Luanda - Mfuca Muzemba está apostado em investir todo o seu capital político num projecto que, caso vença a burocracia da legalização no TC, vira as baterias para se tornar, na estreia em eleições gerais, na terceira maior força política do País, já em Agosto próximo. Em entrevista ao Novo Jornal, o ex-deputado da UNITA traça a matriz política do Esperança, nega qualquer ligação da sua nova aposta ao MPLA, descarta uma presença na Frente Patriótica e lança farpas ao «galo negro» no processo que motivou o abandono do partido, em 2021, admitindo, entretanto, já ter sido aliciado, por várias ocasiões, pelos camaradas.

Fonte: NJ

*Há um suspense sobre a definição, no Tribunal Constitucional (TC), de muitos dossiês de possíveis concorrentes às eleições gerais, entre os quais o da longa batalha para inscrição do PRA-JA. Olhando para este dilema, fundamentalmente para os «chumbos» à formação do experiente Abel Chivukuvuku, acha que o Esperança, de que é mentor, conseguirá a legalização a tempo de participar nas eleições deste ano?*
É uma questão bastante pertinente. Nós somos Esperança, esperança é isso, é acreditar. Acreditamos que vamos ser devidamente legalizados, porque entendemos que, primeiro, vamos cumprir com tudo o que a lei diz e temos estado a cumprir. Nós precisamos de abraçar os caminhos da reconciliação e não da dominação, precisamos de buscar os consensos e os desequilíbrios, e penso que o poder, as instituições e o Tribunal Constitucional devem ter esse sentido de tolerância no jogo político, sobretudo porque precisamos de manter a estabilidade. Não acredito que seja boa opção o tribunal fechar tudo e todos. Tem de haver sempre uma porta aberta, e, seguramente, quer nós, quer outros que estão no TC deverão merecer essa sorte da legalização. Nós não queremos, enquanto Esperança, ingressar no exército de comissões instaladoras ou partidos contestatários contra o Tribunal Constitucional. Nós vamos manter a confiança e acreditar no Tribunal Constitucional, e o Esperança tem de ser visto não só como mais um partido político que nasce, mas também como a apresentação de uma nova geração política, que também contribui para o bem deste País.


*Não obstante contar ainda com uma Comissão Instaladora, como é que está o Esperança em termos de representação pelo País?*
Nós temos estado à altura dos acontecimentos, já evoluímos muito, deixámos de ser uma Comissão Instaladora. Do ponto de vista material, já somos uma máquina político-eleitoral. Criámos todas as estruturas no que concerne a uma máquina político-eleitoral, que é, sobretudo, a implantação do projecto político a nível nacional, a nível das províncias, dos municípios e, também, dos distritos. Nessa altura, já criámos a nossa equipa de marketing eleitoral para a campanha. Uma coisa é o marketing para o partido e outra é o marketing para o período eleitoral. Vamos agora lançar a campanha Esperança 2022, conquistar e competir. Somos estrutura do topo, suportada com várias estruturas de base, que fazem do Esperança um projecto ou partido muito forte, capaz de acreditar em bons resultados eleitorais. Percebemos que o Esperança tem sido dos partidos que mais crescem no nosso mosaico político nacional.


*Em que indicadores se basearam para chegar a esta conclusão?*
Se formos às redes sociais e à imprensa, o Esperança é o partido que mais aparece, que mais expressão tem, que mais ideias apresenta, a par, obviamente, do MPLA e da UNITA. É o partido que mais organiza actividades, estando atrás do MPLA e da UNITA, também porque as condições desses dois permitem estar um pouco mais avançados. Mas nós temos capacidades de fazer frente a esses dois partidos, já nessas eleições de 2022.


*Referiu-se à sorte quando falava da expectativa em ver legalizado o Esperança. A legalização no TC é questão de sorte?*
Não necessariamente, porque é preciso reconhecer o esforço dessa juventude, que está bastante empenhada, que gasta muito dinheiro, muito tempo, muito intelecto para ter um País diferente. Estamos a cumprir a lei e vamos cumpri-la, e penso que, conjugado com outros factores fundamentais, nós teremos, sim, o partido Esperança legalizado.


