Dacar - Um garçom, reagindo aos mosquitos que atacavam um freguês em uma noite de muito calor aqui, disse agressivamente: "Não são mosquitos; são franceses!". A 3.200km dali, em outra capital africana costeira, Libreville, no Gabão, uma multidão gritava: "Estamos fartos dos franceses! Vamos expulsá-los! Vamos matá-los!", depois de saber, neste outono, que a autocracia que domina seu país continuaria no poder.


* Adam Nossiter
Tradução: Gabriela d'Avila
Fonte: The New York Times

Na África, "oposição ao poder significa também oposição à França"

Não é um bom momento para ser francês na África francófona, a não ser que você seja uma autoridades vinda de Paris em visita particular ao palácio de um poderoso político. À medida que a democracia entra disfarçadamente em países da região, a França muitas vezes tomar o partido, novamente, dos antigos e futuros autocratas.


Como nos tempos coloniais O presidente francês Nicolas Sarkozy (na foto, diante do parlamento congolês, em março de 2009), prometeu promover uma mudança nas relações com a África há três anos. Em vez disso, o país parece estar retornando a um padrão histórico, aceitando ditadores do passado em nome de interesses como a uma mina de urânio no Níger, petróleo do Gabão ou um porto de águas profundas em Camarões.


Durante todo o verão, enquanto figuras oposicionistas africanas protestavam e fugiam, os homens do poder visitavam tranquilamente Paris, ou recebiam visitas de autoridades francesas em seus países.


Nicolas Sarkozy, presidente da França, prometeu promover uma mudança nas relações com a África há três anos. Em vez disso, o país parece estar retornando a um padrão histórico, aceitando ditadores do passado em nome de interesses como a uma mina de urânio no Níger, petróleo do Gabão ou um porto de águas profundas em Camarões.


Nas ruas da região, onde o povo tem pedido democracia, esse apoio aos que estão no poder por parte do antigo governo colonial tem causado ataques a instalações francesas, apedrejamentos de cidadãos franceses e advertências para que os franceses permaneçam no interior de suas casas ou deixem a África.


Durante décadas, a França possuiu um papel preponderante na criação e derrubada de governos e economias nesta parte do mundo. Embora a percepção atualmente supere o a atual realidade, a França ainda é um dos principais parceiros comerciais dos países da região.


Em 2007, três bancos franceses respondiam por quase 70% do setor bancário na zona africana do franco, segundo Philippe Hugon, importante cientista político francês. O próprio governo da França afirma que 60% da sua assistência externa vai para a África subsaariana.


Os manifestantes anti-governistas acreditam que a França ainda dá as ordens. Embora as autoridades francesas neguem, suas ações muitas vezes sugerem o contrário. No Gabão, onde a eleição do filho de um autocrata acabou com as esperanças do fim do reinado de 40 anos da família Bongo, o homem de confiança de Sarkozy na África, Alain Joyandet, participou da pomposa cerimônia de posse de Ali Bongo, dizendo aos jornalistas que "é preciso dar tempo a Bongo".


Publicamente, a França afirmou não ter favoritos na eleição gabonense. No entanto, nos bastidores, Robert Bourgi, advogado parisiense com acesso documentado à comitiva de Sarkozy, apoiou abertamente a candidatura de Bongo, que é seu cliente. Sarkozy chegou até a conceder a Bourgi uma das mais altas condecorações da França: a Legião da Honra.


Na África, "oposição ao poder significa também oposição à França", explicou Mamadou Diouf, diretor do Instituto de Estudos Africanos da Columbia University. "Estamos em um paradoxo: a defensora dos direitos do ser humano pratica uma política absolutamente contrária aos seus princípios", afirmou Diouf em relação às políticas da França na África.


Joyandet, o secretário de estado para a cooperação, discordou veementemente. "Isso não está correto. Não apoiamos o poder existente a qualquer custo, de forma alguma", disse ele. "Em todos os lugares, pedimos um retorno à democracia".


Joyandet apontou a Costa do Marfim, onde a França tem pressionado pela realização de eleições há muito adiadas. "A França apoia instituições, e não candidatos", disse ele. Joyandet insistiu que a França "superou as práticas do passado que não são mais atuais".


Quando Sarkozy prometeu "uma nova relação" com a África, três anos atrás, ele disse que esse relacionamento seria "equilibrado e sem das cicatrizes do passado". Seu primeiro secretário da cooperação, Jean-Marie Bockel, mais tarde reforçou essa mensagem, afirmando desejar "assinar a sentença de morte" da velha relação entre a França e a África, que ele chamou de "ambígua" e "complacente".


