Luanda - Numa extensa entrevista concedida (concedida 24 horas antes da votação final do texto da Nova Constituição) em exclusivo ao Folha 8, Kamalata Numa, na primeira parte denuncia “Nação Crioula” do MPLA contra os desígnios dos autóctones angolanos; fala dos efeitos nefastos da cultura do medo e da subserviência em Angola.

 * Félix Miranda
Fotos: Téo Cassule

ImageNa segunda parte, depois de explicar as razões de fundo que forçaram a sua bancada abandonar a Assembleia na altura da votação da Nova Constituição, aborda sem tabus as dificuldades administrativas e os problemas internos da UNITA; explica as razões do porquê que seus detractores a catalogaram como racista, tribalista ou regionalista e ainda xenófoba. Na terceira parte caracteriza os porquês da apatia dos angolanos face as dificuldades socio-económicas e politicas, e lança as linhas para uma Angola a renascer a partir da realidade do presente. No final refuta categoricamente o princípio de se retirar o direito de cidadãos independentes candidatarem-se ao mais alto cargo da magistratura do Estado (Presidente).
 
 
 
 
Folha8 – Secretário-geral da UNITA, Kamalata Numa. Depois dos ventos e marés. Ontem comandante de tropas, General do Exército, hoje Secretário-geral da UNITA. Como chamariz a nossa entrevista, começaríamos por perguntar, o que é mais difícil: comandar tropas no quadro militar, ou mobilizar os cidadãos, sobretudo na situação actual e em Angola?

 

SGU – Obrigado por esta oportunidade. Começaria por afirmar que a UNITA é mesmo o primeiro partido da oposição em função da conjuntura e ela vai continuar a primar seu esforço de um dia poder realizar o seu sonho de ser o principal motor de transformações políticas, económicas, sociais e culturais da sociedade angolana. Em relação a pergunta que me coloca, quero dizer que são dois contextos diferentes que se realizam também em contextos diferentes. Primeiro, ser-se comandante, ser-se General, é antes de mais nada ser um líder de pessoas que conduz essas pessoas para situações extraordinárias onde muita das vezes há percas de vidas, há mutilações e isso é um bocadinho mais exigente porque é necessário que essas pessoas estejam motivadas o máximo, para tal, é preciso encontrar a filosofia, as ideias que aglutinem essas pessoas para esses ideais. Em relação a mobilização do povo, é uma função que se faz num contexto político normal, onde é necessário que essas pessoas conheçam efectivamente os valores aos quais tenham de se agarrar e que reconheçam que esses valores os inspirem para as grandes transformações que o país necessita. Sem dúvida, também é uma missão que não deixa de ser exigente.
 

F8 – O que preferia, voltar a ser o que foi ou a posição que ocupa actualmente?


SGU – Eu pendurei definitivamente as botas em 2002 e não olho mais para atrás. Agora o que pretendemos é ser úteis para que, Angola que precisa dos seus melhores filhos, sinta de facto que esses filhos serão todos julgados da mesma forma, terão todos a mesma oportunidade e sentir-se-ão filhos da pátria comum, uma pátria inclusiva, onde seus filhos sejam iguais em todos os sítios onde estiverem. Portanto, vale a pena continuarmos nesta trincheira.
 

F8 – A UNITA capitaliza sua linha política no projecto de Mwangai. O que é realmente o projecto de Mwangai. Este projecto ainda faz actualidade naquilo que são as linhas de orientação nesta nova etapa?

 

SGU – Mwangai é a filosofia política e a ideologia que energiza a UNITA para estas batalhas que têm sido não menos ferozes algumas vezes, e outras vezes difíceis, onde a discriminação é constante. Essa energia vem exactamente daquilo que eu acho que é a causa principal que temos de resolver para deixarmos de ter os contratempos que temos tido na história política de Angola.
 

F8 – Quer consubstanciar?