*Que outros «factores fundamentais» são estes?*
Há aqui um empenho que nos permite acreditar que é possível sermos legalizados, mas eu não quero acreditar que o tribunal há-de fechar tudo e todos. Bom, cada caso é um caso. Não estudei, ao pormenor, o que aconteceu aos outros. Lamento bastante. Eu sou um democrata por excelência, aliás, condenei fortemente o impedimento de outras comissões instaladoras de se fundamentarem em partidos. Mas, no Direito, cada caso é um caso, nenhum caso é julgado da mesma forma que os outros.

*Uma pergunta retórica: o Esperança nasce de um desespero?*
O Esperança é entendido como uma forma de fazer voltar os angolanos a acreditar no País.


*Há descrença no País?*
Não diria uma descrença como tal. Há uma falta de confiança. As pessoas deixaram de acreditar no País. A Independência era para devolver a dignidade ao angolano, era para projectar o futuro de Angola nos marcos do desenvolvimento sustentável, mas, infelizmente, os protagonistas da altura mergulharam o País numa guerra que criou consequências incalculáveis até aos dias de hoje, e, fruto de outras situações políticas, as pessoas acreditam menos no País. Por isso é que se justifica também essa fuga de quadros, essa vontade de as pessoas emigrarem. Angola precisa de uma esperança para acreditar, e essa esperança somos nós, a nossa geração, que traz ideias e soluções muito convincentes para os grandes desafios do País. Portanto, os partidos que lutaram para/pela Independência são que nem Moisés, que tiveram a missão apenas de libertar o País do jugo colonial, mas não conseguiram levá-lo para a prosperidade. Nós é que temos de fazer o País prosperar, porque somos os Josués da nova era.


*De quanto tempo precisou para estruturar o projecto e apresentá-lo ao TC?*
Começámos no início do ano [de 2021]. Temos um grupo de jovens bastante competentes, jovens valentes dessa Angola, com ideias muito puras, académicos, professores, juristas.


*Os jovens de que fala têm, na sua maioria, históricos de ligação partidária?*
Não. São pessoas que nunca tiveram ligações político-partidárias. Antes de avançarmos com todo esse processo, chamámos especialistas de várias ordens: economistas, sociólogos, psicólogos, juristas e camponeses, que apresentaram um conjunto de contribuições e, depois, fomos ganhando consciência no agir. O agir é que nos levou até Junho do ano passado, altura em que apresentámos a Comissão Instaladora, num acto que foi bastante concorrido. O Esperança, para essas eleições de 2022, é a novidade, a promessa, a escolha e também a confiança. As nossas convicções resultam de estudos. Basta perceber que, enquanto Comissão Instaladora — aliás, não sei se há uma outra comissão instaladora com a nossa capacidade de transformação —, já evoluímos para um centro de estudo, análise e de formação política, onde temos especialistas de várias ordens, que têm estado a fazer estudos de mercado. Eu, na política, não me movo sem ter o mínimo de ciência para analisar os factos. Tudo que lhe vou dizer é baseado em estudos. Eu digo, seguramente, que o Esperança, nas eleições de 2022, será a terceira maior força política. Todos os sinais, todos os resultados de estudos apontam para isso.


*Estamos a falar de um projecto com quantos membros?*
Não consigo calcular. Como disse, nós estamos a transformar-nos numa máquina político-eleitoral, que pressupõe descer às bases, como os núcleos a nível dos municípios e dos distritos.


*Não tem noção de uma estimativa do número de membros do seu projecto político?*
Não tenho noção de um número como tal, porque fizemos aqui duas coisas fundamentais: separar a estrutura da Comissão Instaladora da estrutura da máquina eleitoral. Depois, aplicámos um princípio: a nós não interessa, nessa altura, mobilizar militantes; a nós interessa mobilizar votos, que são coisas muito diferentes. Eu não vou a tempo de fazer campanha de mobilização de novos membros. É verdade que as pessoas estão a inscrever-se, estão a vir. Eu não tenho dificuldades em fazer comício.

