Luanda – O Tribunal Constitucional está em vias de anunciar anulação do XIII congresso ordinário da UNITA, realizado em dezembro de 2021, a pretexto de “terem sido violados princípios e direitos protegidos pela constituição, pela lei dos partidos políticos e pelos estatutos da UNITA, ferindo de nulidade todos os actos praticados e supervenientes”. A decisão consta no “draft” do processo 924-B/2021, que o Club-K teve acesso.

 

REPÚBLICA DE ANGOLA
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
ACÓRDÃO N. /2022

PROCESSO N.º 924-B/2021
(Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)

Em nome do povo, acordam, os Juízes, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

Ilídio Chissanga Eurico, Amaro Cambiete Sebastião Caimana, Sócrates Iava Kabeia, Elisbey Chinjola Bamba Setapi, Manuela dos Prazeres de Kazoto, Ana Filomena Junqueira da Cruz Domingos e Filipe Mendonça, devidamente identificados nos autos, vieram impugnar o acto de deliberação da I Reunião Extraordinária da Comissão Política da UNITA, que aprovou a convocação e a data de realização do XIII Congresso Ordinário do Partido Político para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, com fundamento nos direitos consagrados no artigo 29.º da Constituição da República de Angola (CRA) e nas disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC) e dos artigos 1.º e 95.º, ambos dos Estatutos da UNITA saídos do XII Congresso Ordinário de Dezembro de 2015.


Para sustentar o seu pedido, os Requerentes invocaram os factos e fundamentos constantes do seu requerimento inicial constitutivo de fls. 2 a 19 extraindo-se, em síntese, o seguinte:


1. O acto que convoca o XIII Congresso da UNITA é uma convocatória tornada pública pelo Presidente Isaías Samakuva, no dia 27 de Outubro de 2021, na presença do Comité Permanente da Comissão Política e amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação social.

2. No dia 8 deste mês de Novembro, os Requerentes apresentaram, junto do órgão jurisdicional competente do Partido, o requerimento de impugnação do vício de que enferma a deliberação que sustenta o acto de convocação do Congresso. Tal convocatória é impugnável e deve ser anulada, porque se baseou exclusivamente em pressupostos errados e em deliberação eivada de ilegalidade por violação à Constituição e regras essenciais relativas ao funcionamento democrático dos partidos políticos.


3. A deliberação eivada de ilegalidade, que sustentou a convocatória, é a decisão da Comissão Política sobre a realização do XIII Congresso nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, tomada num ambiente de intimidação e coacção, violando-se princípios constitucionais.

 

4. Sucede que, tão-logo se convocou a referida reunião, começou nas redes sociais e não só uma campanha de intimidação com ameaças de morte aos membros da Comissão Política e actos de vandalismo às instituições do Partido, tudo protagonizado por membros da UNITA em conluio com alguns cidadãos da sociedade civil e simpatizantes do Eng.º Adalberto Costa Júnior.

 

5. No decorrer da reunião, os que se manifestaram contra a realização do Congresso para as datas indicadas foram ameaçados e insultados. Foi neste ambiente de falta de liberdade que a reunião deliberou. Além disso, o voto que sustentou a deliberação não foi um voto livre. O voto aberto, de mão no ar, em ambiente de autoritarismo, agressão e ameaças, condicionou as pessoas. Pior do que isso, violou as normas reguladoras aplicáveis, violou o princípio da legalidade.

 

6. No dia 27 de Outubro, foi aprovado o cronograma de actividades, conducente à realização do Congresso, que encerra um calendário irrealista, que não permite a observância efectiva do princípio da legalidade na realização dos actos preparatórios inscritos no cronograma.


7. Os Requerentes pretendiam candidatar-se, porém, até ao dia 4 de Novembro de 2021, o Regulamento Eleitoral, que regula a subscrição de assinaturas, os impedimentos, as inelegibilidades, os financiamentos, os prazos, as campanhas, etc., não havia sido ainda aprovado. Até foi iniciado um processo de candidatura que, entretanto, teve de ser abortado por os Requerentes terem constatado não ser possível organizar e apresentar uma candidatura ao Congresso sem ferir a legalidade.