 

SGU - Angola está constituída por várias nações. Angola não tem uma única nação, inclusivamente há uma nação que, à passagem por aqui do colonialismo português, essa nação se reafirmou, esta nação está ali, mas tem de perceber que tem de se incluir no contexto de outras nações. Falo da “Nação Crioula”, que é um facto, está ali. Com a vinda de muitos cidadãos de outras paragens, São Tomé, Cabo-verde, e outras.
 

F8 – Segundo consta-se, esta “Nação Crioula”, como diz,  está a ser sustentada por outros estrangeiros. Vemos as sementes de cubanos que germinaram, seguiram-se outras, tal como está a formar-se outra franja desta nação crioula que são os chineses ou brasileiros que se perfilam. Quer comentar?


SGU – Olha, o MPLA surgiu exactamente desta dimensão. É só ver que quando Nito Alves tentou reivindicar um MPLA mais inclusivo, mais natural, onde todos fossem iguais, ele foi arrasado. Portanto, a nação crioula é o núcleo central. Estrategicamente cria muletas de elites que vêem exactamente de outras nações para se poder sustentar e há nações que acham que esses são os nossos representantes. Mas se tentarem reivindicar um bocadinho mais os seus direitos perdem.


 
F8 – Há aqui uma contradição. Naquilo que a gente pode ler, ouvir através de escritos, pela propaganda, em que evidenciam o angolano como ponto central da sua luta, dá-se a impressão que o MPLA é mesmo o representante legítimo dos angolanos. Tudo isso é demagogia?

 

SGU – Tudo isso tem a sua génese exactamente nas facilidades que permitiram o MPLA assumir o poder em Angola em 1975. A partir dali o MPLA ficou dono da situação, ajudado mesmo pela comunidade internacional que vê nesta “Nação Crioula” a continuação e um poder que tem de ajudar. É só ver a atitude que o FMI defende num país onde a corrupção vigora, onde a gestão da coisa pública não é transparente. De certeza que o FMI para outros povos teria dito outra coisa, mas para aqui fazem isso.
 


F8 – Quer dizer que o FMI, o BM e outros doadores colocaram de lado as exigências da “Boa-governaçao” a proveito do povo?


SGU – O que é o FMI? O FMI é exactamente o conjunto das grandes potências. E estas têm seus interesses bem vincados nos representantes desta nação que estamos aqui a caracterizar. O fundamental no meio disso tudo é que na sociedade angolana o que se tem estado a discutir são as consequências, não se discutem as causas. Porquê que em 1975 falhamos? Em Alvor discutimos com os portugueses para fazermos uma transição, mas quando chegou a altura falhamos, porquê? As pessoas começam a perguntar-se porque vieram cubanos, sul-africanos, porque fulano matou, José comia corações, outros comem humanos, etc. Fomos para um processo de guerras que nos levaram outra vez à Bicesse. Bicesse tentou melhorar aquilo que devia ser 1975, introduzindo o sistema democrático neste país e eleições. Também quando tentamos discutir aquilo que seriam os fundamentos de uma Angola futura, não conseguimos fazer. E continuamos a discutir as causas a dizer que Savimbi é o inimigo potencial, Savimbi tem que ser eliminado porque eliminando Savimbi, tudo vai ser melhor, etc.

 As pessoas voltaram para as resistências, eliminou-se o Doutor Savimbi que era a causa principal, até os americanos chamavam-lhe causa excepcional contra os interesses americanos o que era uma verdadeira mentira. Depois de eliminado o Doutor Savimbi, 2002 assinam-se os acordos, as pessoas voltam para aqui, discutimos o processo de transição e agora culminamos hoje com a Nova Constituição que vai ser aprovada amanhã. Mas nesta altura continuamos exactamente a não darmos respostas a situação primeira de 1975, a situação primeira de 91/92, a situação primeira de 2002 à 2010, que é a de discutirmos a nossa angolanidade como povos que não têm outra pátria, que vão continuar aqui permanentemente.


 
F8 – É por aqui que podemos estabelecer a diferença?


