Lisboa - Dois mil milhões e trezentos mil dólares é o montante apurado pelos serviços de investigação da PGR de um pagamento feito pela Sonangol a favor do empresário sinobritânico Sam Pa, o principal rosto do CIF — China Internacional Fund (detido em Pequim por alegado envolvimento em escândalos de corrupção em Angola e na Venezuela). soube o Expresso junto de uma fonte da petrolífera angolana.

* Gustavo Costa
Fonte: Expresso

PGR investiga $2,3 mil milhões

Esta operação terá sido sustentada com carregamentos de petróleo — o principal suporte das relações que, de forma nebulosa, envolveram a Sonangol e a Sinopec, petrolífera chinesa trazida para Angola por Sam Pa e parceira da empresa então liderada por Manuel Vicente na exploração do bloco 18.


As provas da transferência foram exibidas esta semana aos generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, antigo chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos, e Leopoldino Nascimento “Dino”, ex-chefe das comunicações da Presidência, pelos investigadores da Direção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP) no âmbito de um alegado crime de corrupção, peculato, branqueamento de capitais, burla e falsificação.


À apresentação de provas, o general Dino, acompanhado do seu advogado, Sérgio Raimundo, terá reagido com perplexidade, alegando estar completamente alheio à operação, visto nunca ter pertencido aos quadros da Sonangol.


A descoberta desta operação está agora a dar consistência às suspeitas levantadas pelas autoridades judiciais angolanas sobre a utilização indevida de recursos da Sonangol para o pagamento de serviços, que, na perspetiva dos investigadores do DNIAP, se afigura fraudulenta e altamente lesiva dos interesses do Estado.


“Não há no Banco Nacional de Angola nenhuma prova de entrada de fundos. As mercadorias entraram pela porta do cavalo, não pagaram os direitos alfandegários e andaram a construir, a seu bel-prazer, sem nunca se terem habilitado ao direito de superfície, como se isso fosse a casa da mãe Joana!”, desabafou uma fonte da PGR.


Consumada a transferência, as investigações perseguem agora o rasto da operação, visando apurar os eventuais beneficiários em Angola. “Há suspeitas de que, entre os beneficiários, possa estar muita gente poderosa ligada à Sonangol e ao poder político da época”, disse fonte judicial que acompanha o processo.


Perante a nuvem de suspeitas levantada pelas autoridades, José Eduardo dos Santos, a partir de Barcelona, onde se encontra a receber tratamento médico desde o ano passado, apressou-se a telefonar para o Presidente João Lourenço para sair em defesa do general Dino.


“Remeteu para Manuel Vicente toda a responsabilidade por tudo quanto se passou à volta dos negócios que envolveram a presença do CIF e de Sam Pa em Angola”, revelou ao Expresso fonte do Palácio da Cidade Alta.


Precisando tanto de dinheiro como quem precisa de pão para a boca, João Lourenço lançou o isco àqueles dois antigos e poderosos colaboradores de Eduardo dos Santos e obteve respostas distintas. A indisponibilidade manifestada pelo general Dino durante a audiência, quando foi aventada a hipótese de restituir recursos financeiros ao Estado, foi interpretada pelos investigadores do DNIAP como uma brincadeira de mau gosto. “Não percebeu que tinha uma oportunidade de ouro para colocar a cereja em cima do bolo, mas agora corre o risco de ver o Estado chamar a si, sem pagar um tostão, as suas participações societárias na UNITEL e em outros ativos”, revelou fonte da maior operadora móvel de Angola.


Em contraste com aquela posição, o general Kopelipa, que manteve sempre uma relação de grande conflitualidade com Sam Pa, opondo-se a muitas das suas operações, manifestou-se disponível em colaborar com as autoridades, prontificando-se a apoiar o Estado com fundos próprios. Ausente de Angola, o antigo presidente da Sonangol é agora cada vez mais apontado como o verdadeiro detentor da “chave” que pode ajudar a descodificar todo o emaranhado criado à volta deste complexo processo.


Antes de viajar para o Dubai, onde recebe tratamento médico, Manuel Vicente, que goza de imunidades especiais até 2022, fez chegar à PGR um documento destinado a esclarecer as suas muitas zonas cinzentas. Muito longe de convencer as autoridades, o documento, segundo apurou o Expresso, revelou-se uma desilusão. “Mais uma vez não abriu o jogo e, em vez disso, remeteu-nos uma folha cheia de nada”, confiden­ciou uma fonte governamental conhecedora do processo.


A mesma fonte acrescenta que, recebido por diversas vezes por João Lourenço, este sempre esperou que Manuel Vicente tomasse a iniciativa de avançar com um esclarecimento inequívoco. “O Presidente cansou-se e, se é verdade que Manuel Vicente sabe onde ‘foram enterrados os corpos´, não sei se agora não estará também, ele próprio, a enterrar-se...”, deixou escapar fonte do Palácio.


Ao apontar o dedo à Sonangol, em recente entrevista ao “Wall Street Journal”, pelo desvio de 14 mil milhões de dólares durante o consulado de Manuel Vicente, para muitos observadores o Presidente não poderia ter sido mais claro na escolha do alvo.


O Expresso tentou colher uma opinião de Manuel Vicente, mas este manifestou-se indisponível para prestar declarações