Luanda - Nota previa: A Historia é património inestimável da Humanidade. Jonas Malheiro Savimbi. Provavelmente um dia se estude com maior profundidade quem foi na realidade este homem nascido no Munhango em 3 de Agosto de 1934 e que fundou e dirigiu a UNITA desde 1966, após ter militado em outras forcas nacionalistas angolanas no seio das quais nunca se conseguiu realizar. No inicio dos anos sessenta chegou a ocupar o cargo de ministro dos negócios estrangeiros do denominado Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE) formado em Abril de 1962 pela UPA (União dos Povos de Angola). Em pouco tempo Savimbi se incompatibilizaria de forma irreversível com Holden Roberto e, em meados1964, aconteceria a ruptura definitiva entre os dois.

Fonte: Club-k.net

“Sabes vencer Aníbal, mas não sabes aproveitar a vitoria”

Savimbi era um homem desmedidamente ambicioso pelo poder. Tinha uma personalidade complexa e ideologicamente era assaz controverso e perigosamente imprevisível, a ponto de se ter aliado ao regime racista da Africa do Sul durante a vigência do “apartheid”. “As armas que eles (os sul-africanos) nos fornecem, cheiram a pólvora, não cheiram a apartheid”, chegou a dizer uma vez. Durante a sua vida de combatente construíra um verdadeiro mito em volta da sua pessoa, cujo apogeu foi concretizado na sua antiga base no sudeste de Angola, a Jamba, onde com a protecção do regime racista da Africa do Sul, tinha montado a capital provisória de um poder de Estado paralelo ao governo sedeado em Luanda pelo MPLA e reconhecido internacionalmente.


Historicamente, é impossível descartar a responsabilidade pessoal do presidente da UNITA na continuação da guerra em Angola, após as eleições gerais de 1992 supervisionadas pela ONU. Ao rejeitar todas as oportunidades de paz que foram surgindo, Jonas Savimbi tinha, ele próprio, se tornado num obstáculo impossível de contornar para os propósitos de quem tinha ganho legitimidade nas urnas para governar Angola. Com os acontecimentos ocorridos no Lucusse, chegara finalmente e de forma trágica, o momento de aproveitar a oportunidade para o calar definitivo das armas em Angola.


Todo o seu percurso de vida, revela sem duvidas, que Jonas Malheiro Savimbi era cultor da heroicizacão da Historia, uma herança dos pensadores iluministas do final da idade moderna. Ele representava para si próprio a imagem do herói da pátria. Então, era preciso prosseguir quando todos duvidavam da sua capacidade de sobreviver. Teimosamente levou os seus seguidores ao extremo das suas capacidades humanas de resistência, em nome de uma gloria com a qual se identificava plenamente e que cabia no seu percurso politico e militar.


Talvez Savimbi acreditasse, tal como Aníbal, que o seu génio criativo o faria desenvencilhar-se dos seus implacáveis perseguidores, salvando os seus homens de uma situação intransponível para qualquer outro mortal. Ai receberia louros e mais gloria, indispensáveis para consolidar o poder pessoal entre os seus.


Apesar da guerra conviver com o homem desde os seus primórdios, ela nunca valerá por si própria, como um propósito ou um fim. Cabe recordar as lições deixadas ao longo da Historia pelos sucessivos conflitos: “Sabes vencer Aníbal, mas não sabes aproveitar a vitoria”. Após obter um formidável êxito contra as legiões romanas durante a batalha de Cannae em Julho de 216 a.C. o grande estratega militar Aníbal ouviu essas amargas palavras de um de seus capitães. Logo começaria o descalabro.


PARTE II
JONAS SAVIMBI: UMA CARTA FORA DO BARALHO

Após a morte do líder guerrilheiro Jonas Savimbi em 22 de Fevereiro de 2002, na sequencia da derradeira campanha operacional do exercito governamental angolano, restavam poucas ou nenhumas possibilidades de resistência militar e até de sobrevivência pessoal para os depauperados combatentes que formavam as forcas residuais da Unita nas chanas do Moxico, no Leste de Angola.


