Lisboa - Um relatório de inspeção da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), indica que o antigo presidente do Conselho de Gestão das AAA, Carlos Manuel de São Vicente, transferiu,  durante a sua gestão, cerca de 2,9 mil milhões de dólares, valores estes justificados ao Banco Nacional de Angola (BNA) como pagamentos de resseguros.

Fonte: Club-k.net

 Volvidas duas décadas, sabe-se agora que, na verdade, parte dos fundos transferidos por Carlos São Vicente tiveram como destino contas privadas pertencentes ao genro do malogrado Presidente António Agostinho Neto. O relatório chegou a ser remetido ao Palácio Presidencial, mas mereceu o “competente arquivamento”.


 
A história começa no ano de 2000, quando o antigo PCA da Sonangol Manuel Domingos Vicente e o economista Carlos Manuel de São Vicente, então afecto à petrolífera estatal angolana, fizeram uma viagem de trabalho a Londres. Foi na sequência desta visita que especialistas londrinos sugeriram ao “número um” da Sonangol a criação (a título estatal e não pessoal) da sua própria seguradora, ao invés de estarem a recorrer às resseguradoras no exterior para o “co-seguro petroquímico”, já que em Angola operavam várias petrolíferas.


 
Aos 5 de Julho de 2000, foi criada a sociedade AAA-Activos, que se ocuparia do negócio de gestão de riscos, seguros e resseguros, bem como da gestão dos fundos de pensões em Angola. Em meados de 2001, o Governo angolano, através do despacho 186/01, autorizou a constituição do fundo de pensões aberto, designado “Fundo de Pensões-AAA”, com um capital inicial de USD 15 milhões (Quinze Milhões de Dólares Americanos) provenientes da Sonangol, a sua principal accionista.


 
Logo após a criação das AAA, o Governo angolano obrigou que todas as petrolíferas nacionais e estrangeiras que operavam no país passassem a estar asseguradas por esta nova empresa participada pela Sonangol.

 
De acordo com o expediente, as petrolíferas pagavam os seguros “milionários” às AAA, e esta, por sua vez, comprava ou pagava o chamado “co-seguro petroquímico” nem resseguradoras no exterior especializada em questões de riscos de grandes dimensões. As AAA operavam na prática como “mediadora” para os co-seguros petroquímicos.

 
As AAA tinham um Conselho de Administração unipessoal, constituído unicamente por Carlos São Vicente, que geria a seguradora com base numa autonomia considerada “muito ampla” em termos de capacidade de decisão e execução. Mais tarde, Carlos São Vicente procurou envolver a então família presidencial, colocando José Filomeno dos Santos, na altura recém-regressado da Inglaterra, como director adjunto até 2005, quando este abandona a empresa.

 
Durante estes anos, São Vicente, na qualidade de PCA das AAA, recorreu sistematicamente ao Banco Nacional de Angola para exportar capitais, sob alegação de estar a efectuar pagamentos do “co-seguro petroquímico” junto de “brokers” como o “Lloyds Bank”, da Inglaterra, e outras resseguradoras baseadas no estrangeiro.

 
Em Setembro de 2013, foi criada a Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG) cuja missão é a de fiscalizar o cumprimento de regras para o funcionamento do sector segurador e de fundo de pensões existente no país.

 
Com o surgimento da ARSEG foi feita uma inspecção à seguradora AAA, cujo relatório final, assente em dados migratórios do BNA, dava conta que, durante o seu mandato como PCA das AAA, Carlos São Vicente — ao invés de efectuar os pagamentos do co-seguro petroquímico junto das resseguradoras no estrangeiro —  descaminhava os fundos para destinos como as Ilhas Cayman, e as contas das AAA INTERNATIONAL LTD, com sede em Bermuda.


 
No total, o BNA contabilizou que as AAA transferiram cerca de 2,9 mil milhões de dólares para o exterior do país, a pretexto de pagamentos junto dos “brokers”. Como consequência, as petrolíferas que operavam em Angola andavam a operar sem estar seguradas junto das resseguradoras. O mesmo passou-se com os aviões da “Sonair”, detida pela Sonangol.
 
“Se acontecesse, um desastre ambiental ou queda de um dos aviões da “Sonair”, as AAA não teriam capacidade de fazer cobertura, uma vez que o co-seguros não estavam pagos junto das competentes seguradoras especializadas no exterior”, explicou, ao Club-K, uma fonte abalizada, considerando que o “Dr. São Vicente confiava em Deus, para que não ocorressem desastres no país”.

