Lisboa - A melhor forma de promover a união interna é criar um inimigo externo. O governo angolano retomou esta estratégia em reação à informação veiculada no dia 17 de junho, segundo a qual o Ministério Público português está a investigar João Batista Borges, o ministro angolano da Energia. Em causa, segundo avançou a TVI, estará um eventual branqueamento de capitais, embora fique por esclarecer uma questão fundamental, a de saber o crime subjacente a esta alegada prática.

*Celso Filipe
Fonte: Negócios

As suspeitas em torno de João Batista Borges foram tornadas públicas no início do ano, pela mesma estação, e nessa altura a resposta foi o silêncio. O que mudou agora foi o facto de uma pergunta sobre a investigação ter sido formulada ao ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, no decurso de uma visita a Portugal.

Quatro dias antes, mais propriamente a 13 de junho, o jornal i começava a pintar este quadro avançando existirem “vários processos na justiça portuguesa que ameaçam tornar-se novos ‘irritantes’ nas relações com o governo de Angola”.

O mesmo jornal dava ainda conta de um texto que se havia tornado viral nas redes sociais e cujo teor era o seguinte: “O Presidente português chamou o primeiro-ministro, António Costa, e pediu, num tom agressivo, explicações sobre o que se está a passar com o Governo, quando encoraja a produção de notícias contra as autoridades angolanas e têm os seus membros em conversinhas com jornalistas que mais não fazem senão manchar a imagem do governo angolano. (…) A conversa entre Marcelo e Costa está a ser muito comentada nas redações e órgãos de comunicação social e está a provocar divisões entre jornalistas e membros da direção (...), há relatos de que nos próximos tempos a TVI pode perder jornalistas, com demissões, por estes estarem contra as manobras técnicas, que passam pela invenção de factos, tratamento insultuoso dos dirigentes angolanos, faltas de respeito ao Presidente angolano.”

A conversa naturalmente falsa serviu, todavia, os seus propósitos. Passar a mensagem do descontentamento angolano, avisar que isso pode toldar as celebrações dos 25 anos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e abrir caminho a uma resposta das autoridades angolanas, materializada num editorial da TPA (Televisão Popular de Angola) lido a 19 de junho. “A partir de Lisboa, há quem ainda pense ser possível fazer ingerência abusiva e grosseira nos assuntos de outros Estados da mesma comunidade, cujos povos partilham não só a língua, a cultura, mas que, ao longo de séculos, construíram uma história comum. Os meios de comunicação, neste casos, são apenas os veículos de transmissão desta campanha de desestabilização dos nossos países, daí não acusarmos nenhum deles em concreto. (…) Essas forças, que hoje se julgam no direito de pressionar o Chefe de Estado angolano a demitir ministros, como se isso fosse possível, deveriam pressionar a justiça portuguesa a abrir processos-crime contra os cidadãos portugueses que geriram as fortunas angolanas exibidas em Portugal nos últimos vinte anos e que, na altura, eram consideradas bem-vindas, com a conivência de muito boa gente hoje travestida de moralista sem moral”.

O referido editorial, no entanto, ao contrário do que aconteceu em ocasiões anteriores, durante a vigência de José Eduardo dos Santos , poupa o poder político e judicial. “No meio de toda esta pouca-vergonha, atrevimento e insensatez, resta-nos a consolação de, a nível institucional, o Chefe de Estado português, o Governo português e a justiça portuguesa trabalharem sempre pela manutenção das boas relações de amizade e de cooperação entre os nossos países, mantendo-se longe dos círculos que nos querem tratar como meras marionetas de circo, embora devessem saber que com Angola isso não é possível.”

A resposta indignada a uma história com meio ano está longe de ser inocente. Antes de mais, procura condicionar acontecimentos futuros. E, num segundo momento, visa recuperar a habitual narrativa de que em Portugal manda ainda um sentimento neocolonialista que se arroga a uma certa superioridade moral quando se trata de avaliar a situação em Angola, para consolidar a ideia de que o país está a ir no caminho certo.

Nesta medida, eleger um inimigo, ainda que difuso, e lançar um alerta laranja sobre o futuro das relações bilaterais, puxando pelo primado do orgulho nacional, é uma via fácil de diversão e serve para mitigar outros problemas, particularmente os de natureza económica.

No meio de tudo isto, seria interessante saber quais foram as “fontes” que estiveram na origem das notícias sobre João Batista Borges e a sua nacionalidade.