Com Savimbi fora do baralho do problema angolano, a liderança do país decidiu que era chegado o momento de abrir a porta e aproveitar a oportunidade para retomar a aplicação do acordo de paz de Lusaka assinado em Novembro de 1994. De imediato estabeleceu contactos com os elementos que restavam da direcção da UNITA e estes responderam positivamente por intermedio de Lukamba Paulo Gato.


Oficialmente, o governo apesar de estar em notória vantagem no terreno operacional nunca utilizou o termo “rendição” para acolher os oficiais da UNITA que reataram os contactos com as autoridades. Foram-lhes concedidas condições de dignidade para se sentarem a mesa negocial. Assim se chegou ao Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka para a Cessação das Hostilidades e Resolução de demais Questões Militares Pendentes nos Termos do Protocolo de Lusaka.


O fim trágico do chefe da rebelião armada representava a inequívoca concretização de um dos três cenários traçados pelo então presidente angolano José Eduardo dos Santos, pouco tempo antes. Os outros dois seriam o exílio no estrangeiro ou a rendição, ultimatos que Savimbi rejeitara liminarmente, decidindo por sua conta e risco em prosseguir com a oposição armada, situação que acarretou um novo ciclo de perdas de vidas humanas, bens e equipamentos de natureza diversa e valor incalculável.


Nos tempos da guerra fria entre os dois blocos hegemónicos mundiais, Jonas Savimbi era “freedom fighter” , titulo atribuído nos anos oitenta pelo então presidente americano Ronald Reagan, porque ele era um factor importante na guerra contra o que no ocidente se chamava de “expansão comunista”. Como recompensa recebia dinheiro, apoio diplomático e armas, entre as quais os mísseis anti-aéreos de marca “Stinger” que, com excepção dos “mudjahidines” do Afeganistão, apenas eram vendidos a governos aliados dos EUA.


Contudo, após perder os seus bastiões do Andulo e Bailundo, em Outubro de 1999, Jonas Savimbi se tornaria num cruel senhor da guerra, após ter realizado uma grande purga na cúpula das FALA, para fugir da responsabilidade do desaire do maior exercito rebelde alguma vez formado no continente africano e provavelmente no mundo inteiro.


Dois anos mais tarde, em 13 de Marco de 1966, Savimbi e alguns correligionários fundavam a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), organização que foi subscritora dos Acordos de Alvor celebrados entre os três movimentos de libertação e Portugal, onde ocorrera um golpe de Estado que depôs a ditadura de Marcelo Caetano em 25 de Abril de 1974.


Documentos divulgados pela antiga policia politica portuguesa, a PIDE, revelaram que Savimbi tinha um acordo com o governo português e colaborava com ele na luta contra os outros dois movimentos de libertação, sobretudo contra o MPLA para evitar a sua progressão no Leste do território.


PARTE III
A UNITA TINHA UM PLANO PARA TOMAR O PODER PELA FORCA EM ANGOLA


Ao conseguir obter o controlo de cerca de dois terços do território angolano, após a crise gerada pelas eleições de 1992 e, tendo em seu poder a cidade do Huambo, a capital da província com o mesmo nome, a UNITA tinha um plano de fazer capitular o governo saído das eleições e tomar o poder pela forca das armas. Para isso contava com os préstimos de um exercito bem treinado e armado, cujo grosso se encontrava estacionada em refúgios e esconderijos de onde partiram para combater não apenas em cenários no pais, mas igualmente na guerra do Congo Brazzaville ao lado das forcas do anterior presidente Pascoal Lissouba.

 

A realidade mostrava que Jonas Savimbi tinha conseguido formar e equipar um exercito com capacidade para actuar em moldes convencionais. A introdução de tanques e da artilharia auto-propulsada de 122 milímetros adquiridas a partir do Andulo em 1998 constituía um elemento novo na estrutura de guerra das FALA. Estavam igualmente a ser recebidas no Andulo as poderosas rampas lança-foguetes múltiplos “URAGAN” com capacidade para atingir alvos situados a 40 quilómetros de distancia. Num registo de vídeo capturado pelas FAA o alto comandante das FALA aparecia a falar para centenas de soldados em parada: “Isso agora vai aquecer, porque com o dinheiro dos diamantes compramos material sofisticado, compramos armas modernas que terão de ir connosco ate Luanda, entendido?...Paz? Aqui não há paz, há simplesmente a questão do poder e o poder não é a paz”.