*Quando é que perspectivam chegar ao poder?*
Vamos agir por fases, temos consciência de que, nessas eleições, não estamos para formar Governo. Reconhecemos a máquina eleitoral dos dois principais partidos políticos, sobretudo a UNITA, que se reforça com a tripartida. Numa primeira fase, vamos apresentar as nossas ideias para responder aos grandes desafios do País. Se, por ventura, conseguirmos ser a terceira força, vamos condicionar uma agenda ao País, para que esta agenda reflicta sobre os grandes desafios que o País tem. Posso dizer-lhe que, na nossa visão política, vamos apresentar uma agenda de estabilidade e de progresso da Nação, que é uma espécie daquilo que o MPLA apresentou como sendo uma agenda de consensos, e uns falam da necessidade de um pacto de Nação. Precisamos de reforçar a nossa unidade nacional. Não há nenhum partido, sozinho, que vá responder aos problemas que o País tem e que são muitos. Temos de conversar, temos de estar todos num quadro de solidariedade que nos permita participar. Qual é a visão de Angola para crescer economicamente? Nós temos um Governo que chega, dita as regras, não tem resultados, ou se tem, são muito ocasionais. Temos de nos habituar a projectar o País em décadas. Se nós projectarmos o Esperança para ser Governo em 2027 ou em 2032, garanto que vamos ter um País com um desenvolvimento sustentável, porque nós temos ideias credíveis, que emanam de estudos. Nós somos um partido aberto à sociedade, aliás, o Esperança nasceu da sociedade. Agora temos estado a assistir ao disparar do preço do petróleo no mercado internacional, e há pessoas que já acham que a vida está facilitada. Eu não acho assim. E podemos correr o risco de falhar outra vez, como tivemos com o boom do petróleo no passado. As reservas internacionais líquidas têm de servir para acudir a situações ou responder a programas que nos levam ao futuro, porque há-de se ganhar mais dinheiro produzindo, há-de se ganhar mais dinheiro desenvolvendo, criar ambiente de negócio, que ajuda a nossa economia a crescer.

 

*Já agora, que avaliação faz da governação de João Lourenço?*
O combate à corrupção é um factor que deve unir a Nação, porque é a corrupção que nos levou a este estado de coisas. A maneira como as pessoas fizeram a riqueza neste País, que foi do saque ao erário via corrupção, criou-nos esta situação que estamos a viver hoje. Se o Presidente se mostra aberto para combater a corrupção, tem de ter apoio da sociedade. Aqui todos nós temos de nos unir, porque a corrupção neste País e a roubalheira são um sistema. Não é compreensível num País como o nosso ter um caso como Lussaty, por exemplo, que nos deve envergonhar a todos. Como é que uma pessoa, que é um simples major, tem aquele dinheiro todo em casa?! Como é que ele conseguiu, se ele não é gestor?! É um sistema que facilita.


*Até que ponto a reforma do Estado em curso também pode contribuir para enfraquecer este sistema?*
Há algumas ideias de reforma do senhor Presidente da República em que nós apoiamos, há outras que nós contestamos e também há aquelas que nós podemos ajudar para melhorar o desempenho. Estamos no fim do mandato do senhor Presidente, e é importante fazermos balanços. Vamos entrar num novo ciclo, num novo jogo político-eleitoral e é preciso definir as regras do jogo com base nos consensos, com base nos equilíbrios, isto é fundamental. Porque nós precisamos de garantir a estabilidade nacional. Normalmente, os períodos eleitorais são bons, são um teste à nossa democracia; a aceitação de partidos ou não é um teste à nossa democracia; a liberdade de imprensa é um teste à nossa democracia. O diálogo é de todos e para todos, embora entenda que o senhor Presidente tenha bastante responsabilidade nisso. Sabemos que ele tem ensaiado modelos de aproximação, convida vários actores da sociedade civil para conversar, igrejas… são iniciativas boas que devem crescer mais para maior abertura da governação aos cidadãos. Se o Esperança for Governo, naturalmente vai ter um governo de inclusão. Como disse: nenhum partido sozinho vai tirar o País da desgraça. Nenhum! O MPLA está aí há 46 anos e estamos a ver que, sozinho, não leva o barco a lado nenhum, é preciso contar com outras forças políticas, com outras ideias, com outros actores políticos. Os problemas não são só políticos, são também sociais e são gravíssimos.
*Vamos voltar a duas questões que lhe colocámos, das quais precisamos de respostas directas: primeiro, para quando perspectiva ser poder?*
Bom, 2027 é uma meta, mas 2032 é uma garantia.


