Luanda - É ele o presidente do conselho de administração e, também, o accionista maioritário da companhia de seguros AAA, registada em Angola, nas Bermudas e no Reino Unido, que muitos sempre pensaram pertencer à Sonangol.

Fonte: Jornal de Angola

Carlos Manuel de São Vicente, cidadão luso-angolano, detém uma participação na AAA Seguros SA de quase 90 por cento das acções. A Sonangol tem dez por cento e o banco BAI o ínfimo 0,11 por cento. A concentração excessiva numa única pessoa da maioria das acções fez dele “senhor e dono” de uma empresa a quem o Estado concedera o monopólio do mercado de seguros no negócio do petróleo.



Carlos Manuel de São Vicente obteve do Governo, com a implementação de um novo modelo de gestão de risco no domínio da exploração de petróleo, um esquema de seguro e de resseguro, ou seja, o monopólio sobre todas as actividades de seguros de petróleo em Angola. A atribuição e manutenção de tal monopólio, no período de 2000 a 2016, decorreu de um acordo assinado em 2000.



O país já vivia uma crise económica e, então, decidiu passar o lucrativo negócio dos seguros à empresa pública ENSA. A AAA Seguros perdeu o mercado e uma operação de liquidação entrou em marcha, transferindo todos os lucros e activos do grupo AAA à AAA International Ltd, a holding do grupo.



Quando, em 2016, o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, retirou, por decreto, a liderança do negócio de seguro na exploração de petróleo das AAA Seguros SA para transferir para a estatal ENSA Seguros de Angola, já Carlos Manuel de São Vicente tinha montado um esquema de transferências dos lucros da seguradora para as contas pessoais e de familiares.



Para a dispersão dos fundos, Carlos Manuel de São Vicente promoveu a abertura de contas na Suíça em nome da esposa, dos três filhos, das três irmãs, das sobrinhas e netas. As transferências de fundos pertencentes à AAA Seguros SA para a conta pessoal de Carlos Manuel de São Vicente e para os membros da família, em particular duas instruções de transferências de 18 de Setembro de 2018, de um montante em dólares de 212.900.000.


A primeira em nome da AAA Seguros SA, com uma única assinatura, a favor da AAA International Ltd, e a segunda com o mesmo montante (212.900.000), também, em nome da AAA International Ltd, a favor da sua conta pessoal, sempre sob a sua assinatura única, para uma conta no Bank of Singapore, levantaram fundadas suspeitas de ilícitos criminais.


Carlos Manuel de São Vicente abriu contas, em nome de várias entidades do seu grupo, como a AAA Seguros SA Angola, a AAA Activos, a AAA International Ltd e a AAA Reinsurance Ltd entre 2012 e 2013, conta no Royal Bank of Canada (RBC). São Vicente é o único signatário e com direitos económicos das contas.

O caso na Justiça suíça

Tudo começou a 29 de Novembro de 2018, quando o Ministério Público da República e Cantão de Genebra da Confederação Helvética (Suíça) recebeu, da Área de Comunicação em Matéria de Branqueamento de Capitais do banco SYZ SA, um documento que revelava suspeitas da prática do crime de branqueamento de capitais por parte de Carlos Manuel de São Vicente.



Entre as suspeitas estavam duas instruções de transferências de 212.900.000 de dólares cada, por parte de Carlos Manuel de São Vicente, a 18 de Setembro de 2018. A primeira era em nome da AAA Seguros SA, apenas com a assinatura de São Vicente, a favor da AAA International Ltd e, a segunda, em nome da AAA International Ltd, com a única assinatura igualmente de São Vicente, a favor da sua conta pessoal com a única menção: “Transferência de fundos”.


Não é comum para o banco um presidente do conselho de administração ou um presidente da comissão executiva, mesmo com poderes individuais de representação da sociedade, dispor a seu favor de fundos tão elevados pertencentes a uma sociedade anónima, uma companhia de seguros regulada pelo Estado.

Segundo explicação complementar da defesa do acusado, a advogada Clara Poglia, as transferências correspondem a um reembolso parcial de dois empréstimos concedidos à AAA Seguros SA pela AAA Activos Lda e para a AAA International Ltd, bem como por ele próprio a título pessoal. Dois contratos, a 25 de Agosto de 2009 e a 20 de Abril de 2016, foram elaborados por Carlos de São Vicente a pedido da banca.


Carlos Manuel de São Vicente foi ouvido a 21 e 22 de Março do ano passado, e formalmente acusado de branqueamento de capitais pela transferência reiterada de fundos para a Suíça, entre 2012 e Outubro de 2018, pertencentes à AAA Seguros SA, detida em parte pela Sonangol, para a sua conta pessoal.


Carlos Manuel de São Vicente contestou a decisão de congelamento das contas bancárias e solicitou o seu levantamento a 10 de Janeiro deste ano.


A 11 de Março, o Ministério Público suíço enviou um pedido de assistência judiciária às autoridades angolanas, a fim de obter informações e a produção de peças relativas às regras de licitação.


O MP suíço considera que São Vicente, durante seis anos, acumulou indícios suficientes para o cometimento de infracções de que foi, posteriormente, acusado, suspeitas reforçadas pelo contexto político prevalecente em Angola. A manutenção de congelamento da conta bancária é destinada a garantir a presença de fundos em caso de confisco ou de um pedido compensatório se justificar, porque um pedido de assistência foi já dirigido às autoridades angolanas.


Carlos Manuel de São Vicente rejeitou que tenha cometido delitos fiscais. Os 900.000.000 de dólares permaneceram retidos por mais de um ano, período durante o qual Carlos Manuel de São Vicente foi ouvido uma vez em audiência. No recurso à Câmara Penal de Recurso do Tribunal Judicial da República e Cantão de Genebra da Confederação Helvética da Suíça contra a decisão do Ministério Público de Genebra de congelamento das contas bancárias, Carlos Manuel de São Vicente viu rejeitado o seu pedido.

Não só viu rejeitado o recurso, como foi condenado a pagar as custas do processo. No entanto, há uma última instância de recurso no Tribunal Federal de Lausanne, caso o empresário tenha interesse.

Monopólio do petróleo

Ao perder, em 2016, o monopólio do seguro no domínio da exploração do petróleo, a seguradora decidiu aplicar os seus meios financeiros noutros investimentos em Angola, propriamente no sector hoteleiro.



Depois de não fornecer à banca suíça qualquer informação sobre as suas contribuições fiscais, São Vicente solicitou, sem informar previamente o banco, que a totalidade dos valores da sua conta pessoal, alimentada, principalmente, por transferências provenientes da AAA Seguros SA, fosse transferida para uma conta privada detida junto do Bank of Singapore.


Em função disso, o Ministério Público suíço abriu, a 4 de Dezembro de 2018, um processo-crime por branqueamento de capitais contra Carlos Manuel de São Vicente e ordenou, no mesmo dia, o congelamento de contas bancárias, a título de confisco, para posterior restituição aos eventuais lesados.