Luanda - COMUNICAÇÃO REALIZADA NA UNIVERSIDADE LUSIADA DE ANGOLA, NO DIA 1 DE ABRIL DE 2021, SUBORDINADA AO TEMA: “ O CAMINHO PARA A CONSTRUÇÃO E ALCANCE DA PAZ EM ANGOLA.” FORAM PRELETORES, O GENERAL PEDRO NETO E O SECRETÁRIO DE ESTADO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, MARIO AUGUSTO CAETANO JOÃO.

Magnifico Reitor da Universidade Lusíada de Angola
Ilustres professores
Digníssimos Académicos e Docentes
Caríssimos Estudantes e Representantes da comunicação social
Caros Convidados
Senhoras e senhores

Agradeço o convite que me foi endereçado pelo Magnífico Reitor da Universidade Lusíada de Angola para partilhar com vossas excelências, reflexões sobre o “ Caminho para a Construção e Alcance da Paz em Angola”.

 

Felicito esta iniciativa que junta, também, como preletores, o General Pedro Neto e o Secretario de Estado para a Economia e Finanças, o Dr. Mário Augusto Caetano João, por se realizar no quadro das Comemorações da Paz e da Reconciliação Nacional no nosso país, com o propósito de reafirmar a importância do Memorando de Entendimento do Luena, também conhecido por Acordo do Luena, assinado entre a UNITA e o governo de Angola, no dia 4 de Abril de 2002, na capital da província do Moxico, que puseram fim a guerra civil angolana.

 

Numa perspectiva histórica, podemos identificar, no longo caminho para a construção da Paz e da Reconciliação Nacional no nosso país, quatro acontecimentos políticos importantes de grande dimensão histórica, que marcaram de forma indelével o percurso político angolano, entre Janeiro de 1975 e Fevereiro de 2002. Estes acontecimentos são, em primeiro lugar, a assinatura dos Acordos de Alvor, assinados em Portugal, em 15 de Janeiro de 1975, entre o governo português e os Representantes dos três Movimentos de Libertação Nacional de Angola, Agostinho Neto, Presidente do MPLA, Holden Roberto, Presidente da FNLA e Jonas Malheiro Savimbi, Presidente da UNITA; em segundo lugar, os Acordos de Bicesse assinados também em Portugal, em Maio de 1991, entre a UNITA e o Governo da República Popular de Angola; em terceiro lugar, o Protocolo de Lusaka, assinado entre a UNITA e o Governo de Angola, na Zâmbia, a 20 de Novembro de 1994, e o quarto acontecimento político, a assinatura do Memorando de Entendimento do Luena, a 1 de Abril de 2002, na província do Moxico, entre a UNITA e o Governo da República de Angola , há precisamente 19 anos.

Senhoras e senhores


Na base desta contextualização, e começando pelos Acordos de Alvor, interessa referir, em primeiro lugar, as diligências diplomáticas realizadas pelo Dr. Savimbi em finais de 1974 que realizou encontros importantes com os Presidentes Holden Roberto e Agostinho Neto, respectivamente em Kinshasa e no Luena, em Novembro e Dezembro de 1974. Estes encontros permitiram a construção de entendimentos que conduziram à realização da Cimeira de Mombaça, no Quénia, a 5 de Janeiro de 1975.

Nesta cimeira de Mombaça, os líderes dos três movimentos acordaram no estabelecimento de uma plataforma comum que levaram para Portugal para a cimeira com o Governo Português, que se realizou no Algarve, entre os dias 10 e15 de janeiro de 1975, de que resultou a assinatura dos Acordos de Alvor. As partes signatárias concordaram com a data de 11 de Novembro de 1975, como dia da proclamação da independência Nacional, mas também com a formação de um governo de transição, que foi de pouca dura, e com a realização de eleições gerais para uma Assembleia Constituinte, que nunca se realizaram. Estas eleições estavam previstas para serem realizadas antes da proclamação da independência em Novembro de 1975.

