Aos

Distintos Senhores Presidentes de Bancadas Parlamentares da Assembleia Nacional da República de Angola
C/C: Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional
N/ Ref. PR.0001/05/RT/2020


Assunto: Apelo: alguns aspectos a acautelar relativos aos mecanismos legais e institucionais de articulação e sã co-habitação entre o poder autárquico e a instituição do poder tradicional, seus territórios, população e significados culturais.

Distintos Senhores Presidentes de Bancadas Parlamentares da Assembleia Nacional
Respeitosos Cumprimentos.


A história de Angola foi construida sob vários silêncios políticos e culturais, mas também, sujeições desde a administração colonial. Temos uma história e memórias que não nos permitem ignorar todo um passado colonial que levou ao epistemicídio e sujeição do costume, hábitos e tradições das nossas gentes e estabeleceu em todas as relações humanas e sociais o muro de uma nova ordem política e normativa. Contudo, o Estado continua com enormes dificuldades e défice de articulação e construção de links de sã convivência com o paradigma de organização política do poder tradicional procurando impor, nalguns casos, processos de fragmentação nas relações identitárias e comunais, mas também, de permanente clima de insegurança de posse em famílias das comunidades que integram o Domínio Útil Consuetudinário.


As autarquias locais são um passo importante na vida política do país, mas elas se associam a um pesado tributo imposto pelo passado colonial que o actual poder do Estado não conseguiu responder, suprir ou calar os silêncios e sujeições historicamente impostos. À semelhança do poder estadual, elas continuam a soprepor-se à instituição do poder tradicional podendo torná-la refém às mesmas relações de hipocrisia e simulacros de sã co-habitação. Temos de convir que não está em causa apenas a co-habitação do poder tradicional com o poder autárquico, mas a dignidade do acervo histórico-cultural, o direito à memória colectiva e o direito ao desenvolvimento de famílias cronicamente empobrecidas em comunidades tradicionais. Não há dúvidas que em contextos de sujeições, ou ainda, de permanente insegurança de posse e perda gradual de sentimentos de pertença e identidades não pode haver liberdade e desenvolvimento.

Estando em produção ao nível da Assembleia Nacional os mais diversos e complexos instrumentos normativos sobre o poder local e sendo certo que o processo não é, de todo, de domínio e conhecimento da população (défice de informação) nem foi precedido de um estudo multidisciplinar para que incorpora-se outros significados de racionalidade socio-cultural das diferentes territorialidades do país.


A Direcção da Rede Terra vem, mui respeitosamente, Srs. Presidentes de Bancadas Parlamentares, colocar os seguintes questionamentos sob a forma de um apelo:
1. O poder tradicional é anterior ao Estado e tem um território próprio gerido segundo o costume, mas sem propriedade sobre a terra e os recursos naturais nele inscritos. Esses territórios continuam a ser não titulados o que impõe um estado de permanente insegurança de posse que já gera enormes conflitos num quadro em que é perverso o conteúdo normativo da figura de interesse público. As expropriações e perda progressiva do seu património geo-histórico e memórias colectivas são uma construção histórica secular.

Senhores Presidentes, como o pacote legislativo autárquico acolhe à luz do Direito ao Desenvolvimento, do Direito à Memória Colectiva e das normas constitucionais sobre a promoção de identidades locais e coesão territorial os territórios que integram o Domínio Útil Consuetudinário? De quem dependerá (sujeição) o seu direito ao desenvolvimento: do Estado, das Autarquias ou de Si para atender interesses que lhes são próprios?


2. Não obstante o ordenamento jurídico geral, ou melhor, no plano formal não existir discriminação da instituição do poder tradicional, na prática, a sua relação histórica com o poder do Estado é de ruptura. O poder tradicional transformou-se num verdadeiro campo de competição político-partidária, senão, mesmo de sujeição o que condiciona a sua autonomia e dignidade. Afinal, o que podem trazer de novo no plano social e normativo as autarquias locais na sua relação com a instituição do poder tradicional? Como se podem distinguir num mesmo espaço territorial as fronteiras de poder sobre o território e a gestão de relações comunais? Quais os links de co-habitação e como se podem reforçar mutuamente objectivos políticos e culturais de entes de racionalidade política antagónica no actual pacote legislativo?

Estimados Senhores Presidentes de Bancadas Parlamentares da Assembleia Nacional,


Com a mais elevada estima e consideração,

Luanda aos 20 de Maio de 2020
Bernardo Castro

Director Executivo da Rede Terra


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