 

8. No dia 20 de Outubro de 2021, quando chegaram ao local da reunião, surpreenderam-se ao avistarem, no portão, um motim que agredia verbalmente os membros da Comissão Política da UNITA devidamente identificados, ameaçando-os de que se eles não aprovassem e aceitassem a data de realização imediata do XIII Congresso Ordinário, para se eleger como Presidente Adalberto Costa Júnior, já não regressariam mais às suas casas, pois, diziam eles, “não estavam ali para brincadeiras e nem seriam responsáveis pelo que poderia acontecer aos mesmos”.

 

9. Os autores da consumação dos referidos actos seriam os membros da UNITA. Tais indivíduos começaram por se concentrar no local da reunião no dia 19 de Outubro, um dia antes da reunião, numa suposta vigília. O principal alvo de agressão era o Presidente Isaías Samakuva. Vale dizer que os jovens que perpetraram o vandalismo terão sido previamente instruídos por membros de alta estrutura do Partido.

 

10. Para o efeito, conferir duas fotografias identificadas no Anexo I, como Docs. N.ºs 18 e 19, em que é possível identificar os mandantes das arruaças e ameaças graves aos quadros dirigentes e membros da Comissão Política, coagindo-os com ameaças de morte e agressões físicas, cercando o portão de entrada e de saída, num clima de autêntico terror, para fazerem pressão aos membros reunidos.

 

11. Do interior da sala de reuniões ouvia-se toda a confusão instalada no portão, pois, nem mesmo os agentes da Polícia conseguia conter os ânimos dos jovens agressores. Na sala de reuniões prevalecia, também, o ambiente de intimidação e coação e bastava alguém pedir a palavra para exprimir uma ideia diferente dos grupos organizados que era logo vaiado e agredido com os termos “traidores”, “vendidos”. Não houve condições para se deliberar em liberdade.
12. Portanto, naquelas circunstâncias, nos termos do Regulamento, a votação deveria ser secreta e não aberta. Assim, foram violados durante a reunião, dentro ou fora da sala, o direito à integridade pessoal, o direito à liberdade física e à segurança pessoal, o direito à liberdade de expressão, protegidos pelos artigos 31.º, 36.º e 40.º, todos da CRA.


13. Os crimes de ameaça e coação grave, puníveis pelos artigos 170.º e 172.° do Código Penal (CP), são violações a direitos e liberdades fundamentais. Nos termos do artigo 170.° do CP, comete crime de ameaça “quem, por qualquer meio, ameaçar seriamente outra pessoa, com a prática de um crime contra a integridade física, a liberdade pessoal (...)". Assim, ao ter sido afirmado que se os membros da Comissão Política não votassem para a realização do Congresso na data mais próxima teriam graves consequências, o comportamento dos agressores traduz este tipo de crime.


14. Pelo comportamento dos jovens no local da reunião e pelo comportamento combinado dos mandantes na sala da reunião, ao sugerirem que a votação fosse aberta e não secreta; pelo ambiente de terror e forte violência instalado fora da sala, conclui-se que houve crime de ameaça grave, previsto e punível pelo artigo 172.º do CP.

 

15. Consequentemente, as deliberações saídas da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, relativas à data do XIII Congresso, estão eivadas de invalidade, porque foram obtidas de forma ilícita, por meio da coação moral, pelo que deve ser anulada.

 

16. Nas circunstâncias vividas na reunião, o voto aberto, forçado ou condicionado também não pode ser considerado "voto expresso", facto que viola a norma regulamentar sobre as reuniões dos órgãos deliberativos da UNITA, inserta no n.º 4 do artigo 113.º do Regulamento Interno, nos seguintes termos: "As deliberações são tomadas por maioria dos votos expressos (…). Não tendo havido votos expressos, a deliberação não é válida.


17. A reunião fixou a data de 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021 para a realização do XIII Congresso Ordinário sem terem sido asseguradas, minimamente, as condições práticas, políticas e materiais para o efeito.

