Luanda - Assinalou-se ontem, 15 de Março, o Dia mundial do Consumidor. A passagem da efeméride foi pano de fundo para uma conversa aberta com o actual director do Instituto Angolano de Defesa do Consumidor, INADEC, Diógenes de Oliveira. Dentre várias questões, abordamos o estado actual da defesa dos direitos do consumidor, o ressarcimento dos dados em decorrência de violação de direitos e os inúmeros casos que continuam a registar-se na relação fornecedor-consumidor em Angola.


Fonte: Opais

Senhor director, como anda, hoje, a relação consumidor e fornecedores em termos de observância dos direitos, deveres e obrigações à luz do que estabelece a Constituição e restantes leis do país?

Devo dizer que já esteve pior. No passado era vista apenas e simplesmente como o consumo de bebidas e comida. Hoje, está a caminhar para um desenvolvimento assinalável. E digo isso porquê? Porque o consumidor já é mais exigente, já reclama mais e está mais atento, já não é apenas o residente de Luanda, mas já também o cidadão do Cuvelai, do Cunene do Moxico, de Benguela, em suma, também já é aquele que vive no resto do país. Hoje, a relação de consumo deslocou-se do conceito restrito a “bebida e comida” para abarcar também a prestação de serviços relacionados com os transportes, a saúde, a educação, a roupa, em suma, todos os bens e serviços. 

Hoje tem-se um conhecimento do que e a relação de consumo. Anteriormente, até pela denominação, delimitava-se a abrangência conceito. Antes a denominação era “Cliente vs. Comerciante”. Hoje a relação é entre: Consumidores e fornecedores de um bem ou de um serviço. Claro que ainda temos muito por fazer, mas as mudanças são significativas.


Entretanto, o que dizer, por exemplo, de serviços prestados directamente pelo próprio Estado na área de fornecimento de electricidade e água de que se ouve queixas de sobra? Será o próprio Estado um dos piores prestadores de serviços?

Por força da lei, pressupõe-se que o Estado é uma pessoa de bem. Sendo uma pessoa de bem, vela pelos interesses do seu povo, dos seus cidadãos. 

O INADEC, por força do Artigo 78º da Constituição da República de Angola e de outras disposições legais, considera todas as pessoas Iguais perante a lei. Remetendo este conceito ao postulado na lei 15/03, de 22 de Julho, o INADEC, quando encontra qualquer irregularidade, ilicitude ou falta de cumprimento dos direitos do consumidor tem o dever de agir em conformidade com a Lei e é o que temos feito.

Nós já interviemos, por exemplo, diante do INACOM para reclamar do envio abusivo de SMS em massa por parte das operadoras de telefonia móvel, violando o direito de privacidade dos seus dados e como consequência acaba de ser emitido há cerca de 15 dias, um instrutivo proibindo as operadores de assim procederem. Já intercedemos pelos consumidores diante da TAAG, que é uma empresa pública. E o fazemos muitas vezes com as empresas de fornecimento de água e energia. O INADEC não tem contemplações.


Já que mencionou o INACOM, ocorre agora uma situação que se presume configurar violação de direitos fundamentais. Trata-se do fornecimento do serviço público de televisão, um produto pago por todos via recursos do OGE mas, que voltamos a pagar via subscrição de pacotes das operadores. O prometido “pacote social” no acordo entre 

o Executivo e as operadoras continua a depender de pagamento. 


O que diz o INADEC?

Temos conhecimento. Apesar de estar a falar na condição de director do INADEC, sou acima de tudo também um consumidor. Numa reunião ocorrida há 30 dias constou-nos estar já sanado este diferendo. Agora, de forma assertiva não posso precisar se está efectivamente salvaguardado este direito ou não. 

Posso assegurar que na última reunião com o Conselho de Direcção do INACOM, nós, INADEC, tocamos nesta e noutras questões tuteladas por aquele instituto público, nomeadamente os aspectos em que estão sobrepostos os direitos dos consumidores. Lhe posso mencionar, por exemplo, que outras das questões abordadas têm a ver com a qualidade do sinal de TV que nos é fornecido via satélite. Veja que basta algum mau tempo ou ventos acima da média para ficarmos sem o sinal. Quem deve ressarcir quem? 

Abordamos a questão das reclamações quando a duração dos UTT nas  operadoras…Enfim, temos um memorando assinado com o INACOM onde estes e outros assuntos estão registados e temos estado a andar atrás das respostas e soluções.

 

Insisto no caso do sinal da televisão pública. As operadoras prometeram uma solução que na prática e tirando o floreado todo continua, na verdade, a condicionar o acesso à TPA a um prévio pagamento. Não era esta a expectativa do consumidor.