SGU – Sim. É ainda em relação a pergunta inicial, sobre a filosofia da UNITA. Quando o MPLA diz: “Um Só Povo, uma Só Nação”, a UNITA diz que isto aqui é um conjunto de nações e é preciso arte e engenho para construirmos uma pátria e a pátria é a filosofia central, é o topo e há necessidade de se respeitar essa diversidade. Portanto, as nações são a base e a super-estrutura é a Pátria.
 
F8 – E qual é a super-estrutura actual?


SGU – A super-estrutura actual é a “Nação Crioula”. E vou dizer mais, a nação crioula em si, não é um mal, é um bem que a própria Angola ganhou. Mas, o que é um grande mal é o seu estigma. O estigma de nação crioula tem de ser retirado da sociedade angolana para definitivamente ultrapassarmos as grandes diferenças que nós temos tido. E esse estigma está assente em quê? É serem os únicos angolanos, os outros não são, os outros não pensam, eles são os melhores, eles é que têm de fazer. Quando chegou a altura de se distribuir as riquezas deste país viu-se o que aconteceu. Hoje os ricos são eles, os grandes empreendimentos são eles, as melhores funções são eles, são eles que dominam tudo e os outros que andam ali na polícia, nas FAA, são mandados apenas para cumprir: este gajo está a fazer mal mata, fulano está a reivindicar mata, e quem manda fica em cima.

E mais, vou lhe dizer uma coisa que neste país poderá ser um escândalo, mas tem de ser o fundamento para as futuras discussões. Mais de 50% das FAPLA eram umbundos. Mas chegados aqui, eu não conheço nenhum umbundo que hoje é um grande General neste país, eu não conheço.
 
F8 – E o General Nunda e outros?


SGU – O General Nunda é produto da UNITA, foi formado na UNITA. Quando veio aqui já era General. E quando falo dos umbundos, estou a falar de outras nações, por exemplo, os kwanhamas, tchokwés, os cabindas, etc. Quando o cabinda está a dizer discutamos esta situação da angolanidade, etc., matam, prendem, chamam terroristas aos outros; quando os homens do Leste de Angola discutem o protectorado das Lundas, prendem. Estão aqui pessoas a serem presas a toda hora e momento.
 
F8 – Mesmo em relação a Baixa de Kassanje!


SGU – Absolutamente. Porquê? Porque a nação crioula tornou-se a super-estrutura deste país e quando as pessoas dizem, “Uma só Nação; Um só Povo”, estão a olhar para a nação crioula, os outros que se submetam. Eles é que ditam as regras do jogo, pescando o António ou o José que quer ficar comigo, o José se pensa como eu, então pronto, fica, agora passa à primeiro-ministro, ou o António, para mostrar que agora estamos todos juntos. Mas se esse indivíduo amanhã mostrar que já não é assim, fica como o Marcolino Moco. Portanto, este estigma da nação crioula é a causa de todos os grandes males deste país. Enquanto não ultrapassarmos isso, Angola vai continuar a ter grandes problemas.


 
F8 – Antes de passarmos a problemática da Constituição, revisão ou não, gostaria de saber, quem é afinal o culpado deste estado de coisas. É o MPLA ou o povo angolano que não consegue perceber, não consegue colocar na sua consciência que de facto, é este o problema e que a causa dos males que ele próprio sente física e espiritualmente é praticamente esta visão que o MPLA tem de Angola e dos angolanos?


SGU – O grande culpado disto tudo, é a elite das várias nações. Esta elite é uma elite cobarde que já vem desde o tempo colonial assimilada. A filosofia de assimilação foi uma política que desviou a elite autóctone de pensar de forma mais consistente para o futuro deste país. Portanto, esta elite é aquela que gosta ir rapidamente para as benesses, não aceita defender as pessoas que precisam de si, as mais desfavorecidas, mesmo as das suas comunidades.
 


F8 – É evidente que os angolanos hoje são 80% pobres, mas são estes mesmos angolanos que continuam a sustentar a política do MPLA!?


