Luanda - Inspirando-se na recente correspondência que o irmão de Cita Valles fez chegar ao Governo, Nelson do Nascimento, um dos inúmeros orfãos que a brutal repressão do 27 de Maio criou, fez chegar a quem de direito uma reclamação idêntica em memória do seu desaparecido pai.

Fonte: Club-k.net

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NELSON NASCIMENTO
Eng° Informático

Exmo Senhor Presidente da Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação
Em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos

Dr. Francisco Manuel Monteiro de Queiroz

Nelson Maria do Nascimento, natural de Luanda, Angola, casado, Eng° Informático de profissão, residente em Paris, vem expor e requerer a V.Exa. o seguinte:

I- FACTOS

1. O Requerente é o filho primogénito de Joaquim Maria do Nascimento, nascido em Luanda a 4 de fevereiro de 1946; 2. O seu pai, empenhou-se generosamente na fase final da luta de libertação nacional, que culminou na independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, e no subsequente período de Reconstrução Nacional;

 

3. Na sequência dos acontecimentos de 27 de maio de 1977, Joaquim Maria do Nascimento, viria a ser assassinado, sem que lhe fosse dada a mínima oportunidade de defesa, designadamente sem julgamento, com violação dos mais elementares direitos humanos, a exemplo, aliás, do sucedido a cerca de 30 000 vítimas (conforme números da insuspeita Amnistia Internacional, reconhecidos pelo governo angolano);

 

4. À Mãe de Joaquim Maria do Nascimento, que levava mantimentos para o seu filho na prisão, foi a dada altura fria e simplesmente comunicado que não valia a pena continuar a lá ir pois o seu filho já não vivia.

 

5. Ambos os Pais de Joaquim Maria do Nascimento, vieram a falecer desconsolados, sem nunca terem sabido ao certo o que tinha acontecido ao filho primogénito, nem a razão do seu assassinato.

 

6. Por inúmeras vezes, o signatário havia solicitado ao anterior Presidente da República e ao MPLA sobre o paradeiro do mesmo, exigindo justiça, sem que tivesse havido a mínima resposta.

7. Ao signatário foi entregue por alguém, de maneira oficiosa, a fotocópia de uma Certidão de Óbito (sem qualquer autenticação) onde por um lado não figura o local em que o corpo foi enterrado e, por outro lado, foram feitas rasuras, já nos anos 2000, com a menção de que o falecido (supostamente) não tinha deixado quaisquer bens materiais.

II- PLANO DE RECONCILIAÇÃO

 

1. O signatário acompanhou os esforços desenvolvidos pelo atual Presidente da República, João Lourenço, no reconhecimento das violações dos Direitos Humanos, ocorridas na sequência do “27 de maio de 1977”, bem como o papel de V.Exa.

 

2. Considera igualmente positiva a iniciativa de Reconciliação e homenagem das vítimas.
Porém,

3. Reconciliação e perdão pressupõem a admissão de que foram cometidos crimes, a identificação dos seus responsáveis.

4. Reconciliação e perdão implicam a busca da verdade, por mais dolorosa que ela possa ser, sem receios de que os ainda idolatrados fiquem com a ignomínia da repressão mais sangrenta de todo o continente africano.

5. Impõe-se também, como mais elementar direito, a emissão de certidões de óbito (autênticas e legais), a localização e devolução dos restos mortais às famílias, a exemplo, aliás, do sucedido recentemente com Jonas Savimbi.

6. As recomendações da ONU e de outras instâncias internacionais apontam exatamente no caminho ora descrito.

III- O PEDIDO

1. Pelo exposto, requer:

a) A localização , identificação e devolução dos restos mortais de seu pai Joaquim Maria do Nascimento;

b) A identificação dos algozes e dos responsáveis políticos pelos assassinatos ocorridos;

c) O total esclarecimento das circunstâncias que rodearam o acontecimento bem como a reposição da Verdade Histórica.

2. Permite-se referir que confia no deferimento deste pedido, sem necessidade, assim, de recurso a outras instâncias, designadamente internacionais.

Paris, 14 de dezembro de 2019
(Nelson Maria do Nascimento)