Confesso que não consigo abordar esta questão com precisão e nem alongar-me sobre ela, sob pena de cometer erros. Sei que discutimos este assunto há 30 dias atrás e chegamos a um acordo que me pareceu bom para a salvaguarda dos direitos do consumidor, afastando a sua violação. Claramente que ninguém devia pagar duas vezes o mesmo serviço. É uma violação.

 

Olhemos então para outros dois serviços problemáticos: a água e electricidade, também ambos assegurados directamente pelo próprio Estado. Neste capitulo temos muitas situações resolvidas.


Vou ser mais preciso. Quando é que o INADEC vai liderar um processo contra a ENDE, por exemplo, exigindo a reparação de danos provocados por brusca subida de tensão que queime electrodomesticos de um consumidor?

O INADEC só há de chegar a este patamar quando todos e cada um de nós fizer a sua parte. De que forma? Muitas das vezes, o cidadão até tem razão naquilo que reclama, mas ele perdeu a crença nas instituições do Estado e não leva a reclamação a instituição devida. O direito nos impõe um princípio: quem reclama deve provar. 

Para intentarmos uma acção junto a um tribunal temos de fazer fé naquilo que estamos a reclamar e o cidadão precisa voltar a acreditar nas instituições. 

Sente o sei direito violado, sabe que seu direito foi violado, deve ter crença e fazê-los valer até as últimas consequências. Nós, INADEC, não nos importamos de ir até aos confins da terra em busca da reparação de um direito violado.

Voltando à sua pergunta em concreto, com a EPAL temos tido muitas situações em que os consumidores reclamam de consumos não efectuados, desde que a parte reclamante junte comprovativos de ausência, por exemplo, por mais de 60 dias, da casa, mas, entretanto, tem a factura de consumo igual aos períodos em que habita na mesma, ali levamos a EPAL a pôr a mão na consciência e cair na real. Muitas vezes esta empresa pública reconhece a violação e imediatamente repõe a legalidade. Isso já aconteceu também com a ENDE em situações em que clientes são taxados por estimativa.


Está a sugerir o quê ao consumidor? Fazer petições ao INADEC? Recolher provas da violação dos direitos?

Nem sempre é possível reunir provas, mas se o consumidor assim proceder, melhor. O que estamos apregoar aqui é a ampliação e continuação do processo educativo em curso. Ao fim de tudo, todos somos consumidores. Na verdade, somos mais de 28 milhões de consumidores e o inverso não é possível. Não existem 28 milhões de fornecedores. Portanto, somos a maioria e se conseguirmos educar estes 28 milhões de consumidores para que estejam conscientes dos seus direitos, então reduzimos a margem de violação de direitos nesta esfera, porque até o prestador de serviços terá consciência de que não deve violar direitos de consumidores por ele próprio fazer parte deste grupo. 

Este é o trabalho que temos estado a fazer e vamos continuar. Não apenas em Luanda, mas em todo o país, não só em Língua Portuguesa, mas nas restantes Línguas Nacionais e estrangeiras. Temos feito isso em Luanda e nas restantes províncias, com muito sucesso.


Está a dizer que prioriza a educação em detrimento da sanção?

Sem dúvidas, apesar da exiguidade de recursos humanos, materiais e financeiros. A educação garante melhores resultados que qualquer outra acção sancionatória que o Estado possa levar à cabo no combate à violação dos direitos do consumidor. Se eu educar o próximo convenientemente, muitas das vezes nem será necessário sancioná-lo, porque será ele próprio a agir como fiscalizador. 

Estamos a fazer este trabalho de várias formas em todo o país, com recurso aos media. Renovamos a nossa equipa, fazendo com que ela deixasse de ser uma administração envelhecida e estamos a conseguir alguns resultados.

Parece que somos pouco, mas se olharmos para o total de angolanos, temos mão-de-obra suficiente para fiscalizar o mercado de consumo. Para tal, basta educar o consumidor. O INADEC seria o recurso de última rácio, nunca a primeira e nem a segunda ou a terceira.

Educando, cada cidadão havia de fiscalizar o que consome, lembrando sempre que o consumo é toda a relação que a meio tem uma remuneração, seja para aquisição de um bem ou de um serviço.


A briga pelos direitos dos consumidores acabou por custar ao INADEC uns azedos de boca neste início de ano. Por exemplo com a ANEP (Associação Nacional do 

 

Ensino Privado). A não subida livre ao ritmo do mercado das propinas e outros emolumentos no ensino privado foi uma batalha ganha?