*Segundo, qual é a avaliação concreta que faz do Executivo de JLo?*
Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, dizia o seguinte: o teste da política é como ele termina e não como começa. Acho que há mais um tempinho para chegarmos a uma avaliação do desempenho do actual Governo. Acho que foi um governo possível, foi um governo com vários desafios, que também não foi fácil, o Presidente João Lourenço não encontrou um País fácil, trouxe um conjunto de visões que foram muito saudadas pela sociedade; em algumas, penso que houve desvios, e, em outras, não foi suficientemente forte para as implementar. Mas há desafios muito bons deixados, que nós podemos aproveitar para, de uma forma ou outra, apoiar e reforçar o melhor desempenho do Governo. A oposição não está só para martelar, para criticar, não temos esta visão de oposição. A avaliação que faço do actual Governo é razoável. O Presidente João Lourenço trouxe ideias inovadoras, mostrou vontade de realizar coisas, mas o contexto também não lhe permitiu.


*Que contexto?*
Estou a falar do contexto político, cuja relação entre o Governo e a oposição foi mais de crispação, não ajudou; estou a falar do contexto económico, que também não ajudou na implementação de vários projectos; estou a falar da pandemia. Sobre o combate à corrupção, estamos completamente sensibilizados para fazer parte desta luta, como, aliás, já temos estado a emitir opiniões, mas queremos estar por dentro e lutar para ver se conseguimos uma Angola fora da corrupção, pois a corrupção é um veneno terrível, que mina tudo, que corrói todo o nosso tecido político, social e económico.


*Falemos das eleições gerais. A composição da actual direcção da CNE e a contratação da INDRA têm sido pontos de acesos debates, com o Governo e a UNITA em margens opostas. De que lado fica o Esperança?*
O nosso entendimento é de que, primeiramente, temos de colocar os assuntos da Nação acima de qualquer vontade de partido, todos nós. Segundo, entendo que o debate começou inversamente, porque, primeiro, procurámos impor as nossas vontades político-partidárias para ganhar vantagem, deixando de parte o interesse nacional. Quando o debate começa assim, tem de acabar mal. Manico é de todo um problema ou não? A contratação da INDRA é de todo um problema ou não? Como é que os partidos estão representados na CNE para ajudar a fiscalizar o processo eleitoral? Agora eu não sou daquelas pessoas que choram pelo leite derramado, temos de encontrar sempre soluções para os vários problemas. Se não resolvemos a situação do Manico ontem, não é hoje que o vamos fazer. O que temos de procurar, para estas eleições, todos: Presidente, partido no poder, partidos na oposição, igrejas, tribunais, sociedade e cidadãos, é buscar a confiança e a credibilidade no processo.


*Os registos desta polémica permitem aspirar por esta busca de confiança?*
É o que lhe disse: prefiro não olhar para trás, prefiro ir buscar os equilíbrios e avançarmos, uma vez que a nossa composição da Assembleia Nacional também não permite este equilíbrio. Há um partido, que é maioritário, que faz passar tudo quanto lhe convém, o que dificulta a possibilidade de alteração do quadro. O que nós temos de fazer é negociar. É normal negociar-se em política, buscar os entendimentos. Penso que os partidos políticos têm experiência, têm maturidade suficiente para isso. Se nós conseguimos alcançar a paz, que foi a coisa bem mais difícil, é possível que a gente consiga encontrar sempre os consensos. Mas se quiser saber da minha verdadeira opinião sobre isso…


*Faz favor.*
Temos de passar por dois caminhos fundamentais: primeiro é o caminho da democratização do País, da consolidação da democracia e o outro é do pacto de estabilidade e do progresso da Nação. Vivemos num clima de desconfianças. E vou mais longe: não sei se há aqui uma oposição, e sobretudo o principal partido na oposição, que ofereça tanta confiança ao partido no poder para uma possível transição.


*Fala de uma questão que nos parece muito delicada e, de certa forma, ofensiva.*
Exactamente. E o Esperança surge como a terceira via para ultrapassar estes problemas. Eu disse que começámos mal estes debates sobre Manico, CNE, INDRA, tribunal e tudo. É importante que nós comecemos a ganhar consciência sobre onde queremos chegar, para termos humildade de reunir à volta de um pacto, que nos ajude a esbater todas estas zonas cinzentas. Fora disso, vai ser sempre difícil. Como é que se justifica, num clima de paz, vivermos o nível de intolerância que vivemos? Eu não gosto da violência que a Polícia exerce sobre manifestantes. Aliás, eu fui um grande mobilizador para as manifestações, fui preso, e injustamente, eu conheço esta carga repressiva policial contra manifestantes. Mas também não posso admitir nem tolerar que grupos de manifestantes, por exemplo, usem linguagens obscenas contra o Presidente ou contra as instituições. Nós não estamos a criar um bom ambiente para a unidade nacional e solidariedade social, sobretudo, que nos permita maior aproximação. Isso é assim: se eu amedrontar quem está no poder a um nível capaz de pôr em causa a sua integridade física e os seus interesses, o poder endurece-se mais, por isso é que eu estou a falar muito do diálogo, dos equilíbrios e dos consensos.


