Luanda - INTERVENÇÃO DE APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE LEI DE REVISÃO CONSTITUCIONAL DE INICIATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ASSEMBLEIA NACIONAL, 18 DE MARÇO DE 2021

ADÃO DE ALMEIDA
(Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República)


Sua Excelência
Fernando da Piedade Dias dos Santos
Presidente da Assembleia Nacional

Excelentíssimos
Senhoras e senhores Deputados

No passado dia 2 de Março do corrente ano, SUA EXCELÊNCIA JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO, PRESIDENTE DA REPÚBLICA, exerceu, nos termos do artigo 233.º da Constituição da República de Angola, iniciativa de revisão constitucional. Trata-se da primeira iniciativa de revisão constitucional no âmbito da Constituição de 2010, exercida 11 anos após o início da sua vigência, que respeita os limites de revisão constitucional e que resulta, como referiu o SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA na abertura da II sessão ordinária do Conselho de Ministros, “de uma profunda reflexão e de um estudo aturado, mas, sobretudo, da experiência resultante da sua aplicação”. Continuando a citar o SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA, “com esta proposta de revisão pontual da Constituição, pretende-se preservar a estabilidade dos seus princípios fundamentais, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo-a ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalização política e melhorar o relacionamento institucional entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiências”.

Excelência
Presidente da Assembleia Nacional

Ilustres
Senhoras e senhores Deputados

Cabe-me a honra de, perante esta augusta Assembleia Nacional e nesta importante sessão, proceder à apresentação dos termos gerais da proposta de revisão constitucional de iniciativa do SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

A proposta de revisão pontual da Constituição prevê alterar 28 artigos, aditar 6 artigos e fazer 4 revogações.

Permitam-me, entretanto, que comece por delimitar negativamente a proposta. Ou seja, que comece por dizer o que a proposta não prevê, o que a proposta não deseja e o que não pode ser atribuído à proposta. Assim:

• A proposta não prevê, nem pretende adiar as eleições gerais de 2022;

• A proposta não prevê, nem pretende aumentar os poderes constitucionais do Presidente da República;

• A proposta não prevê, nem pretende estender o mandato do Presidente da República;

• A proposta não prevê, nem pretende limitar direitos políticos de nenhum cidadão angolano;

• A proposta é aberta, clara e objectiva, não tendo quaisquer outras intenções qua não as que constam do seu texto.

Então, o que se pretende com a presente proposta de revisão pontual da Constituição? Pergunta pertinente que merece respostas claras e objectivas.

O essencial da proposta pode ser resumido, entre outros, nos seguintes objectivos:

1. Melhorar o relacionamento institucional entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional, através da clarificação dos instrumentos de fiscalização política;

2. Reforçar o papel e a intervenção do Parlamento em vários assuntos da vida nacional;

3. Consagrar elementos que potenciam a estabilidade do funcionamento do sistema político;

4. Proceder a um reforço institucional em vários domínios, através da redução da margem de discricionariedade do Presidente da República no exercício de certas competências constitucionais;

5. Reforçar a posição constitucional do Banco Nacional de Angola, enquanto Banco Central, através da constitucionalização da sua autonomia face ao Poder Executivo;

6. Reforçar direitos políticos dos cidadãos, através da universalização do direito de voto a todos os angolanos residentes no exterior;


7. Clarificar vários conceitos e institutos no domínio das inelegibilidades, da administração pública e, particularmente, da administração local, da descentralização administrativa, do registo eleitoral, do Provedor de Justiça, entre outros;


8. Clarificar aspectos respeitantes ao funcionamento do Poder Judicial, preservando a sua independência, a sua dignidade e a sua soberania, e reforçando o papel do Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Sem prejuízo da reserva da apresentação e discussão detalhadas que a matéria terá em sede das Comissões de Trabalho Especializadas da Assembleia Nacional, permito-me destacar os seguintes aspectos:

a) O artigo 162.º, sobre a competência de controlo e fiscalização da Assembleia Nacional carrega consigo uma das matérias que mais precisa de clarificação na actual Constituição. Todos sabemos que há interpretações díspares sobre esta matéria. Tal situação introduz dúvidas sobre o funcionamento das instituições e do sistema político e não joga a favor de um relacionamento saudável entre os órgãos constitucionais Presidente da República e Assembleia Nacional. Há que clarificar. Por isso, neste domínio, a proposta constitucionaliza quatro elementos adicionais de fiscalização política, nomeadamente: a apreciação parlamentar dos relatórios trimestrais de execução do Orçamento Geral do Estado, as audições parlamentares aos membros do Executivo, as interpelações parlamentares aos membros do Executivo e a realização de inquéritos parlamentares. Uma vez aprovada, esta alteração potenciará um melhor relacionamento institucional entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional e eliminará as dúvidas sobre os mecanismos de fiscalização política. Cabe ao Poder Executivo governar e ao Parlamento fiscalizar a acção governativa.

