Luanda - Foi instrutora no CIR Hoji ya Henda em Caxito. Margarida Paredes é portuguesa e tem a sua história de vida ligada a Angola e ao movimento de libertação nacional.

*Rui Ramos
Fonte: JA

Margarida Paredes nasceu durante o Império Colonial, em Coimbra, "em berço de ouro", diz-nos, na casa da sua avó Joaquina Angélica, "uma aristocrata e latifundiária alentejana".


A casa onde Margarida Paredes nasceu tinha mais de 30 quartos e um batalhão de criados. Eram também servidos por um criado negro de Angola, o senhor Aguiar, que sabia ler e escrever, conduzia automóveis e era "muito respeitado".


Margarida Paredes adorava o senhor Aguiar e pensava que todos os negros "eram muito respeitados como ele".


Foi um choque quando Margarida Paredes chegou a Luanda e percebeu que não era assim e que os negros eram humilhados e maltratados. Não entendia, explica, porque eram tratados por tu, porque não usavam sapatos, porque baixavam a cabeça quando se cruzavam com um branco.


Margarida Paredes diz-nos ser anticolonialista desde criança, quando viu esse mundo "cortado em dois, o mundo branco do privilégio e o mundo negro da inferiorização e exploração colonial".
Num romance que escreveu em 2006, “O Tibete de África” uma das personagens ficcionadas é o senhor Aguiar.


O pai era biólogo e trabalhava no Instituto de Investigação Científica e nos Estudos Gerais Universitários, em Luanda, tendo-se doutorado em Londres em Oceanografia Marítima. A mãe também era licenciada. Ao contrário das histórias de vida de superação pessoal desta coluna, Margarida Paredes tinha uma vida de privilégio, mas na adolescência era rebelde e contestatária porque tinha percebido que os ventos da História sopravam contra Portugal e a guerra colonial era injusta.


Em plena guerra, Margarida Paredes desenhava emblemas da Paz nas fachadas das casas. Em 1971, com 17 anos, fez uma exposição de rua nas arcadas do Banco de Angola e a PIDE deteve-a porque os quadros eram de negros em caixões ou atrás de grades. O poeta Herberto Helder escreveu um artigo na revista "Notícia" e a PIDE soltou-a.


Foi estudar para a Universidade de Lovaina, na Bélgica, onde leu Frantz Fanon e começou a trabalhar em prol dos Movimentos de Libertação com o Angola Comité de Lovaina (delegação do de Amsterdão) e com a Associação dos Estudantes Africanos.


Do Angola Comité para o MPLA foi um pequeno passo e é assim que em 1973 (antes da revolução do 25 de Abril de 1974), com 19 anos, aderiu a este Movimento de Libertação através da Delegação de Dar-es-Salem dirigida por Afonso Van-Dunem Mbinda.


Em 1974 abandonou a Universidade e juntou-se ao MPLA em Brazzaville, sendo a única portuguesa a chegar sem ser casada com um dirigente. Confrontada com as divisões internas no Movimento, Revolta Activa e a Revolta do Leste, ficou ao lado de Agostinho Neto.


No dia 31 de Dezembro de 1974 o MPLA enviou-a para Luanda num pequeno avião juntamente com o Comandante Valódia que ficou a morar na sua casa. Os dois fizeram parte do grupo que montou a Delegação da Vila Alice.


Em Fevereiro de 1975 Valódia morreu no ataque à Delegação de Daniel Chipenda na Av. dos Combatentes. Margarida Paredes foi enviada para o CIR Hoji ya Henda na Fazenda Tentativa em Caxito como instrutora política e fez a instrução militar das FAPLA com o malogrado Destacamento Feminino comandado por Virinha e Nandi. Mais tarde, combateu nas guerras por Luanda e foi feita prisioneira no COL pela tropa portuguesa no ataque à Vila Alice. Escreveu um artigo académico sobre este ataque, disponível online.


No dia 11 de Novembro de 1975 estava na praça onde foi proclamada a Independência de Angola. Margarida diz que teve o privilégio de ver nascer um país. Por causa de ter lutado contra o colonialismo português, diz, os "ultranacionalistas" do seu país ainda hoje a vêem como traidora da pátria portuguesa.


Dois anos após a Independência estava para casar com o comandante Dangereux quando ele foi morto na revolta do 27 de Maio de 1977. Ainda ficou em Angola até 1981 no período das "grandes fomes", a trabalhar na Cultura com o poeta António Jacinto após o que regressou a Portugal.


Margarida Paredes é Investigadora e professora universitária, licenciou-se em Estudos Africanos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e doutorou-se em Antropologia no ISCTE com uma tese sobre as ex-combatentes de todos os Movimentos de Libertação em Angola. Uma das suas grandes mágoas é que o livro que resultou da sua tese e que foi publicado em Portugal, “Combater Duas Vezes, Mulheres na Luta Armada em Angola” não está publicado em Angola. "O editor da Mayamba tem o projecto parado na gaveta há mais de dois anos", diz com tristeza.