No entanto, Bockel logo deixou o cargo após ofender o pai de Bongo com suas declarações anticorrupção. Seu substituto, Joyandet, tem sido cauteloso em moderar o seu tom ao falar dos autocratas africanos.


Em outubro, Mohamed Ould Abdel Aziz, o general que orquestrou um golpe na Mauritânia e consolidou seu poder com uma eleição no último verão, foi cordialmente recebido em Paris e amplamente fotografado ao lado de um sorridente Sarkozy.


No Níger, o presidente Mamadou Tandja tem desrespeitado metodicamente as liberdades civis, prendendo figuras da oposição e prolongado sua permanência no poder além do mandato eleitoral. Sua fotografia ao lado de Sarkozy está no site do Ministério das Relações Exteriores da França, e um porta-voz do governo em Paris afirmou, há duas semanas, que "contatos de alto nível estavam sendo mantidos com a classe política do Níger" -- embora tenha acrescentado, "especialmente" com a oposição.


"A França foi muito mais prudente em relação a Tandja do que outras democracias", afirmou Mohamed Bazoum, líder oposicionista do Níger. "Eles tentaram dissuadi-lo, mas não com a firmeza necessária".


Respaldo francês Ali Bongo (centro) cumprimenta partidários, em Libreville, ao vencer a disputa presidencial, em setembro deste ano. No Gabão, onde a eleição do filho de um autocrata acabou com as esperanças do fim do reinado de 40 anos da família Bongo, o homem de confiança de Sarkozy na África, Alain Joyandet, participou da cerimônia de posse de Ali Bongo, dizendo aos jornalistas que "é preciso dar tempo a Bongo"


Até mesmo os líderes da junta militar da Guiné, que são párias internacionais desde o massacre de manifestantes desarmados em 28 de setembro, foram cordialmente recebidos em Paris menos de duas semanas antes dos assassinatos, em um momento em que as autoridades dos Estados Unidos evitavam fazer qualquer contato do gênero. Segundo a imprensa francesa, Patrick Balkany, um indivíduo próximo a Sarkozy, teria dito na época que "a candidatura de Moussa Dadis Camara não é nenhum problema", referindo-se ao líder da junta que atualmente é responsabilizado pela autorização dos assassinatos.


Em julho, Sarkozy recebeu cordialmente o presidente de Camarões, Paul Biya, no poder desde 1982, que aboliu os limites para mandatos presidenciais no ano passado. Sarkozy elogiou o país de Biya como sendo "um polo de moderação".


Recentemente a Anistia Internacional denunciou os persistentes abusos contra os direitos humanos por parte de autoridades de Camarões, incluindo tortura, execuções extrajudiciais, espancamentos e a prisão de oponentes políticos. Manifestantes camaroneses em Paris levantavam cartazes com os dizeres: "Biya, assassino. Sarkozy, cúmplice".


Joyandet afirmou: "Para nós, a relação com a África francófona é especialmente difícil".


"Quando fazemos muito, dizem que somos colonialistas", continuou ele. "Quando não fazemos o suficiente, ouvimos reclamações".


Autoridades francesas têm desencorajado a análise intensa da corrupção praticada por líderes africanos, cujos resultados frequentemente vão parar em Paris. Uma campanha de uma organização francesa para expor e recuperar "os ganhos ilícitos" de três dos mais notórios líderes africanos - o já falecido Omar Bongo, do Gabão; Denis Sassou-Nguesso, da República do Congo; e Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial - tem sido alvo de ataques por parte da procuradoria da República Francesa, sob a alegação de que o grupo não tem condições legais para processar ninguém, e que os fatos estão "mal definidos".


Na verdade, a organização, a Transparência Internacional, expôs detalhadamente o caráter extremamente luxuoso dos imóveis que esses líderes possuem em Paris. Recentemente, um tribunal de apelações em Paris concordou com os promotores.


Os relatos sobre o luxo envolvendo a visita de Biya a Paris "chocaram enormemente o povo", disse Jean Faustin Kinyock, presidente da Liga Nacional de Direitos Humanos em Camarões, e os franceses foram vistos como cúmplices.


Analistas afirmaram que esse sentimento é generalizado. "As pessoas não gostam da França porque esse país não está ajudando os africanos a escolher livremente seus líderes", afirmou Achille Mbembe, cientista político e historiador da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul. "E o processo democrático está bloqueado, praticamente em todos os lugares".