Luanda - O procurador-geral de Angola, Hélder Pitta Groz, disse esta segunda-feira que a justiça angolana está determinada a "usar todos os meios" possíveis para trazer de volta a filha do ex-Presidente de Angola. As declarações surgem após a divulgação da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que acusa Isabel dos Santos de desviar fundos nacionais para contas bancárias sob seu controlo.

Fonte: RTP

“Vamos usar todos os meios possíveis e vamos ativar todos os mecanismos internacionais para trazer Isabel dos Santos de volta ao país”, disse o magistrado, em entrevista à Rádio Nacional de Angola, citada pela agência France Presse.

 

Nesse sentido, a justiça angolana solicitou "o apoio internacional de Portugal, Dubai e outros países". Desde que deixou Angola, Isabel dos Santos viveu sobretudo entre Londres e o Dubai.

 

As declarações surgem um dia após a divulgação, no domingo, de uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) que denuncia o envolvimento da filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em esquemas financeiros que estiveram na origem da fortuna da família.

 

Em concreto, o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação – incluindo os portugueses SIC e Expresso – analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.


O que revelou a investigação?

Nesta investigação foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.

 

As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.

 

Revelam também que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera.

 

A investigação revela ainda que grandes empresas internacionais como a PwC e a Boston Consulting Group “ignoraram aparentemente todas as bandeiras vermelhas”, ajudando a filha de José Eduardo dos Santos a esconder propriedade pública.


Em comunicado, a PwC confirmou ter cessado os contratos de serviços a empresas controladas pela angolana Isabel dos Santos. A empresária foi ainda retirada da lista de participantes do Fórum Económico Mundial, na Suíça.

 

Os dados divulgados indicam também que há quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira, administradora não-executiva da Nos e diretora de uma empresa off-shore no Dubai, Mário Leite da Silva, CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido, o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia, administrador financeiro da Sonangol.

 

Em dezembro de 2019, a justiça angolana congelou as contas bancárias e ativos de Isabel dos Santos com base na suspeita de desvio de fundos pela filha do ex-Presidente angolano e o marido, Sindika Dokolo, das empresas angolanas Sonangol e Ediama para a sua fortuna privada.

 

A filha de José Eduardo dos Santos afirma que nunca foi notificada de procedimentos judiciais em Angola, mas o procurador-geral de Angola, Helder Pita Gros, contradiz esta informação.

 

Sem especificar datas, o magistrado revela nesta entrevista à rádio angolana que Isabel dos Santos “recebeu a notificação da acusação num dia e na noite seguinte deixou o país”.

“As razões pelas quais não respondeu às nossas notificações são muito claras”, acrescentou o procurador.


“Ataque político”

Isabel dos Santos negou desde logo as acusações do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), reiterando nas redes sociais que está a ser acusada de “mentiras” e que este é um ataque político com o atual Governo de Angola, liderado por João Lourenço desde 2017, após a saída de José Eduardo dos Santos.

 

"As notícias do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação) baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o 'Governo Angolano' (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?", reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter.

 

Isabel dos Santos afirmou ainda na rede social que a sua “fortuna” nasceu do seu “carácter, inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança”.

 

Já em entrevista à BBC, Isabel dos Santos argumentou que as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito seletiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos".

 

No excerto que foi disponibilizado antes da transmissão da entrevista, que será divulgada da íntegra esta segunda-feira pela televisão britânica, Isabel dos Santos afirma: "Lamento que Angola tenha escolhido este caminho, penso que todos temos muito a perder".

 

"Olhando para o meu histórico, vê o trabalho que fiz e as empresas que construí, são certamente empresas comerciais", afirmou, acrescentando: "Há alguma coisa de errado numa pessoa angolana ter um negócio com uma companhia estatal? Penso que não há nada de errado, tem de perceber que não se pode dizer que por uma pessoa ser filho de alguém é imediatamente culpada, e é por isso que há muito preconceito", afirmou a empresária.