 

18. Sem prejuízo dos efeitos jurídicos do Acórdão e das nulidades subjacentes, no tempo e no espaço, nenhum relatório foi produzido ou presente sobre a situação financeira real do Partido e, ainda assim, a Comissão Política deliberou agendar o Congresso para Dezembro de 2021, sem ter recebido garantias sólidas da legítima proveniência e da disponibilidade efectiva de fundos para o efeito.

 

19. Por todas as razões expostas, os Requerentes impugnaram a deliberação da Comissão Política, eivada de vício de ilegalidade, junto do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA. Passados oito dias, porém, este órgão jurisdicional não se dignou respeitar a Lei e os Estatutos para agir ou para responder aos autores, nos termos estabelecidos pelo seu próprio Regulamento.

 

20. Ao invés do Conselho Nacional de Jurisdição responder à denúncia de coação feita pelos Requerentes, surgiu o digno Secretário da Comissão Política a executar mais um acto de coação, quando, no dia 16 de Novembro de 2021, instou os membros a assinarem uma declaração feita por ele próprio, em que afirmam que ninguém foi coagido a votar naquele dia, que haviam plena liberdade, etc.

 

21. Transcreve-se, a seguir, o teor da mensagem, distribuída através das redes sociais: “Distintos membros da Comissão Política: Comunica-se a todos os participantes da I Reunião Extraordinária deste órgão, realizada dia 20 de Outubro de 2021, residentes em Luanda, para assinatura de um documento urgente. Pedimos que o façam nos dias 17 e 18 de Novembro”.

 

22. O documento produzido para simples assinatura dos membros, e distribuído por orientação do presidente do órgão, tem o seguinte teor: “DECLARAÇÃO. Eu...... (nome, identificação completa e contacto telefónico), membro da Comissão Política, declaro, por minha honra, que, na Reunião Extraordinária da Comissão Política, realizada no dia 20 de Outubro, participei e votei em plena liberdade à convocação e realização do Congresso marcado para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021. Por conseguinte, não fui coagido nem ameaçado no exercício do meu direito de voto acima referido. Luanda,....de....de 2021. O DECLARANTE”.

 

23. É importante frisar que não se está em presença de um conflito entre o órgão Comissão Política e alguns dos seus membros. Trata-se, sim, como se demonstrou acima, de um conflito entre a Comissão Política e os Estatutos, a Lei dos Partidos Políticos e a Constituição, um vício no processo de formação da vontade, que se reflete, também, no conteúdo e na eficácia da deliberação tomada. É esta deliberação que, no interesse coletivo da UNITA, está sendo impugnada por se ter tornado num vector de instabilidade e prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.

 

24. Conclui-se, do exposto, que a deliberação da Comissão Política, que fixa a data de 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, para a realização do XIII Congresso Ordinário da UNITA, está eivada do vício de ilegalidade e tornou-se num factor de instabilidade, por agredir a unidade e a coesão interna dos membros do Partido. A sua execução já começou a produzir prejuízos irreparáveis para a UNITA, que tendem a agravar.

 

25. É verdade que os partidos políticos são organizações autónomas, com órgãos “soberanos”, como os seus Congressos ou Convenções. Todavia, a “autonomia” desses órgãos partidários não é ilimitada, nem se confunde com o autoritarismo, arbitrariedade e muito menos com a ilegalidade. Seus limites são o republicanismo e o Estado de direito, consubstanciados no princípio da legalidade.

 

26. O Estado moderno surgiu buscando romper com a tradição monárquica e promover a despersonalização do poder, transmutando o poder concentrado em uma pessoa para um poder diluído em instituições no propósito de converter o poder imposto pela força em poder de consenso social. Partindo dessa pretensão, Montesquieu propõe, na sua teoria constitucional, dois princípios capazes de proteger os cidadãos das arbitrariedades: a legalidade, como garantia de liberdade, e a separação de poderes que, em rigor, deriva do primeiro.