*O senhor vem de um partido político com histórico em contestações de resultados eleitorais. Hoje, no Esperança, o seu discurso muda, em termos de credibilidade no processo eleitoral no País?*
É uma questão interessante. Freitas do Amaral, um exímio professor de Direito Constitucional, escreve o seguinte: “A política, para além de ser um meio de conquista e manutenção do poder, ela é, também, um espaço de reflexões e debates, daí as ideias políticas”. Eu evoluí muito, maturei muito politicamente, porque este meu período de estágio serviu só para estudar a nossa vida política. A minha convicção de que, com o Esperança, com esta nova geração, vamos fazer diferente, é resultado disso.


*Tem falado de pacto. Estaria disponível a integrar a Frente Patriótica Unida?*
Nós já vamos tarde para qualquer aliança político-partidária. Contudo, não podemos dar garantias, porque não somos ainda um partido de facto, do ponto de vista material. Penso que é difícil participar de um instrumento de que você não participou na concepção. Eu não sei como é que se construiu a Frente para eu me juntar. Nós teríamos a nossa visão para também ajudarmos a encontrar um instrumento melhor, possa ser que teria ajudado. Como não participámos da concepção da tripartida, nós não podemos… o Esperança é uma grandeza, é uma geração que acredita, há capacidade e há trabalho para o efeito. Nós não vamos integrar na Frente Patriótica Unida. Há capacidade para trabalhar a solo e conseguir bons resultados. Talvez, para o futuro, qualquer coisa funcione. Estamos em boas condições para disputar eleições em 2022.


*Falemos da UNITA. Hoje, o que é a UNITA para si?*
A UNITA, para mim, é coisa do passado. Eu não sou filho de família tradicional da UNITA. Sempre cresci em Luanda, e a minha família não é ligada a partidos políticos. Portanto, eu era o único com militância na UNITA e fi-lo com convicção própria, com ideia de poder participar na vida política do País. Mas, quando entendi que a UNITA já não representava aquilo que eu desejava, preferi sair, pois não fui para a UNITA para ser um mero militante, mas, sim, para ajudá-la a crescer mais e a chegar ao poder.


*Tem dito que foi bloqueado.*
Até certo ponto sim, porque o nosso brilho também incomodou, e havia a ideia de que este pode ser o próximo presidente da UNITA. Portanto, fui para a JURA e liderei este fragmento juvenil do partido depois de ganhar as eleições contra pessoas que são de famílias tradicionais da UNITA, sem o apoio da direcção do partido, precisamente do presidente Isaías Samakuva, que largamente apoiou o Adriano Sapinãla, e os militantes sabem disso. Mas, com apenas três anos de militância e não uma militância activa, acreditei que iria ganhar aquele congresso. Não era muito conhecido dentro da UNITA, mas, sim, fora dela. Transportei o meu capital político para dentro da UNITA e consegui convencer os eleitores, que era tarefa difícil, ganhando o congresso. O meu brilho internamente incomodava.


*Como é a sua relação com Samakuva?*
Não tenho nenhuma. Tivemos enquanto fui líder da JURA, no âmbito institucional. Durante o período em que estive na UNITA, fiz poucos amigos. Sinto que cumpri a minha missão e marquei uma época da história da UNITA no sentido positivo, visto que tive mais glórias e conquistas do que qualquer outra coisa.


*Não teve nenhum contacto com o MPLA na perspectiva da acusação de que terá sido corrompido?*
Não. Eu tenho relações com muitos políticos deste País, apesar das divergências no campo político. Criaram uma mentira para parecer verdade.


*Já há quem relacione o Esperança ao MPLA.*
É sempre assim, quando não é com eles, é contra eles. Mas, tudo que vem do Sovsmo, para mim, é um barulho num tambor vazio e, se eu ligar muito, não vou fazer nada. É normal perceber isto, mas é contra isto que o Esperança vai lutar, porque somos uma nova geração de políticos, com novas ideias.


*Alguma vez foi contactado para ingressar no MPLA?*
Sim, muitas vezes.