b) As alterações ao artigo 100.º, sobre o Banco Nacional de Angola, visam dar um passo em frente no que respeita à posição institucional do Banco Central e fazer um avanço institucional que reputamos de bastante relevância. Pretende-se que o Banco Nacional de Angola seja uma verdadeira entidade administrativa independente e, nessa qualidade, capaz de prosseguir as suas atribuições e competências de modo autónomo e sem interferências do Poder Executivo, com ele estabelecendo uma relação de cooperação institucional. Por outro lado, decorrente da sua natureza, propõe-se o alargamento da legitimação do seu Governador através da intervenção da Assembleia Nacional no processo da sua designação por via da audição parlamentar do candidato. Isto é, antes de o nomear, o Presidente da República deve, nos termos da proposta, apresentar o candidato ao Parlamento para que o seu percurso e a sua experiência sejam avaliados. Esta medida tem um alcance institucional e político relevante, uma vez que reforça o papel do Parlamento, diminui a margem de discricionariedade do Presidente da República e reforça os mecanismos de interinfluência recíproca entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional. A separação e a interdependência de funções ganham aqui um elemento adicional de concretização prática.

c) No artigo 143.º é proposta uma alteração que, sendo subtil na forma, é da maior relevância no conteúdo e no alcance. Superadas as dificuldades contextuais que o passado recente nos apresentava e não negligenciando a dimensão do desafio que a medida acarreta, garantir o direito de voto aos cerca de 400.000 angolanos que se estima residirem no exterior é, não apenas justo, mas necessário. Subjacente a esta proposta do SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA está uma mensagem para todos nós: Angola precisa de todos! Todos estamos convocados para as grandes decisões nacionais e para participarmos da definição o nosso destino colectivo. Angolanos somos todos, os que vivem em Angola e os que não vivem em Angola!

d) No artigo 104.º e nos artigos 198.º e seguintes são propostos alterações e aditamentos que visam, por via da clarificação, o reforço da dimensão constitucional da administração pública e, em particular, da administração local. São clarificados e reforçados aspectos relevantes para afirmação do princípio da descentralização administrativa e para o funcionamento autónomo das autarquias locais. Retirar o orçamento das autarquias locais do Orçamento Geral do Estado é, não apenas uma correcção conceptual, mas uma medida de reforço da autonomia local. Os orçamentos das autarquias locais devem ser aprovados pelos seus órgãos. Ao Estado deve caber apenas prever os recursos financeiros a transferir para cada autarquia em cada ano fiscal. Não menos importantes são as clarificações sobre a figura das entidades administrativas independentes e sobre os princípios gerais da sua organização e funcionamento.

e) No artigo 242.º é proposta uma revogação com um alcance político da maior dimensão. O processo de institucionalização das autarquias locais, cuja legislação está em discussão nesta Casa, tem sido condicionado pela existência de visões diferentes sobre o sentido e alcance do n.º 1 do artigo 242.º. Ao estabelecer que “a institucionalização efectiva das autarquias locais obedece ao princípio do gradualismo” a Constituição faz uma opção quanto à cadência do processo de implementação. De 2010 para cá, o que era consensual passou a ser fracturante. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Contudo, mais do que estagnar num debate e na defesa intransigente das posições de base, urge encontrar uma solução! O primeiro passo para isso está dado com a presente proposta. Com a desconstitucionalização do princípio do gradualismo, eliminam-se quaisquer pré definições constitucionais e abre-se uma porta para que o debate político a decorrer no Parlamento se faça e os consensos sejam encontrados. Com esta revisão, gradualismo ou não gradualismo passa a ser uma decisão política e não uma opção constitucional. Uma vez aprovada esta proposta restará dizer “Que continuem os debates e que se alcancem os consensos!”

