Luanda - Seguem algumas considerações minhas relativamente ao modelo de apresentação do ‘Estado da Nação’ adoptado pelo Presidente da República, João Lourenço. Foram duas horas de martírio para ele próprio e para os tímpanos dos cidadãos que se dispuseram a ouvi-lo. 

Fonte: Club-k.net

Obviamente, todos gostamos e valorizamos as virtudes dos relatórios. Mais ainda num país como Angola, em que os governantes, pelos vistos, demonstram sistemática e endémica aversão à prestação de contas, seja a que nível e instância de decisão for. E quando temos um Presidente que se dispõe a descer do seu pedestal no palácio, ainda que por força de preceito constitucional, não deixaĺ de ser um facto assinalável. Registámos, Senhor Presidente!


Contudo, temos aqui um senão. O que se espera de um discurso sobre o estado da Nação não é bem o fastidioso inventário da gestão corrente do Governo, sector a sector, nos moldes em que nos foi apresentado. Aliás, só faltou o PR referir que o país já é autossuficiente na produção de aguardente caseira, popularmente conhecida como a “água do chefe”.


Ainda para mais, no final desse extenuante exercício, grosso modo, os cidadãos ficaram sem a percepção exacta de quais são as tarefas prioritárias da governação e que impacto isso terá para a melhoria da sua vida no curto, médio ou longo prazos.


Foi mais um exercício de prestidigitação comunicacional, com o qual se pretendeu dar o efeito ilusório de que temos o Governo a fazer muita coisa ao mesmo tempo quando, na realidade, o reflexo que isso tem para a economia real do país e para a vida dos angolanos é muito insignificante, para não dizer irrisório. Enfim mera ilusão de óptica!


Mas isso não é novo. Essa foi sempre a estratégia dos sucessivos governos do MPLA a cada ciclo eleitoral: elaborar, no papel, um vasto conjunto de projectos, muitos deles faraónicos e inexequíveis ou simplesmente desnecessários nas circunstâncias e contextos do país. Ou seja, tudo no fundo visando apenas fazer show-off do junto do eleitorado.


Por isso, aqui vai um conselho para o Executivo do Presidente João Lourenço. O relatório que fez teria mais serventia noutros foros. Ou seja, esse exercício poderia ser feito periodicamente, ao longo do ano económico correspondente, por estruturas mais apropriadas para isso. Referimo-nos aos muitos gabinetes de comunicação institucional e marketing que existem em cada ministério, governos provinciais e institutos públicos desde o tempo do famigerado Grecima. Assim se justificariam os rios de dinheiros gastos com a sua criação. São essas estruturas, responsáveis pelo marketing institucional do Executivo, que tratariam, pontualmente, de trazer ao público as realizações do Governo. Sempre, é claro, numa perspectiva de informar com honestidade, transparência e verdade.


Creia, Senhor Presidente da República, que deste modo estaria mais aliviado e incidiria a sua ida à Assembleia Nacional fundamentalmente para dar a conhecer, aos parlamentares e à sociedade, as grandes preocupações e planos gerais das autoridades governamentais, ajudando os cidadãos em geral a perceber como a actividade do Executivo que lidera poderá afectar as suas vidas. Além disso, o Senhor Presidente poderia encurtar o caminho se permitisse que fosse interpelado regularmente no Parlamento pelos partidos da oposição, a fim de responder por variadíssimos assuntos referentes à sua governação.


Assim sucede em verdadeiros Estados democráticos e de direito. Mas, quanto a nós, já sabemos o que a casa gasta. Os medos do regime, quase pavor, impedem que se avance para novos estágios de comportamento em matéria de ética política e também em relação à própria comunicação institucional e marketing do Governo. Daqui se explica, também, a manutenção, mesmo na era do Presidente João Lourenço, dos crónicos problemas de falta de abertura e acesso às fontes oficiais com que os jornalistas angolanos se têm debatido ao longo dos anos. Afinal, ao que vemos, tarefas da esfera dos assessores de imprensa do Governo estão a ser, desnecessariamente, realizadas pelo Titular do Poder Executivo.


Felizmente, os cidadãos deste país amadureceram bastante e já não caem neste tipo de efeitos ilusórios. Já não é a ‘recitar’ -- como se tratasse de um catecismo – os quilómetros de estradas construídos ou de linhas férreas reabilitadas que as autoridades governamentais lograrão convencer os cidadãos de que estão a trabalhar para a melhoria do seu padrão de vida. A prova está na governação do anterior Presidente. Foi useiro e vezeiro no uso do megafone para ampliar as suas realizações, mas, no final, o que todos vimos foi um cenário pelo país a fora dominado por vias rodoviárias em cuja construção empataram-se biliões de dólares, mas que em escassos dois/três anos se tornaram obsoletas. Temos aeroportos fantasmas edificados sem o menor propósito e linhas férreas que já se revelam inúteis -- como é o caso do Caminho de Ferro de Luanda, cujos comboios levam quase um dia inteiro para percorrer pouco mais de 400 quilómetros até à cidade de Malanje.


Então, era também sobre os passos que serão dados para a correcção destes empreendimentos em que Angola endividou-se até ao pescoço, malbaratando e desperdiçando recursos vitais para as actuais e as próximas gerações, que gostaríamos de ter escutado o Presidente da República pronunciar-se. Pois não nos venham dizer que será com obras do tipo tapa-buracos citados pelo PR, ou por efeito da alvitrada nova divisão político-administrativa, que tais problemas se resolverão.


Diante de todo esse desperdício de recursos, é vergonhoso e confrangedor que o corredor leste e sudeste do país continue praticamente sem dispor de rodovias dignas do nome. Tem sido uma aventura pré-histórica sair do litoral para essas regiões usando as vias terrestres. E assim, como é de calcular, é quase utópico falar-se em redução de assimetrias regionais ou de inclusão económica.