 

27. O mesmo é aplicável aos partidos políticos, que concorrem para o poder público no Estado de direito democrático. O antídoto concebido foi a limitação do poder real através da gênese de um governo de leis em substituição ao governo de homens. E nesse momento que toma corpo o princípio da legalidade, como uma contenção ao poder absoluto do rei.

 

28. Para Celso Antônio, o princípio da legalidade contrapõe-se a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos aspirantes a governantes, opondo-se, frontalmente, a todas as formas de poder autoritário.


Os Requerentes terminam pedindo que seja declarado nulo o acto que convoca o XIII Congresso Ordinário do Partido Político, por violação da Constituição, da Lei dos Partidos Políticos e dos Estatutos da UNITA.

 

O Partido Político UNITA, Requerido nos autos, notificado para contra-alegar, contestou os factos e fundamentos articulados pelos Requerentes, conforme consta do documento de fls. 75 a 134, pelo que aqui se reproduz, no essencial, o seguinte:

 

1. O Tribunal Constitucional é um tribunal de especialidade, cuja competência material está prevista no n.º 2 do artigo 181.º da CRA. Por excepção dilatória, não é competente para, em primeira instância, conhecer e decidir sobre matéria do fórum comum, matéria que, à luz da lei penal angolana, configure crime e não é, também, competente para conhecer e decidir, em primeira instância, sobre conflitos que resultem da fixação, sob critério democrático interno, de datas dos congressos de partidos políticos.

 

2. A matéria vertida nas alegações é um artifício através do qual os Requerentes buscam, ardilosamente, afrontar uma deliberação democrática tomada por 94,9% dos membros da Comissão Política da UNITA. Por meio de falsas declarações, os Requerentes construíram uma narrativa fundada em denúncias de ameaças de morte, agressões físicas, insultos à honra e ao bom nome das pessoas, dentre outras condutas que, em tese, configuram crimes à luz da lei penal, o que faz deste Tribunal incompetente em razão da matéria, sob pena de usurpação de competência.

 


3. Diz a lei adjectiva, no seu artigo 66.º do Código de Processo Civil (CPC), que “as causas que não sejam atribuídas por lei a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum”. Dito isto, o caso em tela configura excepção dilatória, por incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, segundo a alínea f) do n.º 1 do artigo 494.º, conjugado com os artigos 66.º e 101.º, todos do CPC. Disto resulta, como é de lei, que este Tribunal se abstenha de conhecer do mérito da causa e, em acto contínuo, absolva a requerida da instância, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 493.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 288.º, ambos do CPC.

 

4. Mesmo que este Tribunal fosse competente em razão da matéria, ainda assim, impõem-se as excepções peremptórias, pois a matéria vertida e alegada pelos Requerentes na presente acção de impugnação não é cabível na previsão legal do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP).

 

5. Ardilosamente e com a intenção de lograr uma decisão célere e útil, os Requerentes trazem, ao longo da sua petição inicial, factos que, apesar de inventados e por exclusão, nada têm que ver com a competência material deste Tribunal, Diz o n.º 2 do artigo 29.º da LPP que “os conflitos internos sobre a utilização de fundos devem ser apreciados pelo Tribunal de Contas, os que resultarem da aplicação dos estatutos ou convenções, pelo Tribunal Constitucional e os que forem do fórum cível e administrativo devem ser dirimidos pelos tribunais comuns”.


6. Não restam dúvidas de que os Requerentes agiram conscientemente, inventaram falsos factos criminais e falsificaram provas com base na má-fé e, de forma dolosa, para prejudicar e violar direitos do Requerido, conduta que constituí, no caso vertente, excepção peremptória, prevista nos termos do artigo 496.º do CPC.

 

7. A deliberação que fixou a data do XIII Congresso Ordinário foi votada com base no que estabelece os n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º dos Estatutos, tendo sido apurados 222 votos a favor, 1 contra e 11 abstenções. Desta asserção decorre o facto provado de que os Requerentes violaram o princípio da subordinação activa da minoria à maioria.

 

8. Este princípio está previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º dos Estatutos da UNITA e diz o seguinte: “tomada a decisão, os indivíduos que estiverem em minoria devem respeitar, escrupulosamente, o parecer da maioria e cumprir a decisão democraticamente tomada”.