f) Na proposta de alteração do artigo 110.º está subjacente uma outra diminuição da margem de discricionariedade do Presidente da República no exercício de uma competência constitucional. Ao se propor um período fixo para a realização das eleições gerais, ao contrário do modelo actual que confere ao Presidente da República o poder de marcar a data das eleições devendo estas ocorrer até 30 dias antes do fim do mandato, pretende-se, não apenas estabilizar o calendário eleitoral, mas, sobretudo, conferir previsibilidade aos intervenientes, reforçar as instituições e reforçar a democraticidade dos processos eleitorais. Com esta revisão, qualquer partido político e qualquer candidato programa a sua agenda independentemente do acto formal de convocação das eleições gerais. Mais previsibilidade significará também mais imparcialidade na competição política.

g) Não menos importante são as clarificações e aditamentos feitos ao artigo 110.º, sobre as inelegibilidades e impedimentos. Para além da clarificação conceptual proposta entre o que são inelegibilidades e o que são impedimentos, é proposta uma nova inelegibilidade específica para as situações de auto-demissão política nos termos do artigo 128.º. Nos termos da redacção original da Constituição, por via da auto-demissão política no seu segundo mandato, um Presidente da República pode concorrer e fazer-se eleger para um terceiro mandato. A proposta sobre a mesa impede, de modo claro e inequívoco, a possibilidade constitucional de tal hipótese, fazendo com que o Presidente da República em Angola possa ter no máximo dois mandatos. Como atrás referimos e também aqui fica provado, com a presente proposta não se pretende criar condições para a extensão ou alargamento de mandatos do Presidente da República.

h) No artigo 135.º é proposta a alteração da composição do Conselho da República, passando este a contar com 15 membros designados pelo Presidente da República contra os actuais 10. Tal alteração permitirá uma maior representatividade de segmentos da sociedade angolana neste importante órgão de consulta do Presidente da República, enriquecendo a sua composição e o seu papel e relevância. Uma sociedade tão rica e plural como a nossa merece mais espaço nos diferentes órgãos de decisão e aconselhamento.

i) A proposta sugere ainda o aditamento de 6 artigos, sendo de destacar o artigo 116.º A, sobre a “gestão da função executiva no final do mandato”. Com esta proposta pretende-se limitar os poderes do Presidente da República em final de mandato, no período compreendido entre o início da campanha eleitoral e a tomada de posse do Presidente da República Eleito. Uma vez mais, subjacente a esta proposta, vai uma mensagem de reforço das instituições, vai uma mensagem de redução dos poderes do Presidente da República e vai uma mensagem que evoca a estabilidade das instituições democráticas.


Excelência
Sr. Presidente da Assembleia Nacional

Ilustres
Senhoras e senhores Deputados

O conjunto de propostas acima referidas e as demais constantes do texto da proposta podem ser sintetizadas nalgumas palavras-chave: estabilidade, reforço das instituições e sentido de Estado.

Estabilidade, dos princípios fundamentais de uma Constituição com apenas 11 anos e aprovada com uma base bastante alargada de consenso. Estabilidade, para resistirmos à tentação de uma reforma profunda da Constituição sem que ela tenha tido a oportunidade de se afirmar, sem que o tempo a tenha testado o suficiente. Estabilidade, porque quanto maior ela for, mais rapidamente se consolidam as instituições e mais eficiência governativa conseguimos.

Reforço das instituições, para que estas prevaleçam sobre os indivíduos, para que o relacionamento interinstitucional decorra sem instabilidades relevantes e cada órgão desempenhe as suas funções de acordo com a sua vocação natural e constitucional. Reforço das instituições, porque instituições fortes fazem nações fortes.

Sentido de Estado, pela frontalidade das questões colocadas junto dos órgãos competentes, pelo conteúdo material das propostas e pela consciência de que uma revisão pontual bem sucedida é importante para o país. Sentido de Estado, para ver a proposta em discussão como uma proposta e apenas como uma proposta e que despoleta um processo de revisão constitucional há muito reclamado. Sentido de Estado, não só para apresentar propostas concretas, mas para se disponibilizar para o debate aberto e com o objectivo de construir consensos.

Ilustres Deputados

Estamos, pois, perante uma iniciativa de revisão constitucional pertinente, útil e necessária. Porque a clarificação se impõe e porque a estabilidade no relacionamento institucional o exige. Porque a carência de reforço institucional existe e precisa de ser eliminada. Para que a estabilidade política perdure e para que maior eficiência governativa se alcance. Porque as dinâmicas política e social demandam e porque a longevidade desejada da Constituição o exige. Para continuarmos a construir uma Pátria una e indivisível.

Trata-se de uma revisão pertinente, útil e necessária, para que a nossa Constituição seja uma melhor Constituição e um instrumento adequado à construção de uma sociedade de paz, justiça e progresso social.

Que se faça o debate e que vença ANGOLA!


Muito obrigado