Paris - A vergonha foi a emoção mais forte expressa pelo filho pródigo, de quem fala Jesus de Nazaré na parábola contada no Evangelho de Lucas, quando voltou, de cabeça baixa, para viver com os pais depois de ter esbanjado a herança. O orgulho foi o sentimento expresso por José Eduardo dos Santos no regresso à sua pátria, Angola, que traiu e profanou sem moderação. Segundo informação veiculada na imprensa, é com estas palavras que José Eduardo dos Santos se expressou através da sua página no Facebook após a sua chegada: "De cabeça erguida e de coração aberto estamos de volta ao país para continuar a fazer por Angola e para os angolanos. Obrigado pela recepção”. De cabeça erguida? Para "continuar” a fazer por Angola e para os angolanos? Com certeza os dirigentes do MPLA têm muito humor!

Fonte: Club-k.net

Mas como José Eduardo dos Santos parece ter esquecido que é o principal responsável pela miséria em que hoje se encontram os angolanos, e até escolheu voluntariamente este preciso momento para regressar ao país com triunfalismo, é portanto claro que ainda pensa que é o Homem providencial, que voltou para "continuar" a fazer avançar Angola, e não o filho pródigo que criou a sua ruína. Dos Santos ainda vive no passado e na miragem dos epítetos ditirâmbicos e lisonjeiros que lhe eram atribuídos e que ficaram enraizados no seu narcisismo. Com tamanha incapacidade de ser humilde e de aceitar, pelo menos uma vez na vida, a realidade das coisas, especialmente agora no crepúsculo da sua vida, não é de admirar que vejamos os seus imitadores em todo o país e que também se virem contra ele. Porque esta contagiante capacidade de negação do óbvio, que cultivou no MPLA, a cultura da denegação que vem nem sei de onde e que contaminou muitos angolanos, serviu a quem disse, sem vergonha, Neto Júnior, director de conteúdos da TPA, que o seu regresso não é notícia do ponto de vista jornalístico. E acrescentou, sem pestanejar, que "o facto de a televisão ser pública não significa que o director de informação tem que decidir de acordo com aquilo que o povo quer”. É uma vergonha! Vemos assim o mal que a cultura da arrogância sem nome e sem classe, herança do MPLA, tem feito ao nosso país, Angola.

O regresso de José Eduardo dos Santos a Angola foi e é notícia em todo o mundo, eu próprio fui convidado a comentá-la num media internacional. Em Angola não foi e não é informação e alguém veio dizê-lo com certeza e suficiência. No fundo, a cultura do MPLA, que continuou a ensinar o cachiquismo durante todo o reinado do Rei dos Santos e criou cães de guarda zelosos, comitres que já não precisam de receber ordens para fazer isto ou aquilo, porque são robôs, autómatos, permanecerá para agradar a cada novo rei. Essa cultura de arrogância, de relações de força grosseira vai minar o nosso país por muito tempo se não for questionada e denunciada hoje. Porque se esse filho pródigo, José Eduardo dos Santos, ainda se permite considerar-se um "homem providencial", como queremos que mude a cultura que ele criou, alimentou e inculcou nos servidores do bom povo angolano? Se hoje os angolanos veem sobretudo a sua dura realidade e esquecem as razões que a provocaram ontem e que José Eduardo dos Santos aproveita para se esgueirar e clamar pelo triunfalismo, como podemos esperar que esta cultura cesse? O perigo desta hipocrisia mostra-nos, pois, por ser uma cultura, que o Presidente João Lourenço corre o risco de sofrer o mesmo desprezo ao deixar o poder. E já que o "homem providencial", José Eduardo dos Santos, cegado pela má-fé e pelo seu narcisismo doentio, jamais conseguirá expressá-lo, um homem são, da sua estatura histórica, teria escrito isto e comprometer-se-ia a fazê-lo: “É com espírito de humildade e gratidão pela grandeza do povo angolano que volto ao meu país para colocar toda a minha experiência e toda a minha sabedoria ao seu serviço. Desejo dar a Angola o tempo que me resta para corrigir o que não pude fazer bem e estou empenhado em promover a Paz e a Concórdia entre os angolanos. Obrigado pela generosidade ”.


Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é empresário.