Luanda - Depois de qualquer guerra os sobreviventes são forçados a reflectir. Depois da Primeira Guerra Mundial, em que jovens se foram aniquilando nas trincheiras, muitos perguntaram-se se a Guerra era mesmo a forma mais viável de superar os conflitos.

Fonte: JA

Há alguns anos, estive na antiga Jugoslávia; muitos idosos de então andavam a reflectir seriamente sobre o que teria acontecido na Segunda Guerra Mundial. Na Áustria e Alemanha, onde também passei algum tempo, a grande questão era como um país sofisticado, com grandes poetas, músicos, filósofos etc., deixou-se levar por um demagogo, que congregou à sua volta homens de tal maldade que conceberam os fornos para despacharem rapidamente uma faixa da Humanidade que odiavam. O romance europeu depois da Segunda Guerra Mundial não pára de fazer perguntas sobre o que realmente terá acontecido.


Uma das grandes respostas, resultante de todas estas questões é que quando o amor ao próximo falha, quando caímos naqueles ghettos psicológicos, então os laços que nos unem como seres humanos enfraquecem-nos. Há quem diga que as pessoas gostam de filmes de ficção científica porque fazem-nos lembrar que somos uma espécie que vive num mundo vulnerável. Nas invasões fictícias, onde outros seres invadem o nosso planeta, a questão da raça, nacionalidade ou religião passa a ser imaterial; passamos todos a ser pobres terráqueos altamente vulneráveis. O coronavírus é uma espécie de invasor vindo de outro planeta; ele está interessado nas nossas células, ponto final.


A história das diferenças entre os seres humanos sempre me fascinou. Nos anos 1980, perguntei a um historiador que tinha escrito uma obra sobre as sociedades mais cruéis na história e a sua resposta surpreendeu-me; disse-me que os japoneses tinham uma cultura particularmente cruel no seu tratamento com os coreanos e chineses. Também me surpreendeu, quando me informou que historicamente uma das comunidades que tinha sofrido muito eram os arménios. Segundo ele, os turcos trataram os armênios com uma crueldade quase impensável. A história da humanidade, conclui, era a história de uma sucessão de crueldades.


Em todo o caso, as afirmações do historiador surpreenderam-me porque, como africano, sempre pensei que a nossa raça negra foi a que mais sofreu. Depois dos europeus terem-se implantado no continente africano no século XV, houve a escravatura e colonização que foram justificadas, na base de que o negro é inferior. Não são só os europeus que acreditam na inferioridade do negro, da sua história, da sua cultura; mesmo africanos passaram a crer nestes estereótipos! E a África era a fonte de tudo que era mal e deplorável. A epidemia do SIDA, afinal, tinha surgido da África. Lembro-me, claramente, nos anos 1980 num programa da BBC, o apresentador teve de cortar um ouvinte que foi insistindo que a SIDA estava a propagar-se no continente africano por causa dos maus hábitos do seus povos. Depois, havia aquelas imagens de Africanos, desesperados em barcos, a tentar atravessar o Mediterrâneo à procura de sustentação na Europa. Vários nacionalistas europeus foram emitindo afirmações, denegrindo os negros; segundo eles, os africanos iriam contaminar a Europa! E agora, estámos, nesta pandemia, com necrotérios improvisados para os corpos de espanhóis e italianos que sucumbiram ao maldito coronavírus. Médicos com aqueles fatos brancos gigantescos que andavam na África Ocidental ou na RDC na luta contra a ébola e marburgo, la estão no meio da Europa. Na Espanha e Itália, cadáveres foram abandonados em lares para idosos.


O coronavírus não é como um terrorista cheio de mágoas e obcecado com vingança por várias supostas injustiças. O coronavirus não respeita as classes: o príncipe Carlos, do Reino Unido, foi também afectado. Nos próximos dias, teremos todos de pensar globalmente. Nada se ganha em designar o vírus como o vírus chinês. O que vale mais é aprender como os chineses organizaram a batalha contra o vírus. É bom ver o mundo a ir ajuda à Itália. Médicos cubanos e chineses estão na Itália para emprestarem o seu know-how. Este não é o momento de líderes mundiais gabarem-se, este é o momento de mais cooperação.


Não há melhores nações, nem povos inferiores. Parece ser um clichê, porém, só unido é que mundo poderá vencer este vírus. Isto significa que todos teremos que reaprender a respeitarmo-nos como, também, tirar lições humildemente das experiências dos outros. Afinal, pertencemos todos ao mesmo planeta.