Não diria tanto, mas a celeridade com que o Ministério das Finanças (MINFIN) agiu fixando balizas quanto aos termos e formas em que se devia ajustar os pagamentos nas instituições do ensino privado foi, sim, uma conquista do INADEC, que providenciou e agiu em defesa dos consumidores, levando a instâncias de justiça certas instituições prevaricadoras. Tomamos a peito a situação e dissemos que desta vez seria diferente. O caso da ANEP foi o que mais sobressaiu porque até pareceu incentivar a desobediência, mesmo sabendo que tal decisão dependia de um pronunciamento do MINFIN, e foi boa a baliza, a contento de todos.

Até hoje não temos conhecimento de violações a este princípio estabelecido. Qualquer coisa em contrário, solicitamos que nos façam chegar as irregularidades e agiremos em conformidade, avisando desde já que não teremos contemplações em sancionar e responsabilizar civil e criminalmente as instituições.


“Não aceitamos devolução” é um cancro dos nossos estabelecimentos comerciais. Algumas superfícies retiraram o papel/aviso, mas na prática continuam a observar esta regra ilegal. O que o INADEC diz?

Existe de forma tímida. O que devemos fazer é o que já disse atrás: educador o consumidor. Sugiro até a inserção de cadeiras curriculares no ensino porque só assim vamos combater estas ilicitudes. Devolver um artigo com defeito não é um direito discricionário. É de lei. A devolução, troca, reparação, ou seja, o que for nesta relação está regulado por lei. Não depende do fornecedor. Mas, as pessoas devem conhecer estes direitos e exigi-los, apenas isso. A lei estabelece que um bem cujo tempo de vida estimado é de 2 anos a garantia deve ser de metade do tempo. O bem estimado para 4 anos deve ter garantia de pelo menos 2 anos. Não é o comerciante que escreve na sua factura o prazo. É a lei que estabelece o prazo. O cidadão tem de saber isso e começar a exigir.


O sector informal é o nosso maior abastecedor de bens e serviços e nele nada é garantido. O INADEC alguma vez pensou nesta questão?

Vou dar a minha opinião pessoal e que não vincula o INADEC. Para mim, tudo isso passa por arrumarmos a casa. Mais uma vez formar o consumidor e ensiná-lo a saber escolher o que consumir para seu próprio bem e da sua família. Arrumar a casa passa também pela diversificação da economia e intensificação da produção e distribuição de  bens e serviços ‘made in Angola’. Quando conseguirmos levar o consumidor a escolher entre o importado e o nacional. O congelado e o fresco vendido na hora. Quando ele começar a procurar produtos e marcas cuja identidade conhece e confia, por si mesmo, o mercado da venda de "gato por lebre” vai diminuir e extinguir-se.

Precisamos diversificar a produção nacional e inculcar na mente do consumidor que deve haver uma relação de confiança entre ele e o fornecedor. Que não se deve consumir produtos de origem duvidosa para evitar as consequências para a saúde que podem não ser a curto mas a médio e longo prazo. Vamos ver que isso muda de forma automática.

Acredite que o INADEC, ou outra entidade ou autoridade, a andar atrás do mercado do Asa Branca ou do Catinton não vai resultar, como não tem resultado.

Precisamos ensinar as pessoas que quem paga mal paga duas vezes, ou seja, “o barato custa caro”. Acredito que feito este trabalho, o figurino muda radicalmente. Tudo depende da educação. O consumidor consciente torna-se um verdadeiro fiscal e isso no colectivo vai fazer muito bem a nossa sociedade.

Vou-lhe dar um exemplo: no passado recente comprávamos combustível em bidons. Chegava a ser mais fácil comprar um recipiente de 20 litros a preço especulativo do que aturar as longas filas nas bombas de combustível. Houve um significativo investimento neste segmento e quase que nos colocaram uma bomba a cada 3 a 10 km. Simplesmente os revendedores de bidons reduziram drasticamente.

No passado tivemos a fiscalização e a Polícia a correr atrás destes especuladores, mas resultou pouco. Hoje os vemos cada vez menos, principalmente nos grandes centros urbanos. Este é o caminho. As sanções e punição podem resolver em parte, mas as soluções definitivas requerem mais do que isso.


Finalmente o Dia do Consumidor (15 de Março) calhou num Domingo. É mais um dia que passa ou o INADEC está a assinalá-lo com actividades em concreto?

Olhe, a efeméride calhou no Domingo, pelo que preferimos marcar as actividades a propósito da data para esta Segunda-feira. 

Nesta manhã vamos prosseguir uma acção que já vem decorrendo. Trata-se da sensibilização de cidadãos consumidores sobre os seus direitos, deveres e obrigações. A nossa campanha decorre sob o lema “um minuto para repensar o consumo”.

Vamos falar do direito, a denuncia, o dever de reclamar e exigir, o direito de cidadania e a obrigação de lealdade. Onde o consumidor não deve abusar do seu Direito comprometendo a relação de consumo. Portanto, estamos na rua para falar disso frente a frente com o cidadão.