 

9. O n.º 1 do artigo 69.º dos Estatutos estabelece que o Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA é o órgão ao qual se atribuí a tarefa de dirimir os conflitos internos que possam ocorrer entre os órgãos do Partido e entre estes e os seus membros. Na alínea b) do n.º do mesmo artigo 69.º consta que ao Conselho Nacional de Jurisdição compete declarar a nulidade e anulabilidade das deliberações dos órgãos deliberativos e executivos centrais e provinciais contrários aos Estatutos e à Lei.

 

10. Torna-se transparente que este Tribunal é incompetente em razão da matéria para julgar, em primeira instância, os conflitos internos que surjam na UNITA, quer entre os seus membros quer entre estes e seus órgãos, como é o caso presente.


11. Atento às competências estabelecidas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 69.º dos Estatutos, este Tribunal não pode (e não deve) substituir-se ao Conselho Nacional de Jurisdição, nem anular a sua jurisdição interna, sob pena de configurar um acto contrário à Constituição.


12. Não será, pois, despiciendo reafirmar que os Requerentes não esgotaram os recursos estabelecidos na ordem interna da UNITA, previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º dos Estatutos, situação que fez precludir a faculdade processual; os Requerentes colocaram-se na situação de impossibilidade jurídica de exercício do direito ora reclamado perante este Tribunal.


13. Facilmente se percebe do supra expendido que à presente ação de impugnação cabe indeferimento liminar, pelo que não se sabe a razão pela qual o Requerido foi citado para contestar, visto que se está perante uma incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria (alínea b) do n.º 1 do artigo 474.º do CPC.

 

14. Entretanto, por impugnação, referimos que, no dia 8 de Novembro de 2021, os Requerentes apresentaram um “Requerimento de Impugnação” não já ao Conselho Nacional de Jurisdição, como incorretamente se referem no seu articulado, mas, sim, ao Presidente do Partido que, por sua vez, o remeteu, no dia 9 do referido mês, para o Conselho, quebrando, aqui, o procedimento quanto àquele órgão jurisdicional interno da UNITA.

 

15. Segundo os Requerentes, a acção de providência cautelar que antes intentaram visou evitar que se agravassem e se alastrassem os danos irreversíveis que estavam a causar em suas esferas jurídicas. Era suposto que, sobre construções alegóricas, este Tribunal não decretasse a providência cautelar requerida. Se fosse decretada, isso resultaria, definitivamente, num dano irreparável, que é a extinção do Partido UNITA, nos termos da Lei dos Partidos Políticos.

 

16. É facto que o Presidente da UNITA convocou o XIII Congresso Ordinário para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, no rigor do previsto no n.º 1 do artigo 27.º dos Estatutos vigentes à data dos factos, ou seja, ouvida a Comissão Política reunida no dia 20 de Outubro de 2021.

 

17. Não é perceptível o que pretendem os Requerentes provar, mas é certo que o Requerido não tem a menor dúvida de que as imagens de violência e ferimento no rosto não são da responsabilidade da Comissão Política reunida no dia 20 de Outubro, no complexo do Sovsmo.

 

18. As provas de pessoas com ferimento no rosto ocorreram noutro contexto; o cidadão que apresenta o rosto ferido, sem sangue a escorre-lhe no rosto, o que era suposto acontecer, esteve envolvido numa briga noutro lugar devidamente identificado e, decerto, foi cuidadosamente preparada esta prova para comoção deste Tribunal.

 

19. A Comissão Política e o Presidente, Isaías Samacuva, eleitos no XII Congresso, voltaram por imperativo do Acórdão n.º 700/2021, proferido no Processo n.º 887-A/2021, pelo que não há equívocos, tais órgãos perderam, por decurso do tempo, a legitimidade em 2019.

 

20. O Acórdão repristinou os órgãos deliberativos e de direcção executiva, mas põe-se em causa a sua legitimidade, pois a legitimidade é conferida por votos dos militantes da UNITA reunidos em Congresso.

