Os dados constam da lista de transferências bancárias do caso Angolagate, cujo julgamento começou em França no dia 6 de Outubro e que envolve altas figuras do Estado francês (ver texto nestas páginas).

 

No despacho de pronúncia do juiz Philippe Courroye, a que o PÚBLICO teve acesso, são elencadas as transferências bancárias que totalizam mais de 54 milhões de dólares (cerca de 41,5 milhões de euros ao câmbio actual), para contas de dignitários de Angola e pessoas próximas do regime de Luanda em comissões relativas a contratos de venda de armas entre 1993 e 2000.

 

Os beneficiários são responsáveis como José Eduardo dos Santos, Presidente angolano, o embaixador Elísio de Figueiredo ou o ex-chefe da Casa Civil da presidência José Leitão e a mulher e o filho deste, e altas patentes das Forças Armadas Angolanas, como os generais Salviano Sequeira e Carlos Alberto Hendrick Vaal Neto, hoje ligado a uma sociedade no negócio de diamantes, ou Fernando Araújo, general e também na altura conselheiro do Presidente. Também o general Fernando Miala, que foi chefe dos serviços secretos e fazia parte do círculo íntimo de Eduardo dos Santos, mas entretanto afastado e actualmente na prisão, aparece na lista dos beneficiários.
Contas em Lisboa e Almada.

 

Os bancos portugueses são destinatários de mais de 50 das 70 transferências listadas, somando mais de 21 milhões de dólares. Nesse conjunto, destacam-se a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Banco Comercial Português (BCP), citados como tendo recebido as somas maiores em depósitos únicos: 4,2 milhões de dólares em Maio de 1996, para uma conta em nome de Costa e Silva num balcão de Almada do banco público, e 1,8 milhões de dólares em Novembro de 1997 para uma conta de Fernando Araújo numa agência lisboeta do BCP.

 

Os restantes bancos citados como tendo recebido transferências para contas portuguesas são o Banco Bilbao Vizcaya, Banco Nacional de Crédito, Nacional Ultramarino (entretanto integrado na CGD), Banco do Comércio e Indústria e Totta & Açores (depois comprados pelo Santander), Pinto & Sotto Mayor (integrado no BCP) e Barclays.


De acordo com o processo, foi o empresário franco-brasileiro Pierre Falcone quem deu ordem para essas transferências, na maioria, a partir de contas da sua sociedade Brenco Trading Limited.

 

O caso implica altas figuras do Estado francês por enriquecimento ilícito e tráfico de influências. Tratava-se de uma vasta rede de intermediários, criada num contexto em que vigorava um embargo de armas a Angola. Dois dos 42 réus, o empresário Falcone e o milionário israelo-russo Arkadi Gaydamak, ambos intermediários dos negócios, são acusados de tráfico de armas.

 

As transacções mais importantes em valor, referidas nesta lista, como os 5 milhões de dólares transferidos para uma conta em nome do Presidente José Eduardo dos Santos ou os 10 milhões de dólares para Elísio de Figueiredo, embaixador em Paris e "representante pessoal do Presidente e seu mandatário para operações secretas financeiras" (como é descrito por uma testemunha-chave), são para o BIL (Banco Internacional do Luxemburgo) e o Discount Bank de Genebra, respectivamente.

 

Interrogado no âmbito do processo, Pierre Falcone afirmava que uma "comissão de Estado" de mais de 40 milhões de dólares tinha sido paga ao Estado angolano "muito oficialmente", lê-se no processo. No documento, o juiz contrapõe dizendo que "não foram encontradas transferências em dinheiro a favor do Estado angolano no débito das contas indicadas por Pierre Falcone" mas sim "o registo de várias transferências efectuadas a pessoas, membros ou pessoas próximas do Governo angolano, bem com a sociedades off-shore por eles constituídas". Constatação que mais tarde terá levado Falcone a reconhecer que cerca de 30 angolanos tinham recebido fundos em contas no estrangeiro "para a defesa dos interesses nacionais" de Angola e "no quadro da logística da ZTS OSOS", ou seja, com base na lógica de que os responsáveis angolanos eram pagos para renovar contratos de compra de armas.

Fonte: Publico