Sem o empenho de Portugal que se manteve parcial no processo de descolonização, acabaram por fracassar os Acordos de Alvor, como reconhece Alexandra Marques, no seu livro “ Segredos da Descolonização ” ao mencionar que o Movimento das Forças Armadas Portuguesas (MFA), responsável pela descolonização de Angola,” se encontrava cada vez mais dividido entre os que pretendiam entregar o Poder em exclusivo ao MPLA e os que ainda tentavam que Savimbi e Agostinho Neto aparecessem juntos em Luanda, para Portugal puder honrar ( ainda que apenas parcialmente) o compromisso assumido, na Penina.” Pág.20,2013)

 

Prevaleceu a primeira opção, com todas as consequências conhecidas, numa altura em que as confrontações se intensificavam em todo território e, em Luanda, em particular, transformando Angola num campo de batalha, com o envolvimento de forças estrangeiras, que se imiscuíram nos problemas internos do país. Para além da complexidade das questões internas, ligadas ao processo de descolonização, Angola era já vítima da guerra-fria.

Excelências


A cimeira de Nakuro, realizada em Junho de 1975, como uma nova iniciativa para salvar os Acordos de Bicesse, resultou em fracasso, e o país mergulhou novamente numa guerra civil que se arrastou até à assinatura dos Acordos de Bicesse. Com a expulsão da UNITA e da FNLA de Luanda, em Julho de 1975, as celebrações da proclamação da independência nacional em Novembro de 1975, decorreram simultaneamente em Luanda, no Uíge e no Huambo. O país nascia dividido como consequência das fracturas do nacionalismo angolano, decorrente da incapacidade das lideranças dos movimentos de libertação nacional, de criarem entre si uma plataforma comum de luta contra o colonialismo português. Contudo, é importante referir que os Acordos de Alvor, pelo sentido histórico que encerram, foram, de facto, a primeira grande tentativa para a construção da paz em Angola, em 1975.

Excelências


Depois de 16 anos de uma guerra civil intensa, com forte envolvimento de forças estrangeiras, e perante o impasse das batalhas do Cuíto Cuanavale entre 1987 e 1988, ficou acordado entre as partes em conflito, a assinatura de um acordo quadripartido, no quadro da resolução 435/79 das Nações Unidas que determinou a retirada simultânea das forças sul africanas da Namíbia e das forças cubanas de Angola, e o início de negociações directas entre a UNITA e o Governo da República Popular de Angola. Este processo conhecido por “ linkage ”, foi inspirado por Chester Croker, então Subsecretário de Estado para os Assuntos Africanos do governo americano.

Foi neste contexto em que foram assinados, em Maio de 1991, em Lisboa, Portugal, os Acordos de Bicesse, entre a UNITA e o Governo da República Popular de Angola, pelos Presidentes José Eduardo dos Santos, e Jonas Malheiro Savimbi, respectivamente, depois de vários encontros, exploratórios e de trabalho, entre as partes em conflito que ocorreram em Nova York, Brazzaville, Cairo, Londres e Genebra para a procura de uma solução global. Os encontros iniciais foram entre Cuba, Africa do Sul e e o governo angolano.

Com a aplicação da resolução 435/78 das Nações Unidas, davam-se passos muito importantes para a construção da paz regional. Os sul africanos retiraram-se da Namíbia que administravam sob Mandato das Nações Unidas, e pouco depois a SWAPO proclamava a independência da Namíbia, a 30 de Março de 1990 e os cubanos e os assessores russos retiravam-se igualmente de Angola; Nelson Mandela foi libertado em Setembro 1990 e, em Angola começaram as negociações directas, entre a UNITA e o Governo angolano. Estas negociações que levaram a assinatura dos Acordos de Bicesse contaram com a mediação portuguesa, envolvendo directamente, Durão Barroso, então Secretário de Estado dos Assuntos Externos e da Cooperação Internacional do governo português; as Nações Unidas, os Estados Unidos da América e a União Soviética, na qualidade de observadores.

Os acordos de Bicesse, também conhecidos por Acordos de Paz para Angola, tinham como objectivo final. terminar a guerra civil. Formar o exército único e implementar no país o sistema multipartidário, em substituição do regime de partido único, então em vigor no país desde Novembro de 1975, bem como a realização de eleições gerais, presidenciais e legislativas, as primeiras que se realizaram no país, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992. Mas nenhum dos dois Presidente, tanto JES como JMS, teve mais de 50% dos votos validamente expressos, o que exigia a realização de uma segunda volta que nunca se realizou, o que aprofundou as contradicções entre a UNITA e o MPLA, bem como as desconfianças mútuas, resultantes das diferenças políticas, ideológicas e das divergências do passado. Contudo, deve-se sublinhar que os Acordos de Bicesse estabeleceram os fundamentos do sistema político e democrático de Angola, com a institucionalização do sistema multipartidário vigente no país, que tem de ser aperfeiçoado.