As forcas regulares da UNITA começaram a combater no dia 4 de Dezembro de 1998, munidas de um arsenal de 24 blindados de assalto BMP-2, 5 tanques T-62, 8 canhões auto-propulsados SAU-100 (Guvesdiga) de 122 milímetros, vários canhões atreláveis D-30, rampas moveis de lança-foguetes BM-21, misseis anti-aéreos portáteis SAM-16 e canhões anti-aéreos ZU-23. A campanha relâmpago era designada “Operação Negro” e tinha como objectivos na sua primeira fase na conquista das capitais provinciais do Bié, do Huambo e de Malanje, com os resultados a serem anunciados no dia 25 de Dezembro de 1998, coincidindo com a data da fundação da UNITA. AS FAA conseguiram rechaçar a ofensiva da UNITA cujas forcas foram travadas as portas da capital do Bie, a cidade do Kuito e em Vila Nova (Tchicala-Tcholoanga) próximo da cidade do Huambo.


Foi no desenrolar da “Operação Negro” que as forcas da UNITA abateram dois aviões Hercules que se encontravam em Angola ao serviço das Nações Unidas, naquilo que ficou conhecido como o “ drama da família Wilkinson”, pois os dois aviões eram tripulados por pai e filho, ambos de nacionalidade sul-africana.


Segundo um soldado da Unita de nome Fernando Januário que entrevistei no Huambo no dia 7 de Janeiro de 1999, poucas horas após ter sido capturado em combate perto de Tchicala-Tcholoanga, os dois aviões foram alvejados por fogo anti-aéreo disparado das posições das forcas da II Brigada Motorizada das FALA, denominada “Brigada Comandante Ben-Ben. Segundo o seu depoimento, essas forcas chefiadas pelo general “Samy” se encontravam próximas do Huambo e faziam a cobertura do espaço aéreo com mísseis SAM-16 e metralhadoras anti-aéreas ZU-23. O primeiro avião foi abatido por míssil e o segundo, como voava muito baixo perto do Chiumbo, foi alvejada com disparos da ZU-23, revelou o antigo soldado.

 

A vila de Tchicala-Tcholoanga que antigamente se chamava Vila Nova caiu em poder das FAA no dia 6 de Janeiro de 1999, após uma violenta batalha que envolveu tanques e artilharia pesada num perímetro a partir da localidade de Boas aguas. Foi nesta altura que eu e o falecido repórter da ANGOP Joaquim Neves, fortemente escoltados por um efectivo das FAA e debaixo de flagelamentos da artilharia da UNITA conseguimos chegar a um local, poucos quilómetros a noroeste de Vila Nova e próximo ao Chiumbo onde de facto encontramos a aeronave abatida, totalmente camuflada com ramos de arvores cortadas nas redondezas. Encontramos os corpos da tripulação totalmente carbonizados. Foi naquelas condições extremas em que registei o macabro cenário que no dia seguinte passou em todas as televisões do mundo.


Meses mais tarde, no dia 17 de Setembro de 1999, data em que que se assinalava o dia do exercito angolano, o então presidente da República nas suas vestes de comandante-em-chefe das Forcas Armadas assinava a ordem para o inicio da “Operação Restauro”, assim chamada por ter como objectivos principais desmantelar a maquina militar da Unita e restaurar a autoridade do Estado em áreas que se encontravam sob seu domínio.


Alguns observadores acreditaram que poderia tratar-se de um “bluff” que visava unicamente confundir o adversário, esperando ganhar tempo ou escondendo outros propósitos. Na verdade, não era habitual, no decurso da longa guerra angolana, as grandes operações militares iniciarem em período de chuvas. Tratou-se de uma alteração táctica que surpreendeu o próprio alto-comando da Unita, instalado na vila do Andulo.


