Luanda - Para João Van Dunem, membro da Associação 27M, recuperar os restos mortais vai permitir às famílias "prestar uma derradeira homenagem, honrando a sua luta e a sua memória".
Fonte: Lusa
Um dos órfãos do 27 de Maio, João Van Dunem, aguarda "serenamente" os restos mortais dos seus pais, salientando que a promessa do Presidente angolano vai ao encontro das preocupações dos filhos das vítimas da alegada tentativa de golpe.
"O mais importante a reter desta comunicação do Presidente, perante os angolanos e o mundo, é a promessa de entrega dos restos mortais dos nossos pais. Vamos aguardar serenamente pelo cumprimento dessa promessa, que vai ao encontro das nossas preocupações enquanto filhos ao longo dos últimos 44 anos", disse à Lusa o filho de José Van-Dunem, um dos "braços direitos" de Nito Alves, o alegado comandante de uma tentativa de golpe de Estado ocorrida a 27 de maio de 1977, e de Sita Valles, todos mortos pelo regime de então.
Com a morte dos pais, quando tinha 3 meses, João Van-Dunem foi criado pela atual da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dunem, irmã de José Van-Dunem.
Para João Van Dunem, membro da Associação 27M, recuperar os restos mortais vai permitir às famílias "prestar uma derradeira homenagem, honrando a sua luta e a sua memória".
Na quarta-feira, o Presidente angolano, João Lourenço, pediu desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio, salientando que se trata de "um sincero arrependimento".
"Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do estado angolano as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumarias naquela altura e naquelas circunstâncias", disse o chefe do executivo angolano.
João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela Televisão Pública de Angola, na véspera da data do alegado golpe do 27 de Maio de 1977, que será pela primeira vez assinalado com uma homenagem em memória das vítimas, mas que foi considerada uma "encenação teatral" por duas associações de sobreviventes.
O pedido de desculpas era uma reclamação dos sobreviventes e das organizações que representam as vítimas e os seus descendentes, agrupadas na Plataforma 27 de Maio.
O chefe do executivo angolano anunciou esta quinta-feira também que será iniciado o processo de entrega das primeiras certidões de óbito aos familiares e nos próximos dias terá início o processo de localização dos restos mortais e ossadas de figuras destacadas envolvidas na alegada tentativa de golpe, como Nito Alves, Sita Vales, José Van Dunem, ex-militares e outras vítimas do 27 de maio, para exumação e entrega aos familiares.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves, então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Seis dias antes, a 21 de maio, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MLPA, no poder) expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente, o controlo da estação da rádio nacional, um movimento que ficou conhecido como "fraccionismo".
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.
Em abril de 2019, o Presidente angolano ordenou a criação da Comissão de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2002 (fim da guerra civil).