 

A ARSEG, por sua vez, dentro das suas obrigações, remeteu o relatório de inspeção ao gabinete do então Presidente José Eduardo dos Santos (JES), desconhecendo-se até à data a reacção deste, em termos de punição. Sabe-se apenas que o ex-Presidente da República esvaziou depois as AAA, por força do Despacho Presidencial n.º 39/16, de 30 de Março.


 
Não obstante os alertas do relatório da ARSEG, as AAA já eram citadas em informações que remontam a 2013, que apontavam cenários de colapso decorrentes de graves problemas de gestão. Ao tempo de Francisco Lemos Maria, a Sonangol, na qualidade de maior accionista, chegou a ordenar limitações dos negócios desta seguradora.
 


Lemos Maria retirou das AAA a gestão do Fundo de Pensões da petrolífera estatal, assim como pôs fim aos resseguros por uma empresa nas Bahamas. As petrolíferas que operaram em Angola também se retiraram das AAA, por decisão do Governo, ameaçando a sobrevivência desta seguradora liderada por São Vicente.
 

Em Outubro de 2013, o antigo Presidente José Eduardo dos Santos chamou a si a decisão sobre o destino do património da Sociedade AAA Activos, Limitada, que observava falecia. Por decisão expressa no Despacho Presidencial n.º 103/13, por si assinado, os 22 edifícios desta empresa de seguros, localizados nas 18 províncias do país, foram transformados em tribunais provinciais.

 
Num recente relatório sobre a actividade do sector, a ARSEG recorda que, “em 2016, o ramo petroquímico sofreu uma alteração substancial” e que “o co-seguro deixou de ser tratado pela seguradora AAA, passando a ser assumido pela seguradora estatal (ENSA)”.
 
EDUARDO DOS SANTOS CHOCADO 


No sábado (29), Tchizé dos Santos, uma das filhas do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, revelou em áudio que o seu pai ficou chocado ao tomar nota dos destaques de fim-de-semana, que davam conta de que a Suíça congelou cerca de 900 milhões  que Carlos São Vicente estaria a transferir para uma das suas contas.
 
JES, segundo relatos da filha, reconheceu ter autorizado a Sonangol a fazer os resseguros no sector dos petróleos em Angola, uma vez que reconhecia capacidade em São Vicente, mas nunca, salientou, imaginou que a Sonangol iria passar 90% das quotas das AAA a um privado. “Ele ficou chocado, de boca aberta”, de acordo com Tchizé Santos.
 
INVESTIGAÇÕES
 
Em Julho passado, o Club-K reportou que as autoridades judiciais angolanas moveram discretas investigações contra Carlos Manuel de São Vicente, que é casado com Irene Alexandra da Silva Neto, a primogénita do “guia imortal” do MPLA, a fim de ver esclarecidas antigas suspeitas, segundo as quais teria usado fundos públicos das AAA – empresa que pertenceu a Sonangol - para obtenção de acções no Standard Bank-Angola.


 
O Standard Bank-Angola é detido pela AAA-Actives, com a participação de 49%, enquanto que a outra parte pertence ao banco “mãe” sul-africano, com o mesmo nome.

 
Constituída aos 11 de Julho de 2009, a AAA-Actives (com o nome que se confunde com o da AAA-Seguradora), tem como accionista maioritário Carlos Manuel de São Vicente com 99,9% das ações e uma outra sócia, Neide Patrícia Nunes Van-Dúnem.

 
Em 2017, meses depois da saída de José Eduardo dos Santos do poder, Carlos São Vicente concedeu uma entrevista ao Novo Jornal declarando que Angola é um país de corruptos. "Temos um país com 42 anos de Independência, que já foi uma colónia, quis ser socialista, depois perdeu-se e não sabe para onde vai", disse o economista, concluindo: "Angola não tem dólares dos EUA porque é um país com corruptos que roubam com total impunidade o dinheiro do Estado, que é de todos nós".
 
SÃO VICENTE RESPONDE 
 
No passado dia 10 de Julho, o economista reagiu à matéria do Club-K, dando a sua versão dos factos e alegou que “a AAA SEGUROS não faliu”. “Houve uma dissolução forçada em consequência da retirada do co-seguro das actividades petrolíferas, por força do Despacho Presidencial n.º 39/16, de 30 de Março. Em 6 de Abril 2019, a Assembleia-Geral das AAA SEGUROS AS deliberou a sua dissolução. Presentemente a sociedade está em liquidação".


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