Lisboa - O presidente da UNITA, o maior partido da oposição angolana, defendeu hoje um novo modelo jurídico-legal para o Estado recuperar o que foi "roubado" de Angola, porque caso contrário, da atual governação, "vai toda a gente para a cadeia".

Fonte: Lusa

Em entrevista à agência Lusa, na cidade da Praia, Adalberto da Costa Júnior, eleito presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) em novembro de 2019, à margem da convenção do Movimento para a Democracia (MpD), partido no poder em Cabo Verde, criticou a forma como o combate à corrupção está a ser conduzida pelo Governo do Presidente João Lourenço (MPLA).

 

"O modelo é de proteger estes senhores [MPLA] e por isso a nossa voz é uma voz de muita moderação, diria uma voz de muita maturidade, que é aquela que diz que se hoje nós aplicarmos a lei vai toda a gente para a cadeia, que está na governação, porque todos roubaram. Isto é triste dizer, mas é verdade", afirmou Adalberto da Costa Júnior.

 

O líder da UNITA defende que, suportado na legislação sobre o repatriamento coercivo de capitais retirados do país de forma ilícita, o Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) está num processo de "perseguição" e de "justiça dirigida" aos seus próprios anteriores dirigentes.

 

"Metamos o pé no chão, olhemos para o país e encontremos uma saída legal, uma saída justa, uma saída corajosa, que leve eventualmente à necessidade de aprovar um novo modelo jurídico-legal, que partilhe com o Estado uma parte daquilo que foi desviado e potencie as reservas estratégicas de Angola de maneira tal que nós não precisamos do Fundo Monetário Internacional para nada", afirmou ainda.

 

Insiste que dentro do MPLA, no poder desde 1975, "todos tiraram os seus benefícios, todos desviaram, e de que forma, do Estado", mas hoje "há um movimento de não retornarem ao Estado pelo menos uma parte daquilo que roubaram", e rejeitando que o problema da corrupção em Angola seja apenas da responsabilidade de José Eduardo dos Santos, Presidente até 2017.

 

O Tribunal Provincial de Luanda determinou o arresto de contas bancárias e participações sociais de Isabel dos Santos em empresas onde é acionista, como a Zap, Unitel, Cimentangola, Contidis e os bancos BIC e BFA, uma decisão tornada pública em 30 de dezembro e que abrange também o seu marido, Sindika Dokolo, e Mário Leite Silva, administrador da empresária angolana em várias sociedades.

 

"Eu sei que há dezenas e centenas de angolanos, bilionários, com medo de regressar a Angola. Com muito dinheiro aí em paraísos fiscais, que se Angola lhes der o sinal de que se pode sentar com eles e encontrar uma medida de equilíbrio pode de facto tirar-se daí investimento industrial que nós não temos", acrescentou.

 

Para Adalberto da Costa Júnior, que afirma ver em Cabo Verde o cenário contrário, Angola vive hoje um drama: "Nós temos um partido que tomou o poder, não abraçou a democracia plural, controla a Comissão Nacional Eleitoral. Este é o maior problema que um partido político pode ter, porque todos nós, partidos políticos, membros de partidos políticos, temos um objetivo, naturalmente. Ver os nossos partidos escolhidos maioritariamente para poder governar os países".

 

Na cidade da Praia para participar na convenção nacional do MpD, partido no poder desde 2016 e parceiro da UNITA na Internacional Democrática do Centro, Adalberto da Costa Júnior defende que a governação cabo-verdiana, independentemente dos partidos, é um "modelo a ser seguido" em África.

 

"Cabo Verde tem algo de extraordinário para nós todos. É uma referência de boa governação, é uma referência de Governo com transparência, um Governo responsável e, acima de tudo, independentemente de estar governado por uns ou por outros, nenhum dos partidos tomou o poder como algo pessoal, como algo institucionalmente limitado à abertura democrática", apontou, embora elogiando as relações com o MpD, que descreve como "partido amigo" da UNITA.

 

No outro extremo aponta, uma vez mais, a realidade angolana, que para UNITA é condicionada pelo controlo exercido pelo MPLA, e apesar do "momento muito positivo" e "com condições para fazer história" que afirma estar a viver o partido do `galo negro`.

 

"Mas, com este sistema eleitoral, com aquilo que nós acompanhámos no mês de fevereiro, a imposição de um presidente da Comissão Nacional Eleitoral, sem perfil, um homem envolvido em processos na PGR [Procuradoria-Geral da República], um homem com vícios de procedimento no concurso que o elegeu, enfim", frisou.

 

E avançou com "uma perceção" que muito o preocupa: "Ver o Presidente da República, ver a Assembleia Nacional dar posse da ilegalidade para gerir as eleições é um indicador de que nós, em Angola, estamos a andar para trás e em vez de consolidarmos democracia, transparência, boa governação, desenvolvimento, confiança, participação inclusiva, nós estamos a fazer exatamente o movimento contrário".

 

Vai mais longe nas críticas para voltar a apontar as consequências de não fazer uma revisão da Constituição, tendo em conta que a atual, aprovada em 2010, durante a presidência de José Eduardo dos Santos, torna o Presidente de Angola num "homem quase acima da lei".

 

"O normal seria pensar: Bom, o senhor Presidente da República, que tem um novo discurso, que tem esta teórica abertura, então não está agarrado ao `casaco do Dos Santos`, está aberto às reformas, e portanto está capaz de oferecer um período de esperança, que depois consolide a construção de uma nação de todos. Não é isso. O João Lourenço está muito feliz com o `casaco do Dos Santos`. Vestiu aquele casaco de plenos poderes e não quer revisão e, portanto, é este o nosso desafio, não é fácil", acusou o líder da UNITA.

 

A partir de Cabo Verde, o líder da UNITA vê uma Angola em que "não há sinais de recuperação da crise", com uma moeda, o kwanza, que "não tem valor rigorosamente nenhum", apesar de ser um "país extraordinário".

 

"Tem todas as condições para virar a página. Precisa de bom Governo, que dê exemplo de poupança, comprometido com reformas corajosas. Porque nós, hoje, não podemos resolver os problemas de Angola se não fizermos reformas profundas", rematou.