Luanda - O espaço de entrevista, a que denominamos “tudo dito” e que hoje abrimos, é da inteira responsabilidade do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Ministério do Interior que, doravante, vai ouvir diferentes individualidades com intervenção, directa ou indirecta, na matéria de segurança pública.

*Vasco da Gama
Fonte: GCII

Para esta edição 1ª, o nosso convidado é o director nacional do combate ao crime organizado, comissário de investigação, Pedro Lufungula, uma figura que se dedica à investigação há mais de trinta anos, tempo mais do que suficiente para perceber, efectivamente, os meandros do crime, em Angola, daí a escolha.


Aliás, tal decorre do facto de o Ministério do Interior, por via do GCII, estar a levar acabo uma campanha denominada “Escola Segura” que visa, essencialmente, proporcionar aos encarregados de educação, no geral, cuidados a ter para que o ambiente escolar seja mais seguro.


Assim, para o primeiro “Tudo Dito” convidamos alguém que, para este efeito, será tratado por PL (Pedro Lufungula) e o entrevistador GCII (Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa).

O relógio marcava onze da manhã e alguns minutos quando o convidado, saindo de um encontro com a inspetor-geral do MININT, Margarida Jordão, dirigiu-se ao gabinete do director do GCII/MININT, subcomissário - Waldemar José para saber da prontidão da equipa para a esperada entrevista.


Naquela sala, o oficial comissário foi atendido pela Inspector prisional tratada carinhosamente por “tia Joana”, que, como sempre, com a voz melódica como se de um tenor se estivesse a ouvir quando fala, comunicou da presença do convidado, pelo que fomos à sala superiormente preparada.


Arranjos daqui e acolá, microfones cruzados neste e naquele ponto, fatos ajustados aos ângulos dos fotógrafos e “cameraman” estavam preparadas as condições técnicas para o efeito. Daí que só foi avançar, avançar e avançar mais!

#GCII: Pode, senhor director, (com risos nos lábios disse - se não se importa ser tratado assim) resumir o âmbito da actuação da direcção que dirige?
#PL: A Direcção do Combate ao Crime Organizado, entre outras incumbências, tem o objectivo de combater o terrorismo, os crimes contra a segurança do Estado, o contrabando de pessoas do combustível, os crimes eleitorais e aquelas manifestações de associações criminosas, respondeu de forma simples e que deixou, nas entrelinhas, um sério aviso de que rebatimento não seria constante, dada a objectividade com que responde.


#GCII: Como se sente dirigir uma área tão sensível em que, efectivamente, a organização dos criminosos é o dia-a-dia do vosso trabalho?
#PL: Sinto-me bem, porque continuamos a cumprir com os objectivos e pilares traçados pelo senhor Ministro, que tem que ver com o combate ao crime violento, tráfico de drogas, essencialmente, de grande envergadura, não deixar de prestar atenção nos crimes que preocupam e, acima de tudo, combater o crime organizado.


#GCII: Quando se fala do combate aos crimes organizados, como disse e muito bem, uma das questões que não se calam tem que ver com o tráfico de seres humanos. Como estamos, nesta matéria em concreto, caro director?
“PL: De olhos fixos ao entrevistador e com uma postura de arejar respondeu, sem rodeios e com recurso a metalinguismo. Ou seja, explicando a língua com a própria língua: - Este é um crime que ocorre ao redor do mundo. São homens, mulheres e jovens que saem dos seus países, com o objectivo de verem as suas vidas melhoradas mas, que no final, infelizmente, encontram desilusão e muito sofrimento.

No entanto, a Organização Internacional do Trabalho estima que estejam traficadas, neste momento 2,4 milhões de pessoas. Portanto, é um negócio que promove grande margem de lucro e esta mesma organização estima que este negócio movimenta 32 bilhões de dólares, ficando apenas atrás de tráfico de drogas e de armas, referiu o dirigente numa tonalidade de alguém apreensivo pelos dados que, muito bem, domina.


#GCII: Há casos registados, no país, de pessoas que tenham sido traficadas, no âmbito deste negócio, como o senhor chama?

#PL: Sem mais nem menos palavras, o nosso entrevistado respondeu: Sim. O SIC, em coordenação com a Polícia Nacional e o Serviço de Migração e Estrangeiros têm casos registados e que já levaram às barras dos tribunais. No nosso país este fenómeno é caracterizado, essencialmente, nas zonas fronteiriças, particularmente na fronteira da Namíbia.

