Luanda - Promovido pela Secretaria Geral da Assembleia Nacional e dirigido aos profissionais dos órgãos de comunicação social em Angola, o encontro, que decorreu numa das salas do edifício sede da Assembleia Nacional, no passado 06 de outubro de 2021, teve como prelector o director dos Recursos Humanos daquele órgão de soberania, Aniceto Pedro.

 

Fonte: Club-k.net


Momentos de aprendizagem e de partilha de informação sobre a temática legislativa e/ou de produção legislativa, reputamos de extrema importância, sobretudo para o nosso exercício diário de informar e formar o cidadão sobre esta matéria, “complexa e descodificável”, daí que mesuramos a iniciativa.


São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional (AN), composta por deputados eleitos por sufrágio, e os Tribunais (artigo 105º da Constituição da República de Angola (CRA-2010)).


A referida configuração, da Organização do Poder do Estado angolano, emana dos três poderes “soberanos e independentes”, nomeadamente o Poder Executivo, cujo titular é o Presidente da República, que define e orientação política do país, Poder Legislativo, AN, parlamento da República de Angola que elabora leis, e o Poder Judicial, que compreende os tribunais, órgãos com competência de administrar a justiça, segundo a CRA.


Esse modelo da divisão política moderna dos “Três Poderes” ou modelo político que caracteriza o Estado Democrático de Direito tem como expoente o filósofo, político e escritor francês Charles Montesquieu (1968-1755), um dos ícones do iluminismo, na sua obra “O Espírito das Leis”.


À luz do texto constitucional, a Assembleia Nacional, mote da nossa reflexão, é suportada por três funções fundamentais, nomeadamente “Função Representativa, Função Legislativa e a Função Fiscalizadora”.


Entrando para o âmago das lições apreendidas neste encontro metodológico, onde os participantes foram contemplados com um Guia Prático Parlamentar (GPP) da IV Legislatura da Assembleia Nacional, destacamos:


1. No domínio das iniciativas legislativas, estas podem ser exercidas pelo Presidente da República, por deputados e pelos grupos parlamentares. A iniciativa legislativa do Presidente da República, explicou o prelector, reveste a forma de “proposta de lei” e de deputados ou de grupos parlamentares ganham a denominação de “projectos de lei”.


Aniceto Pedro, com mais de três décadas de actividade parlamentar, falou também sobre a “Iniciativa Popular”, em que cidadãos organizados podem apresentar ao parlamento “propostas de projectos de lei”, prevista na CRA, observando que “apesar da matéria não estar regulada” e, por isso, “inconstitucional por omissão”, os cidadãos podem apresentar a mesma à um deputado e este dar entrada ao gabinete do presidente da Assembleia Nacional.


2. O parlamento “não aprova leis na especialidade”, mas, explicou o orador, “aprova relatórios na especialidade” sobre determinada lei. É o plenário que aprova leis reunido em assembleia, sustentou.


É nosso entendimento, que as iniciativas legislativas, após admissão do presidente da AN, são discutidas e aprovadas inicialmente na generalidade pelo plenário, posteriormente remetidas na especialidade, onde as comissões especializadas em razão da matéria discutem artigo a artigo e daí aprovam um relatório parecer conjunto na especialidade, documento que regressa ao plenário para a sua votação final e global.


O exposto acima está também vertido no GPP, que realça, no entanto, que o plenário “pode deliberar, a todo o tempo, avocar a si a votação de qualquer projecto na especialidade, se a mesma for requerida por, pelo menos, dez deputados ou um grupo parlamentar, independentemente do facto de já ter ocorrido a sua votação na especialidade”.


3. Existem matérias, como depreendemos, no âmbito legislativo, que são de “reserva absoluta de competência legislativa” e outras de “reserva relativa de competência legislativa”.


Dito de outro modo, e é esse o nosso fraco entendimento, como leigos da ciência jurídica, compete ao parlamento angolano legislar com reserva absoluta como, por exemplo, matérias que versam sobre os direitos fundamentais e legislar com reserva relativa de competência legislativa, salvo autorização concedida ao titular do Poder Executivo, matérias que versam sobre regime geral dos meios de comunicação social, por exemplo.


Neste ponto, foi levantada ainda a constitucionalidade versus inconstitucionalidade do Decreto Legislativo Presidencial Provisório que declarou o Estado de Emergência, em 2020, tendo o orador considerado que “a declaração do Estado de Emergência não obedeceu ao procedimento legislativo, por se tratar de um Estado de excepção constitucional”, uma acção que “depois foi corrigida”.