Nas condições vigentes naquela altura, não era suposto fazer avançar unidades militares compactas, em plena região centro de Angola, onde tradicionalmente se registam elevados índices de precipitação pluviométrica. Mas o general João de Matos, na altura chefe do Estado-maior general das FAA e seus estrategas decidiram fazer avançar milhares de soldados contra as praças fortes da Unita. Basicamente com as tropas avançariam de varias direções num movimento envolvente utilizando estradas extremamente degradadas e com a maioria das pontes destruídas.


Assim, territorialmente e numa abrangência nacional, as FAA sob comando de João de Matos escalaram no terreno três agrupamentos principais chefiados pelos principais operacionais do exercito angolano. O agrupamento de forcas de Malanje, comandado pelo general Jorge Barros “Nguto”. A agrupachao do Huambo chefiada pelo general Mateus Ângelo “Vietnam” e o terceiro agrupamento de forcas do Bie do falecido general Simione Mucune.

Como forcas complementares estavam escalonadas a Quarta Agrupacao do general Eusébio de Brito no Kuando-Kubango, (sudeste de Angola) a XI do general Mateus Lima Corlho “Nzumbi” no Moxico (região Leste) e a XII do general Marques Correia “Mbanza” no Uige (região Norte).


Igualmente, foram escalonadas as Agrupações de Contacto: a 9 Agrupação dp general Mendes em Cabinda e a 10 Agrupação dos brigadeiros Valter e Kiteculo no Kwanza-Sul.


Existiam ainda Agrupações de Apoio Operacional, nomeadamente a 8 do general Furtado, a 12 do brigadeiro Tchiloya, a 7 do general As Miranda, a 13 do general Afonso Maria e a 6 do general Faisca.


Assim estava montado o xadrez operacional no inicio da “Operação Restauro”, em Setembro de 1999.


A UNITA e particularmente o seu alto-comandante acreditavam que a “Operação Restauro” estava inevitavelmente condenada a fracassar. Confiando na capacidade bélica do seu exercito Savimbi acreditava que mais tarde ou mais cedo, os tanques e veículos de transporte de tropas ficariam atolados nos lamaçais e com contra-golpes e fustigamentos de guerrilha tudo seria uma questão de tempo ate as unidades das FAA serem encurraladas, esgotadas e sem logística. Ali só lhes restaria a rendição ou o aniquilamento completo.

O descalabro da estrutura combativa das FALA já vinha dos finais de 1999 com as pesadas perdas sofridas pelo seu exercito nas batalhas ocorridas entre Outubro e Novembro de 1999 na região centro de Angola onde estava instalado o seu principal bastião. A opção militar para a tomada do poder em Angola pela forca das armas estava definitivamente descartada para a Unita. O movimento rebelde estava sob severas sanções internacionais incluindo um embargo na compra de armas.


Cerca de um ano antes, concretamente em 1 de Julho de 1998 uma Resolução 1173 aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas impos um embargo a venda de diamantes por parte da Unita. Ate então, na segunda metade da década dos anos noventa o comercio de diamantes do movimento do galo-negro representavam muito mais da metade de toda a produção diamantífera em Angola.


As sanções internacionais e a pressão no terreno deitavam por terra de reativar a capacidade perdida. Após a “Operação Restauro” mais de 20 mil homens estavam fora de combate. Restava agora saber ate onde iria a teimosia de Jonas Savimbi. O líder do galo-negro tentava contornar o pesado fardo das suas responsabilidades pessoais no descalabro das suas principais unidades durante o ataque ao Kunje, nos arredores da cidade do Kuito e na defesa do Andulo, realizando uma purga na cúpula do seu exercito durante a qual generais como o seu sobrinho Bock e o general Antero Vieira foram detidos e mais tarde assassinados.


Tal como já previam os estrategas do governo, o líder da Unita rodeado dos seus directos colaboradores e protegido pela sua forca de defesa atravessou o rio Kwanza. Jonas Savimbi iniciava assim a derradeira fuga para Leste na certeza que as forcas governamentais abrandassem a perseguição, o que lhe proporcionaria tempo para reorganizar uma luta de guerrilhas ate conseguir um novo quadro negocial com as autoridades legitimas do país.

(Fim)