Nesta fronteira, os angolanos são traficados para trabalhar nas lavras dos namibianos, sitas naquele território vizinho. Já na RDC, os seus concidadãos, portadores de documentos falsos, procuram traficar crianças, que recrutam em Luanda e tentam passar, basicamente, na fronteira do Luvu. Neste sentido, tem havido concertação das forças do MININT em que a nossa actuação tem surtido efeito positivo.

#GCII: Nesta matéria, em concreto, há sempre uma correlação entre o tráfico de seres humanos e de órgãos humanos. Pode nos falar um pouco sobre essa relação?

#PL: O tráfico de seres humanos é, por si só, o recrutamento de terceiro pela força, fraude ou coerção, com objectivo de exploração. No entanto, essa exploração pode ser: exploração sexual, trabalho de escravo, para a venda de órgãos humanos ou para a adopção ilegal de crianças.


Falando concretamente do tráfico de órgãos humanos, o SIC, órgão do MININT encarregue de controlar esse tipo de criminalidade ainda não registou, em Angola, nenhum caso dessa natureza.


#GCII: De forma geral e nos países em que isto ocorre, o tráfico de órgãos humanos ocorre com as pessoas vivas ou depois de mortas. Como se estrai um rim, coração, por exemplo, para doar a alguém que esteja a precisar?

#PL: Bem, sabe que há uma Lei que foi aprovada no nosso país e tenho conhecimento que não existe nenhuma Lei em vigor, até agora, para além dessa que foi aprovada, que permita a extração de órgãos humanos e nem existe ainda órgão especializado para tal. Portanto, é prematuro falar de uma tipicidade criminal cujos efeitos ainda não são registados no país.


Claro que temos conhecimento que isto ocorre em países que têm legislação, porque para que exista extração de órgãos humanos, há um conjunto de condições, meios que têm que estar preparados. Quando tivermos essas condições isto poderá ocorrer mas, por enquanto não temos nada registado.


#GCII: A vida é feita, às vezes, de futurologia mas, se uma vez o País registar casos do género a direcção que o senhor dirige tem condições humanas e materiais para dar cobro ao problema?
#PL: O MININT com todas as forças tem quadros para isso. Claro que há que atender, sempre, a questão de especialização. Se tivermos isso, certamente que vamos actuar com o que temos e que serve, perfeitamente.


#GCII: Os traficados, normalmente, podem sair de casa com o conhecimento dos familiares e, às vezes, sem o conhecimento destes. Há muitos casos de desaparecidos e que chegam ao seu conhecimento, enquanto responsável desta área?

#PL: (risos de olhos virados para um resumários que tinha por cima da mesa). Eu disse, inicialmente, que nós temos um “task force” que funciona junto do aeroporto 4 de fevereiro, para impedir que crianças angolanas possam sair de Angola para a europa e, como sabe, a porta de saída é ali.

Detivemos já algumas pessoas que tentaram levar crianças angolas para a Turquia, Portugal, França, por exemplo. Aliás, esta é a via que os traficantes usam. Vão a Portugal com crianças, peçam lá asilo, alegando questões políticas mas, que, na verdade, o objectivo deles é o tráfico de crianças.


Então, as nossas forças em combinação com a Interpol têm estado a trabalhar com o Serviço de Migração de Portugal, daí que encontramos as quatro crianças angolanas que tinham saído do lar cuzola para a RDC e tudo fizemos para o regresso das mesmas.

Foi assim com as que foram em frança. Neste momento, temos estado a fazer tudo para controlar o potencial delituoso das pessoas que traficam crianças, para prevenir as suas acções, disse o dirigente.


#GCII: Quando questionamos os desaparecidos, referíamo-nos aos desaparecidos internos. Ou seja, quem assiste as nossas tv, mormente a Zimbo e TPA, vê, nalguns espaços, que há uma multidão de gente que vai procurar um familiar desparecido. Assiste a estes espaços? Se sim, o que tem a dizer?

#PL: Com sorriso nos lábios, disse: - nós temos estado a acompanhar essa situação. Tanto é que colocamos, nestas duas tv, os nossos pontos focais para que aquelas pessoas que vão lá possam se dirigir às esquadras, piquetes porque são estes que vão saber se se trata de desaparecimento ou não.

Recolhemos esses dados, analisamo-los, e damos o devido tratamento. É uma orientação estratégica para acompanhar estes casos e isso tem sido feito porque é uma fonte de informações a processar, referiu


#GCII: Considerando estes números, estas pessoas, precisamente, esquecem participar à polícia. Se estivesse diante destas pessoas o que diria a eles? Que conselho daria, ir à TPA ou esquadra?
#PL: O primeiro passo diante disso é ir ao piquete para que estes órgãos que têm especialistas possam desencadear esforços para a descoberta da verdade. Não estamos a dizer que não precisam ir à tv mas, é preciso não esquecer o piquete.