SGU – A culpa disso tudo, são as elites destas várias nações. Fundamentalmente porque o português percebeu que, para ficar em Angola o tempo que esteve aqui foi necessário dividir para continuar a reinar.
 
F8 – Para além da decepção que os políticos tiveram com os resultados embora trucados de Setembro 2008, o que mais espanta, é o facto do próprio povo que sofre, ser o mesmo que se rebela contra aquele que o quer ajudar e aliás é o que faz os ocidentais apoiarem esse tipo de governos que mantêm seus países a todo o preço. Qual a sua opinião, como contornar esta situação? Outra questão, as elites que na era colonial eram camponeses e pobres, hoje são as que mais oprimem. Será mesmo a fatalidade dos africanos?
 
SGU – Nós passamos por diversos processos que permitiram a maturação da sociedade angolana. Neste preciso momento, a nossa sociedade vai amadurecendo e eu digo mais: quanto mais feridas a nação crioula for criando no tecido social de Angola, mais a colisão será profunda entre esses vários grupos. Hoje a nação crioula tem de perceber que as suas elites são aventureiras, estão a conduzir esta nação para um precipício. Devíamos parar estes aventureiros que olham apenas para os seus dinheiros, porque nem todos aqueles que pensam como eles, têm dinheiros, também andam por aí.
 

F8 – Pelo que se sabe, cada individuo desses é um Lobby, defende um interesse estrangeiro esses lutam por preservar as comissões, grandes empresas que chegam e pressionam essas elites de hoje. É uma realidade e agora?

 

SGU – Nós vamos ultrapassar isso consciencializando os cidadãos que chegou o momento da grande unidade do povo angolano para criarmos a futura pátria angolana, reivindicando os nossos direitos na rua. Agora temos que ir para a rua, mesmo que tivermos de morrer, e o contexto actual é tão benéfico para esse tipo de lutas que eles não têm hipóteses. Se fizerem massacres como estão a fazer ou fizeram os homens da Guiné Conacry também põem em risco as suas riquezas que estão a criar. Muitos deles depois poderão ser julgados nos tribunais internacionais.
 

F8 – Isto leva-nos a actualidade. Constituição. Por aquilo que dá-me a entender, chegou-se a um desespero de se optar pela via legal que seria autenticar pelo parlamento a Carta Magna. Quase na meta final, vocês abandonaram. Será que não se revêem nesta Constituição que dentro de 24 horas vai ser votada? Depois disso o que se pode esperar da UNITA e de seus deputados?


SGU – É perceber que a UNITA não se retirou inicialmente para não ser outra vez diabolizada como a que sempre inviabiliza os processos. Nós acompanhamos e estivemos activos; lá onde tínhamos que concordar, concordamos; lá onde tínhamos que bater o nosso pé, batemos até que chegamos nas questões que foram chamadas como fracturantes, que são o coração da Constituição e chegamos a este ponto, onde a maioria do MPLA, não permitiu consensos. Uma Constituição não pode ser uma Carta sazonal que passados dois meses, alguém vem e altera-se. Tem de se trabalhar no sentido de termos uma coisa que fica para durar, que não se esgota no tempo e com o tempo. Mas nas questões mais importantes, fundamentais que são o coração dessa Magna Carta, o MPLA regrediu com o sistema democrático. Tornou o Presidente o todo poderoso; deu poderes executivos especiais ao Presidente da República, até poderes especiais legislativos; quando o Parlamento demorar na legislação de determinados actos, o PR tem direito de legislar, é mau para o país. Nós lutamos contra o colonialismo para reavermos a nossa terra, o MPLA não nos quer devolver a nossa terra. A nação crioula não nos quer devolver a nossa terra e constitui um oligopólio que se transforma em donos de grandes terras e se escondem por detrás do Estado totalitário.
 

F8 – Para que percebamos melhor, explique bem o que isso quer dizer. O Estado ou o Governo actuais, não nos quer dar a nossa terra. O que significa isso para o mwangolé de base?


