbiose bem sucedida entre comunismo-capitalismo e esquerda-direita.


A dualidade das matrizes é levada aos extremos no interior da China e inclinado-se claramente para o capitalismo de direita em regiões como Macau, Shangai e Hong Kong.


Será que o MPLA está a seguir o modelo chinês, “carregando dois ossos ”?
Tudo indica que sim.


Nos dois anos de governação do Presidente João Lourenço os sinais de dualismo são mais evidentes: enquanto o Presidente propala a defesa dos mais desfavorecidos com o seu gigante estado social ( PRODESI e quejandos pelo meio), vai acenando à adesão dos ricos ao mega programa de privatizações ( PROPRIV), sem perdermos de vista a agressiva e continuada campanha de captação de investimento privado, sobretudo estrangeiro.

Na perspectiva de iuri condito ( direito constituído) consagrou-se na Constituição excessivos poderes executivos na figura do Presidente da República.


Esta concentração de poderes é uma consequência da ideologia marcante em Angola - centro-esquerda.
O nosso “presidencialismo”, feito à medida, atribui um conjunto de poderes ao TPE que o torna um verdadeiro Soberano Administrativo.

Aliás, o TPE é o próprio poder administrativo.


O legislador constituinte levou ao extremo a soberania do Presidente da República no poder executivo que o transformou num “Beyonder do Executivo”.


A possibilidade de nomeação dos CA das empresas do sector empresarial público é apenas uma manifestação dos poderes exagerados que o Presidente da República possui.

Na perspectiva de iuri condendo ( direito a constituir), em nossa opinião, devemos alterar este quadro em dois momentos: no primeiro, antes da revisão constitucional - alterar o regime jurídico (legislação infra-constitucional) do sector empresarial público e conferir ao TPE o poder de nomear somente os CA das EPs estratégicas, porém, respeitando os mandatos dos respectivos CA .


Deve constar na lei as situações excepcionais que determinam a interrupção do mandato de um CA, mas nunca por conveniência de serviço.


Na verdade, uma das razões do questionamento relativos aos excessivos poderes do TPE, no sector empresarial público, é que o Presidente da República, frequentemente, lança mão da dita “conveniência de serviço “ para afastar os CA das EPs, ignorando os prazos dos mandatos dos CA.


As consequências para as EPs são devastadoras e vão desde a interrupção de programas e projectos em curso à mobilidade de quadros do topo à base nas EPs visadas. Estas mudanças abruptas nem sempre são vantajosas para as empresas afectadas.


A estabilidade do funcionamento de uma EP é garantida pelo mandato do CA - durante o qual são aplicados os seus planos, programas e projectos.


Uma alteração a meio do mandato pressupõe, invariavelmente, as referidas mudanças. É uma “anda -pára “ no sector empresarial público que não contribui para o seu bom desempenho.


Num segundo momento, em sede de uma revisão constitucional, deve o futuro texto constitucional consagrar somente a nomeação dos CA das EPs estratégicas pelo Presidente da República. A nomeação dos CA das demais empresas do sector empresarial público deve ser da responsabilidade do Ministro que tutela o sector .


Ademais, o TPE nem sempre é o agente público melhor informado e familiarizado com a dinâmica empresarial, com particular destaque para as empresas de média e pequena dimensão ( e não estratégicas ) - nestas, a nosso ver, os CA deveriam ser nomeados pela tutela (Ministro).

 

Por isso, deve-se eliminar o paradoxo actual da tutela ser delegada aos ministros mas a nomeação dos CA continuar a ser uma prerrogativa presidencial.


Salvo o caso de EPs estratégicas, somos de opinião que, em homenagem a estabilidade do sector empresarial, os CA das EP em geral ( e demais empresas do sector empresarial público) deveriam ser nomeados pela respectiva tutela ministerial, respeitando os mandatos dos respectivos CA.

Posto isto, mais não digo...