 

#GCII: Há casos de desaparecidos que tenham chegado ao vosso conhecimento e que com a vossa intervenção voltaram ao convívio familiar?
#PL: Toda a participação dá abertura de um processo e nós temos muitas pessoas que em função dessa intervenção voltaram ao convívio familiar.


#GCII: envolve crianças?
#PL: Sim. Adultos também… (risos)


#GCI: Qual é a população que vos preocupa nesta matéria de desaparecidos? Qual é a população vulnerável?
#PL: São mais as crianças. Porque os meliantes a mensagem que passam aos jovens é que devem ir a Europa para melhorar a vida e ingressar as melhores escolas. As meninas são explorados sexualmente.


#GCII: Há números? Mesmo que sejam desaparecidos internos?
#PL: eu tenho uma estatística que posso partilhar convosco. Só para dizer que de Janeiro de 2017 a Novembro de 2019 foram registados 89 crimes de tráfico de seres humanos que resultaram na detenção de 85 indivíduos, dos quais, 55 nacionais e 30 estrangeiros, destacando 6 da RDC, 4 namibianos, 2 da Guiné Conacry, tendo resgatadas, 217 vitimas, dentre 35 mulheres, 125 menores, algumas das quais fruto da cooperação entre o SIC, outras polícias e departamentos ministeriais.

#GCII: Há casos próximos ao esclarecimento? Ou todos estão esclarecidos?
#PL: Todos são quase esclarecidos. Escapa um ou outro caso, mas são todos esclarecidos.


#GCII: Há registo de desaparecimento de crianças em recintos escolares?
#PL: Não. Aliás, a Polícia Nacional aqui é fundamental porque tem uma brigada especializada na matéria e que muito tem feito para que tenhamos o actual quadro situacional.


#GCII: A Mídea divulga muitos casos de desaparecimento de crianças nas maternidade. Como é que o senhor comissário olha para estas matérias?
#PL: Nós não temos registo sobre isso. É a tal história que falamos. Quando isso ocorre a informação, a participação é essencial porque ouvir dizer sem participação é difícil realmente fazer juízo de valor sobre a situação.


#GCII: A população precisa de estar educada nesta matéria em concreto? Porque ouvimos nas rádios, TV, nos jornais e afinal não chega às autoridades. Falta campanha de sensibilização?
#PL: Acho que sim porque tudo que envolve desaparecimento, rapto, sequestro, sem alguma informação precisa os familiares a primeira coisa que devem fazer é procurar as autoridades do ministério que somos nós e a polícia nacional que desencadeiam acções para dar respostas. É a função destes serviços. Responder isso e esclarecer.


#GCII: o ano lectivo arranca já no dia 5 de fevereiro, embora não hajam registos de desaparecimento em recinto escolar se tivesse que se dirigir aos encarregados o que diria?
#PL: Julgo que todo o pai que manda criança à escola espera que esta volte. É uma missão de Estado assegurar que as pessoas circulem à vontade. E isso está garantido. Se os pais perceberem que a criança não voltou devem procurar saber com quem mais anda e contactar as autoridades porque estamos aqui para garantir a segurança.


#GCII: Voltando ao tráfico de seres humanos, há alguns conselhos que o SIC pode dar aos cidadãos para que ainda no ambiente familiar se possam evitar estes casos antes de chegar ao ambiente escolar?
#PL: Aquilo que existe é realmente tráfico que envolve crianças. Sabemos que há pessoas que procuram vir aqui para trabalhar como explorados. Ocorreu com chineses que trouxeram prostitutas, vietnamitas também fizeram isso com prostituição e as forças do MININT desmantelaram isso.


#GCII: Internamente não há casos de pessoas do sexo feminino que se deslocam de uma província para outra em forma de tráfico de seres humanos?
#PL: Fala-se muito que existem mas, são dados que temos estado a trabalhar e o tempo dirá.


#GCII: Sente-se feliz lidar com esse tipo de casos, a olhar pela dimensão do problema?
#PL: Sim. É preciso ter gosto pelo que se faz. Com 50 anos, 30 dos quais ao serviço do SIC é preciso gostar.


#GCII: Obrigado por ter vindo, senhor comissário e esperamos por si nas próximas oportunidades.
#PL: Obrigado e sempre estamos disponíveis para o que der. Trabalhar por Angola, noite, dia, faça sol ou chuva é a nossa missão. Mais uma vez obrigado pela iniciativa do CGII/MININT.