Luanda – Um ano após o lançamento da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação 27 de Maio, o general José Fragoso, perdeu a confiança do processo tendo em conta os atrasos que se regista no cumprimentos da sua implementação.

Fonte: Club-k.net
O politologo manifestou este descontentamento em entrevista ao Club K Angola, alegando que na referida Comissão há indivíduos intrusos. No caso concreto de um dos impiedosos algozes – o general Tino Pelinganga, cujo perfil descrito pelo engenheiro Américo Botelho no livro intitulado “Holocausto em Angola”.

Botelho recorda que o capitão Tino, na altura, era visto em plena acção nos pelotões de fuzilamento a fazer perguntas carregadas de venenos e, sem pudor, exibia os corpos regados com gasolina na expectativa de que o fogo os desfigurasse e consumisse.

“Quando comandava os pelotões de execução de limpeza que se seguiu ao 27 de Maio, tomava uma vítima como exemplo. Disparava sobre ela e logo lhe lançava fogo. Era o prenúncio de que aconteceria aos outros”, escreveu, realçando que “este torcionário não se envergonha do que fez”.

Edgar Valles, irmão de Sita Valles, lembra que numa das últimas reunião desta Comissão, o general Pelinganga declarou, alto e bom som, que “os mortos foram bem mortos”, gelando o sangue de alguns dos presentes, incrédulos perante tamanha desfaçatez e ausência de arrependimento.

“Como é possível que os torcionários, os carrascos do povo, a quem Agostinho Neto inclusivamente acusou de terem manchado de sangue as próprias mãos se assumam como vítimas e faça parte da Comissão?”, questionou Edgar Valles no seu artigo de opinião publicado no Novo Jornal na última edição do mês de Julho.

Os pronunciamentos do general Tito Pelinganga, na visão da direcção da Fundação 27 de Maio, ao julgar pelo Decreto Presidencial n.º 73/2019, com o termo pejorativo “Intentona Golpista de 27 de Maio de 77” é uma afronta ao actual Presidente da República. “É prova mais que evidente de terem insurgido contra João Lourenço, obrigando-o anular o referido Decreto”, disse José Fragoso.

No entanto, o presidium da Fundação defende o seu afastamento do grupo técnico onde figura como o número 24 da lista dos membros, com um nome que ninguém conhece, como coordenador dos ex-funcionários do SINSE, porquanto, na verdade, devia constar como coordenador dos ex-DISA.

Quanto ao processo de reconciliação, o politólogo diz que se encontra em banho-maria com tendência de se esfumar. “Por que vejamos, a posição do partido MPLA no que toca a construção do monumento das vítimas dos conflitos políticos era de escondê-lo na província do Bié, concretamente no município de Camakupa, que dista a 80 quilómetros da capital Kuito, e que mais tarde, devido a intervenção de vários membros da Comissão foi decidido que o mesmo fosse erguido na zona do Miramar, em Luanda. Ainda assim, passados mais de oito meses, nem água vem nem água vai”, denunciou.

Já sobre a propalada certificação de óbito que culminou com aprovação da Lei da Emissão de Certidões de Óbito aos Perecidos, José Fragoso disse que o regulamento apresentado, a partir do seu artigo 28.º e seguintes, era um bolo envenenado.

“O critério proposto para obtenção de certidão de óbito continha cláusulas abusivas e jocosas, uma vez que exige que o parente da vítima deve responder perguntas, tais como: Dizer o local e hora em que o seu ente-querido foi detido; O local e hora que foi fuzilado e O local e hora em que se acha enterrado o seu ente-querido.”, revelou o nosso interlocutor, considerando que é absurdo. Pois, a intenção era impedir os familiares das vítimas a obter o referido documento.

Quanto ao hino em memórias às vítimas, para além de ter sido aprovado na ausência dos membros da Fundação 27 de Maio, traz uma estrofes com os seguintes dizeres: “tu erraste; eu errei e nós errámos”. “No nosso ver, o governo quer continuar atribuir o epíteto de golpistas, como reza o Decreto Presidencial acima referido, que não ajuda na dita reconciliação entre os angolanos desavindos”, argumentou, enfatizando que a proposta da Fundação 27 de Maio que não foi tida em conta era: “eu errei; tu erraste e nós erramos e perdoar e abraçar.”

José Fragoso recordou que a designação inicial do Decreto foi “Homenagem às vítimas”, que mais tarde foi corrigido fruto da proposta da Fundação 27 de Maio. “Porque não se pode homenagear indivíduos mortos e atirados em valas comuns e passou para a designação que hoje vigora ‘Reconciliação em Memória às Vítimas’”, disse.

O também activista dos Direitos Humanos recordou que em duas ocasiões o BP do MPLA, por pressão da Fundação, emitiu duas declarações (a 26 de Maio de 2002 e a 27 de Maio de 2013) de igual teor, onde já chamava os ditos fraccionistas de patriotas incompreendidos e que os agentes da segurança cometeram excessos e exageros, cujo teor sobre a reconciliação nunca foi implementado até então.

“Está mais que claro que a criação desta Comissão não foi por vontade do Executivo mas sim do MPLA, tendo em conta a pressão interna e externa”, realçou, exemplificando um episódio que aconteceu na reunião informativa a comunidade internacional, concretamente, aos Estados Unidos de América e a União Europeia, “neste encontro cada membro encontrou no seu lugar uma folha com o referido hino que minutos depois o secretariado mandou retirá-la e posteriormente ordenou a reposição, mas sem o manuscrito do despacho, temendo que a Fundação fizesse uma intervenção”.

Face a estes obstáculo, a Fundação 27 de Maio solicitou ao coordenador da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos um encontro com o Presidente da República e os torcionários a fim de desfazer os fantasmas que minam o processo há mais de três meses. “Aguramos que o desfecho deste processo, o maior dos ávidos em Angola, satisfaça as vítimas em memória, os sobreviventes e as suas respectivas famílias”, rematou.