A matéria é de “reserva absoluta de competência legislativa” por se tratar de limitação de direitos fundamentais, ou seja, de competência legislativa da Assembleia Nacional: “A competência não se presume, ou se tem ou não temos”, sublinhou, naquela ocasião, um membro do gabinete jurídico do parlamento.


4. A promulgação de leis, um veto constitucional ou veto político, como aconteceu, recentemente com a Lei Eleitoral, são feitos pelo Presidente da República, exortou o orador aos jornalistas, “nas vestes de Chefe de Estado” e não de Titular do Poder Executivo”.


Corrigindo, o que considerou de constantes imprecisões nos órgãos de comunicação social, nesse domínio, o palestrante, e autor do GPP da IV Legislatura da Assembleia Nacional, explicou que João Lourenço, enquanto titular do Poder Executivo não veta ou promulga leis.


Surgiu na retina, no decurso desta reflexão, as várias competências e/ou os propalados “casacos” do Presidente da República, enquanto Chefe de Estado, titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, e outras (vide artigos 199º, 120º, 121, 122º e seguintes da CRA-2010).


Não devemos olvidar que, como Chefe de Estado, o Presidente da República é o garante da estabilidade e do normal funcionamento das instituições.


5. É da responsabilidade do titular do Poder Executivo, que conta com vários auxiliares, a remessa de propostas de lei à Assembleia Nacional. Os promotores do encontro metodológico deram a conhecer que o Conselho de Ministros não é um órgão com “poderes de um Governo”, como anteriormente, por este ser apenas um órgão auxiliar do titular do Poder Executivo e com competências de “apreciar e não aprovar leis”.


6. Quanto às terminologias parlamentares, vamos apenas partilhar dois casos específicos, nomeadamente as expressões “bancada parlamentar” e “Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares”.


Em “bom rigor”, observou orador, a forma de organização, na Assembleia Nacional, de partidos ou coligações, que possuam um número mínimo de três deputados são chamados “grupos parlamentares” e não “bancada parlamentar”, esta última quase que “institucionalizada”.


Foi-nos igualmente recomendado a utilizarmos regularmente a expressão “Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares” e não “Conferência de Líderes Parlamentares” de forma a se evitar “confusões e interpretações erradas ao leitor, ouvinte ou telespectador”.


O assunto, sobre a utilização correcta de ambas nomenclaturas em peça jornalística, foi rebatido por um colega da Televisão Pública de Angola (TPA) e por nós comentado, na ocasião, por entendermos ser prática normal o recurso aos correferentes na linguagem jornalística.


Os termos líder, presidente ou chefe ganharam hoje inúmeras definições, sobretudo no capítulo de abordagens voltadas às teorias organizacionais.


Percebemos o rigor jurídico/legislativo no tratamento do assunto, mas é mister descodificar essa linguagem, porque no campo da comunicação (tornar comum) não nos despimos da missão de formar e informar.


E, em nome desta missão, em Linguística, “presidentes dos grupos parlamentares” é uma clara correferência de “líderes parlamentes”, sendo estas duas expressões, neste caso específico, que no texto se referem ao encontro em que se preparam e agendam as reuniões plenárias, extraordinárias e outras.


Em correferência, que abarca o fenómeno da teoria da ligação, como mecanismo que explora a relação sintática de entre expressões, realçamos, por conseguinte, que “Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares” e “Conferência de Líderes Parlamentares” são expressões correferenciais, pelo que, a primeira é uma forma completa e outra abreviada, porém, com o mesmo sentido e alcance.


NOTA: O que ocorre quando falamos em “Assembleia Nacional” e “parlamento”! Em Angola, quem é o Presidente de República, titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, Chefe de Estado, Líder da Nação angolana ou estadista angolano? As referidas expressões são correferentes de João Lourenço e, logo, não constituem qualquer vitupério linguístico.


À guisa de conclusão importa, assim, sublinhar que ganhamos todos quando há disposição da partilha regular de conhecimentos nos mais variados campos da ciência, pois esses escritos de um leigo da ciência jurídica são apenas contributos para reflexão contínua daquilo que se produz em vários campos de saber, cujo cruzamento e correlações, por vezes são necessárias para o alargamento do nosso campo de actuaçao.


O “IIIº Encontro Metodológico com os Órgãos de Comunicação Social”, promovido pela Assembleia Nacional, foi um aprendizado necessário, alias, parte do que expusemos bebemos daí, apesar de não ter sido a primeira experiência do género. O tempo dirá se temos sabido interpretar à risca essas lições.


Autor: Silvano da Silva – Jornalista, L.C (desconhecido escriba) – Luanda, 09.10.21