 

Antes da assinatura dos Acordos de Bicesse, fracassara a iniciativa africana, realizada em junho de 1989, sob mediação do Presidente Mobutu, conhecida por Cimeira de Badolite que defendia o exilio dourado para o Dr. Savimbi, num país africano.

Senhoras e senhores


O impasse eleitoral decorrente da falta de transparência nas eleições de 1992, fez subir em espiral a tensão política em Luanda, que forçou a saída clandestina de dirigentes da UNITA para o Huambo, incluindo o Dr. Savimbi, ao que se seguiram os massacres de Luanda e da Sexta-feira sangrenta, em que foram também mortos os negociadores da UNITA, entre estes, Salupeto Pena, Jeremias Chitunda, Alicerces Mango e Job Chimbili, o que incendiou novamente o país, agravado, mais tarde pelas sanções das Nações Unidas impostas à UNITA. Aprofundaram-se ainda mais o clima de desconfianças. Em novembro de 1994 foi assinado, na República da Zâmbia, sob mediação das Nações Unidas, o Protocolo de Lusaka, como adenda aos acordos de Bicesse. Da parte angolana, assinou o Protocolo, Venâncio de Moura, então Ministro das Relações Exteriores do governo de Angola, e da parte da UNITA, Eugénio Ngolo Manuvakola, na qualidade de Secretario Geral da UNITA.

 

O acordo tinha por finalidade a desmobilização dos soldados das FAPLA e das FALA e a formação de um governo de Unidade e Reconciliação Nacional ( GURN ) que incluiu todas as forças políticas com assento parlamentar, saídas das eleições de Setembro de 1992. O GURN foi empossado a 11 de Abril de 1997, mas sem um programa de consenso. As desconfianças entre as partes persistiram, apesar do esforço de mediação de Alioune Blondin Beye, Maitre Beye, Representante Especial do Secretario Geral das Nações Unidas que faleceu a 26 de Junho de 1998, vítima de um acidente aéreo, durante a digressão que realizava por vários países africanos em busca de uma solução para a paz em Angola. Tencionava de facto relançar o processo de paz, depois do fracasso do Protocolo de Lusaka. Desde então, nenhum inquérito foi realizado para se entenderem as causas do acidente aéreo.

 

Depois de um período de não guerra e não paz, a UNITA realizou, em 1995, o seu 8º Congresso, no Bailundo, onde ficaram claras as desconfianças que subsistiam sobre as intenções do governo angolano. Mesmo assim foram enviados para Luanda os quadros da UNITA que integraram o governo de Unidade e Reconciliação Nacional de Angola. Mas em 1999 recomeçou a guerra com extrema violência que terminou em 2002, com a morte em combate do Dr. Jonas Malheiro Savimbi, e a assinatura do Memorando de Entendimento do Luena, também conhecido por Acordo do Luena, entre a UNITA e o Governo de Angola.

 

Os Acordos do Luena, assinados a 4 de Abril de 2002, encerraram um dos capítulos mais longos e sangrentos da história das guerras de Angola. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACANUR), cerca de um milhão de angolanos foram mortos, entre 1975 e 2002. Outros milhares refugiaram-se nos países vizinhos de Angola, nomeadamente na Zâmbia, Namíbia, RDC e Congo Brazzaville que regressando ao país. Centenas de milhares ficaram mutilados e muitos continuam desaparecidos.

 

Enquanto adenda ao protocolo de Lusaka, o Memorando de Entendimento do Luena, reiterou os elementos principais dos Acordos de Bicesse de Maio de 1991 e do Protocolo de Lusaka de Novembro de 1994, com ênfase o processo de desmobilização e reinserção social dos ex-militares de ambos os lados. Concluiu-se também a integração de oficiais de patente maior nas forças armadas angolanas e na polícia.

 

Como conclusão, deve-se evidenciar que foram, de facto, longos e difíceis os caminhos para a conquista do calar das armas no nosso país. O 4 de Abril marca, assim, o início de uma nova etapa na história do nosso país, e de partilha de reflexões sobre a reconciliação nacional, a alternância do poder e a construção da nação angolana. Transformar o calar das armas, em paz social, é o desafio maior para a construção da estabilidade política e social do país.

 

Para as novas gerações de angolanos e para os jovens intelectuais em particular, fica o desafio do seu contributo para a construção dos alicerces de um Estado de Direito Democrático que se quer para o país.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Luanda, 1 de Abril de 2021
Alcides Sakala
Deputo