*Apresentaram-lhe propostas aliciantes?*
Sim, e neguei-as. Não podemos ser todos do MPLA. Eu sou um político que estuda fenómenos, causas e consequências políticas. Não estudo só o cenário político angolano, mas, também, o africano e o mundial. Quando rejeitei ingressar no MPLA, estava a fazer análise de consciência, na perspectiva de saber o que vem no futuro. Eu sou uma pessoa com visão de águia, olho para além do óbvio e já sei o que irá acontecer em 2026 e 2027, por isso, estou a preparar-me para isso.


*Qual é a visão do Esperança sobre o desempenho da comunicação social?*
Vítimas da imprensa, sobretudo pública, somos todos, até o partido no poder, que domina a imprensa pública e parte da privada. Quem fez a Angola virtual e que vendeu a imagem de um País que não existe é a imprensa, e prejudicou fortemente o Executivo e o MPLA. Se nós não tivermos consciência do verdadeiro papel da imprensa para o amadurecimento da nossa democracia e para o processo de desenvolvimento nacional, vamos falhar. Visitei quase que todos os órgãos de comunicação social, ouvi as suas preocupações; ouvi o Sindicato dos Jornalistas, ouvi a Comissão de Carteira e Ética e produzimos um memorando com vários pontos, pontos fortes sobre os problemas dos jornalistas, que são muitos e gritantes. No memorando, enviado recentemente ao Estado, apelamos para que ganhe consciência do seu papel de financiamento à imprensa, de criação de incentivos à imprensa. Por isso mesmo é que nós, Esperança, colocamos as pessoas no centro da nossa vida política. É pelas pessoas que nós existimos, para as defender e defender os seus interesses, garantindo melhor qualidade de vida aos angolanos e angolanas. A nossa aposta para responder a esses desafios fundamentais para o desenvolvimento e o futuro passa por cinco eixos fundamentais.

*Que eixos são estes?*
Introduzir um novo modelo de governação, assente na inclusão e na transparência; Minimizar a pobreza e a exclusão social, precisamos de apostar fortemente no sector produtivo para as famílias terem alimentos, trabalho e desenvolverem as comunidades; Apostar na educação e na saúde; O acesso ao mercado de emprego e à habitação e A unidade e reconciliação nacional.


*Recorre muito à América como referência, e, curiosamente, o Esperança traz uma bandeira muito parecida com a dos Estados Unidos.*
(Risos) É mera coincidência. A nossa bandeira é muto bonita, muito atractiva, muito significativa para aquilo que são os grandes desafios de Angola. Mas, sou um bom leitor dos clássicos norte-americanos. Para mim, Obama é da escola nova, representa um novo modelo de fazer política e penso que é por isso que ele conseguiu conquistar os americanos, mesmo sendo negro e jovem.

*Qual é a principal fonte de financiamento do Esperança?*
A competição política tem custos, e custos muito altos. Nós temos dois adversários que têm estruturas financeiras e materiais muito grandes, têm até rádios. Lido com as grandes coisas de forma muito simples. E há uma coisa que eu percebi também nos angolanos: são poucos os que acreditam em si. Sempre tive sucesso nos processos que liderei. Quando fundei o Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA), tinha 19 anos, e tínhamos a UNI-Angola, que era suportada pelo Governo. O MEA continuou e a UNI-Angola morreu, com todas as condições que teve. Quando fui para JURA, verdade seja dita, tive pouco apoio para aquela empreitada de trabalho que fiz. Para mim, e aliás, como diz o Obama: nem sempre o dinheiro determina a vitória eleitoral. Durante esta fase até aqui, digo-lhe de viva voz: nós não temos patrocinadores. Nós vivemos das nossas contribuições, da capacidade de transformar o pouco.


*Perfil*

Aos 40 anos, Mfuca Muzemba persegue o sonho de vir a ser Presidente da República, através de um projecto de partido político — Esperança — de que é o principal mentor e que aguarda pelo aval do Tribunal Constitucional para a sua legalização. Nada mais comum para um jovem que tem como fonte de inspiração Barack Obama. É formado em Direito e tem no seu perfil um destacável percurso na sociedade civil, tendo mão na génese do Movimento de Estudantes Angolanos (MEA). Foi dirigente da JURA, o braço juvenil da UNITA, formação política que abandonou o ano passado após um polémico caso que o associou a alegados actos de corrupção, facto que sempre negou e o descreve como tendo sido uma ‘cabala’ montada contra a sua ascensão política.