SGU – O que o MPLA quer dizer em palavras assim muito simples é que, quem manda a terra é o Estado angolano, não é o povo. Mas o Estado esquece-se que antes de chegar aqui, quem antes viveu nestas terras é o povo. Portanto, aqui há incongruência. Primeiro devia-se dizer que a terra é propriedade do povo, mas gerida pelo Estado. Mas o MPLA está a fazer o contrário. Diz que a terra é propriedade do Estado e o povo tem de pedir ao Estado (MPLA) e este Estado do MPLA vai ditando as pessoas à quem ele vai dar a terra. Porque se eu pedir a mesma porção a que o senhor Kassoma tem no Huambo, a mim não me dão, porque eu me chamo Abílio Kamalata Numa. Não faço parte deste Estado, não sou considerado angolano, não sou elite do MPLA, não sou crioulo, etc.
 

F8 – Também se pode considerar uma artimanha, uma forma de se legalizar as demolições, destruições que fomos acompanhando nos últimos tempos?

SGU – Tudo isso circunscreve-se na mesma lógica.
 

F8 – A Constituição vai ser aprovada, estamos a 24 horas. Que mensagem se pode lançar ao povo angolano, mais propriamente para aqueles que têm a possibilidade de se dirigir igualmente às largas massas?


SGU – A primeira mensagem que é a nossa fragilidade de que a nação crioula se aproveita, é a falta de unidade no seio dos angolanos. Portanto, lutemos para que esta unidade se crie. É a partir da unidade do povo angolano que nós seremos mais fortes para reivindicar os nossos direitos; o nosso direito a terra, o nosso direito de escolhermos livremente os nossos dirigentes. O Presidente da Republica que é o máximo mandatário da nação, não pode ser eleito na lista de deputados, tem de ser eleito directamente pelo povo. Se é o José António, que seja mesmo este, que não seja o MPLA e depois na lista, José António cabeça de lista. Que não seja isso.
 


F8 - Há aquela máxima que está na boca de toda gente: posso gostar do Petro de Luanda ou do 1º de Agosto, mas não gostar do dirigente desses clubes. O mesmo que dizer: pode-se gostar do MPLA e não se gostar do Presidente do MPLA?


SGU -  Até nós temos tido solidariedade de muitos militantes do MPLA que nos dizem que o nosso maior problema chama-se José Eduardo dos Santos.
 

F8 - Pessoalmente acho uma hipocrisia porque são os mesmos militantes que depois das palmadas nas costas, não corroboram com a vossa linha.


SGU – Não falam porque eles sabem que receberam umas benesses, têm emprego, ganham alguma coisa e eles sabem que se falarem passam à margem, são ignorados, seus filhos pagam, etc. Nós porque estamos habituados nesta luta, nós mobilizamos os nossos filhos ao pior. Mas tenho a certeza que, se as manifestações se forem a multiplicar um pouco por todo o país, eles vão engrossar isso.
 


F8 - Volto à vaca fria. O problema é que, dá-nos a impressão que o MPLA estudou a psicologia do angolano. Concluiu que o angolano ganhou o medo, que grita hoje, mas logo se esquece, que embora massacrado, diz que apesar de tudo, não há outro que o pode defender senão o MPLA e o querido Eduardo dos Santos. Como se pode ultrapassar esta realidade, já que é o angolano que sofre, mas continua agarrado a quem o faz sofrer?


SGU – Em todos os países, esses processos, crescem, amadurecem, depois se realizam. Portanto, Angola não vai ser uma excepção. Temos a certeza que o momento é chegado das elites políticas, cumprirem o seu papel, se colocarem ao lado do povo, ensinarem o povo, o caminho da dignidade e irem a busca da sua realização. Temos a certeza que esta luta começou com este simbolismo que a UNITA colocou no Parlamento em não estar presente na votação em especialidade da Constituição, esta luta começou e vamos continuar.
 

F8 - Esta Constituição é angolana, mas não se configura naquilo que são os ideais da UNITA?


