Luanda - Diz-se que durante a Guerra até o Savimbi procurou conhecê-lo pessoalmente quando a UNITA ocupou Mbanza-a-Kongo, a sua terra natal. A sua reputação o precedia, ultrapassava todas as regiões vizinhas, além da sua terra natal. Essa reputação devia-se primeiro a um boato feroz que dizia com insistência intimidante que ele tinha a força de um leão invicto e invencível, embora durante a minha infância nos anos 80 eu não o tenha visto bater em ninguém uma única vez, apesar do seu corpo imponente; contentava-se em desfrutar dessa reputação e só dava bafos com a sua voz de trovão para relembrar a sua supremacia quando necessário. Essa fama também se devia ao facto de ele ser vaidoso, estiloso e de ter um tique nervoso que fazia os seus ombros se mexerem, movimentos que podiam torná-lo mais ameaçador, mas no fundo o tornaram até mais estiloso com o tempo. E às vezes, de propósito, gostava de estremecer os ombros, exageradamente, para chamar a atenção dos mais novos e diverti-los quando passava em peso com toda a sua presença, como um leão feliz, pelas ruas de Mbanza-a-Kongo. E a sua fama também se devia ao facto de ser gabarola, prepotente e um polígamo que sabia tratar as mulheres com o maior romantismo e generosidade. As mulheres também o amavam porque tinha fama de rico e oferecia a cada uma das suas conquistas uma colecção de Wax, que os axikongo chamavam de Doze, porque era na verdade um rolo de 12 preciosos panos desse mesmo tecido holandês cobiçado pelas mulheres daquela região. Ele até inspirou uma canção que o celebrava, dizia isso, em kikongo:

Fonte: Club-k.net

"Kwa Mayoká nkwenda ka nvana o mwana ya wondelela! É-doze-doze, ayaya é-doze-doze ya wondelela! Kwa Mayoká nkwendee ya vuata é-doze ya wondelela! Kwa Mayoká nkwenda yenda baka é-doze-é-doze ya wodenlela! É doze-ée, é-doze-é-doze ya ya wondelela !". Os mais velhos o chamavam de Mayoká, seu nome verdadeiro, e os mais novos o chamavam de Kota Maior, porque para eles ele era o mais forte. As mulheres o celebravam nesta canção, dizendo basicamente: "Sim, vou mesmo me unir ao grande Mayoká para ele me dar um filho que vou mimar. Bem, com o Mayoká vou ter o meu precioso rolo de doze panos da Holanda e gozarei a vida na opulência como as outras suas concubinas ! Claro, é com ele mesmo que irei, o grande Mayoká! ".


O Kota Maior era romântico, uma das poucas pessoas a exibir o seu romantismo abertamente em Mbanza-a-Kongo. Também era estiloso e diz-se que foi uma das primeiras pessoas a aparecer com jaquetas estilo Elvis Presley. E esse homem podia tornar-se um poeta para encantar o coração de uma mulher. A sua concubina zairense, Marie, que alugava um anexo na casa da minha tia Carolina, irmã mais velha da minha mãe, três casas depois da nossa ao descer a rua, inspirava-o enormemente! O Kota Maior vinha sempre visitá-la com um buquê de flores frescas, que lhe entregava com sofreguidão, depois do beijo voluptuoso que lhe dava e acompanhava de um enlace apaixonado. Seguia apaixonadamente os passos da Marie em toda a casa. E muito rapidamente metia-se em frente à porta, o olhar voltado para o quintal, como se fosse dar um show a um público conquistado, puxava um banquinho de madeira no qual punha o pé direito e colocava a viola na coxa direita para começar a cantar a mais romântica balada em kikongo ou em português ou noutras línguas que sabia inventar com inspiração. Enquanto isso, a amada Marie, babando de amor, também olhava furtivamente e ainda mais apaixonada para a apetitosa panela ao seu lado, com a qual preparava o jantar, inclusive o delicioso molho de mwamba de jinguba que fervia em cima das três pedras de makukwa, as pedras que sustentam a panela com a qual se cozinha no fogo a lenha, e que dançava sob o ritmo encantador da poesia do Kota Maior. Então o Kota Maior fechava os olhos, esticava o pescoço para sentir melhor o eco profundo da sua voz de crooner. E quando terminava a balada, antes de começar outra, ele pulava com um sorriso vaidoso para beijar outra vez a boca da zairense, que ria alegremente mas que também mostrava a sua timidez por não estar acostumada a ver tanto fogo num só coração, porque para ela, e para muitos axikongo também, aqueles beijos significavam "fazer mal-criado"! Mas isso era um bom contraste com a reputação de homem-leão que o Kota Maior tinha, afinal ele era um homem sensível e cavalheiro, a Marie o tornava delicado! Ele oferecia-lhe o seu coração, estudava e conhecia o perfume de cada rosa que trazia para ela, sentava-se à mesa dela como um Príncipe Encantado para saborear os deliciosos pratos que ela preparava com amor para ele. E aproveitava a oportunidade para se orgulhar da sua maestria no manuseio dos vários talheres preciosos que a Marie espalhava pela sua mesa. O meu primo Lucas, filho da tia Carolina, teve algumas ocasiões para partilhar com eles essas suntuosas refeições, como recompensa pela sua obediência. Pois essa senhora, Marie, que vivia num dos anexos da sua mãe, gostava de o mandar com urgência - e sempre à última hora - ao mercado assim que precisasse de mais cebolas, do lindo tomate sweet grape para a salada do Kota Maior e de outras folhas de louro ou ainda de mais fuba para o seu funge, que também gostava de engolir com estilo e vaidade. E para o primo Lucas, a Marie cozinhava o melhor mwamba de galinha e o melhor nfumbwá de toda a cidade de Mbanza-a-Kongo!

 

Em breve entenderemos melhor porque é que um homem assim podia intrigar, incluindo homens como o Savimbi! Porque o que acabamos de ler não é tudo. Muito corajoso e sem medo de nada, o Kota Maior tinha decidido também ser engenheiro de construção civil, sem diploma, simplesmente com a experiência de pedreiro. Decidido a participar na construção da sua região, que sempre foi desprezada por todos os governos do MPLA desde a Independência, - devido a ressentimentos políticos do passado - não só construiu casas, às vezes com andares, diz-se que também construiu pontes que atravessam rios profundos e vales mortais!

 

Ricardo Vita é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Público (Portugal), cofundador do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é headhunter.