SGU – Não são os deputados do MPLA que representam os angolanos todos. E eles escondem-se através da burla, como quem diz que foi o povo que lhes deu este mandato. Não foi.
 

F8 – Outra realidade é que a maior parte desses deputados não fez campanha, esses foram nomeados em detrimento de outros que realmente confrontaram os eleitores!?


SGU – Este país, não é um país de burros, não é verdade. Porquê que indivíduos que roubaram biliões de dólares, indivíduos que hoje suas famílias são as únicas que mandam nisso, indivíduos que têm tudo, ainda são os indivíduos mais votados. Isso é uma pura mentira, o povo angolano não aceita isso. Portanto, vamos corrigir essa democracia que o MPLA nos tenta impor, vamos corrigir a Constituição, conquistando direito de votar para os nossos dirigentes, conquistando o direito de termos acesso a nossa terra, conquistando o direito para que as nossas línguas nacionais se tornem oficiais tal e qual o português, porque o que se vai falar aqui em Angola daqui a 50 anos, não será o português, eu acredito.
 


F8 – O grande problema é que o Angolano só pensa no hoje, está se borrifando pelo amanhã, sobretudo o amanhã longínquo. É igualmente da opinião de que, com a educação e o ensino, também morreu a nação!?


SGU – A cultura herdada do colonialismo, esta tenta esbater-se, embora verifica-se ainda um bocadinho n’alguns mais velhos. Dias atrás, estava a escutar uma jornalista da LAC a dizer uma coisa que eu gostei imenso. Ela, n’outros termos dizia mais ou menos assim: se pelo menos os governantes adoptassem esta palavra de ordem do tempo colonial, eu ficaria satisfeita: “Deus, Pátria e Família”. Porque de facto era uma palavra de ordem tão precisa, mas que hoje ninguém se recorda dela, foi substituída por um só povo, uma só nação. É essa cultura que o MPLA tentou colocar neste país. O meu filho que estudou algum tempo na Costa do Marfim, certo dia diz-me assim: Pai, o tempo que eu estive ali, nunca vi na rua pessoas a lutarem. O que vejo aqui é terrível. Lutas constantes, justiça por mãos próprias, é a cultura que o MPLA introduziu neste país. As pessoas aqui, se você não tiver a bandeira no carro, significa que não é angolano, se você não estiver a buzinar quando Angola ganha, você não é angolano. Não. Porque ninguém sabe o que realmente vai na alma de cada um. Mas, é esta a cultura do angolano. O MPLA, introduziu a cultura da retirada dos poderes aos professores. Aqueles professores que ensinam para termos o homem novo, numa Angola nova, tiraram-lhe o poder. Chega-se na turma de aulas, o professor não é nada, quem manda é o aluno, o aluno é que diz, camarada professor, etc. Tirou-se o poder aos pais, tudo isso é a cultura que o MPLA introduziu. As meninas andam pelas ruas de forma escandalosa. Nos países de onde se importa estas roupas, ou usam-nas na praia ou por gente indecente. Mas é a cultura que o MPLA introduziu.
 
F8 – O problema é que, na realidade angolana, para os jovens em particular, ir contra isso, é um crime!


SGU – E mais, o MPLA anestesia a população angolana, a juventude com o futebol, com as bebedeiras, com o Ku-duro, com essas coisas mesquinhas que nos desviam do essencial, enquanto eles próprios, aqueles que mandam no país, vão ficando com as riquezas, vão ficando com os dinheiros.
 


F8 – Quer dizer, encorajam, mas não se envolvem nisso. Ficam apenas no apreciar como quem para o circo vai?

 

SGU - Repare só para as bancadas do Estádio 11 de Novembro se não vai ver apenas os pobrezinhos anestesiados, quase enlouquecidos a dançarem. Enquanto os filhos da elite, dos papazinhos, não vão ao campo, porque não se querem misturar. Estão frente aos seus televisores bem instalados ou, se forem estão lá bem colocados. Porquê? Porque eles não são povo, eles são a super-estrutura deste país, estão acima de tudo e de todos.