 

21. Impõe-se aqui dizer que junto ao portão de entrada principal do complexo do Sovsmo, sito em Viana, havia uma concentração de cidadãos. Entretanto, não constituí crime participar de uma manifestação ou vigília.Não corresponde à verdade a alegação dos Requerentes segundo a qual os membros da Comissão Política foram ameaçados de morte e coagidos a determinar a oportunidade para a realização do XIII Congresso Ordinário nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021.

 

22. Também, que fique isto claro, não passa pela cabeça de nenhuma pessoa razoável, com o mínimo de senso comum, que no actual contexto político possam surgir outras candidaturas na UNITA, que reúnam consenso e condição políticas para “derrotar” o candidato Adalberto Costa Júnior. As candidaturas são livres e dependem da livre e espontânea vontade dos membros. Quem pensa que reúne condições, pode se chegar à frente.

 

23. Quem recepciona, analisa, regista e valida os processos de candidaturas ao cargo de Presidente da UNITA é a Comissão de Mandatos, nos termos da alínea e) do artigo 3.º do Regulamento da Comissão de Mandatos, aprovado a 29 de Outubro de 2021 e promulgado na mesma data.

 

24. O Instrutivo n.º 01/CMXIII DE CANDIDATURAS, que autoriza a apresentação de candidaturas, foi exarado no dia 1 de Novembro de 2021 e os requisitos exigidos para o cargo de Presidente da UNITA são os que constam do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos do Partido.

 

25. Como facilmente se percebe, os Requerentes não precisavam de aguardar pelo Regulamento Eleitoral (promulgado aos 9 de Novembro) para promoverem a alegada candidatura.

 

26. Os Requerentes alegam que "não é possível, nas condições de funcionamento do País, satisfazer os requisitos para organizar e apresentar uma candidatura ao cargo de Presidente da UNITA no espaço de dez dias, sem ferir de alguma maneira o princípio da legalidade", mas reconhecem que o “ora deposto” conseguiu apresentar a sua candidatura, por isso, face à natureza excepcional, qualquer candidatura interessada na disputa do cargo de presidente estava obrigada a adaptar-se ao calendário político interno.

 

27. Portanto, os Requerentes equivocaram-se ao confundir o direito à manifestação, previsto na Constituição, com a prática de actos criminais; em nenhum momento os membros da Comissão Política se sentiram ameaçados; o voto foi exercido em liberdade e consciência; não se registaram ameaças nem coação sobre os membros que votaram, tanto os que subscreveram favoravelmente, os que não subscreveram, tanto os que se abstiveram.

 

O Requerido termina pedindo que seja julgada procedente a contestação oferecida; que sejam analisadas e julgadas procedentes as excepções dilatórias e peremptórias arroladas, que seja extinto o processo sem resolução de mérito ou que seja declarada improcedente a presente acção de impugnação.
O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II – COMPETÊNCIA

No presente processo, os Requentes enunciam, a fls. 3, que vêm a este Tribunal Constitucional impugnar o acto deliberativo da Comissão Política da UNITA, praticado na I Reunião Extraordinária do referido órgão, por alegada violação de princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, na lei e nos Estatutos.


Esta alegação consubstancia a existência de matéria controvertida de facto e de direito sobre um conflito interno do Partido Político relativamente à observância da legalidade constitucional, ordinária e estatutária, que os Requerentes, no exercício do seu direito de acção, apresentaram a este Tribunal Constitucional para os devidos efeitos julgados legais.

 

A norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA estabelece que compete a este Tribunal Constitucional exercer jurisdição sobre questões de natureza jurídico-constitucional e político-partidária, nos termos da Constituição e da lei.

Assim sendo, o Tribunal Constitucional tem competência para, através do seu Plenário, conhecer o processo de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias, conforme o que, conjuntamente, vem disposto no n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), na alínea i) do artigo 16.º e no artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), bem como na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º e no artigo 66.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

III – LEGITIMIDADE


Um dos pressupostos processuais de uma acção de impugnação que, por iniciativa das partes, deve correr termos no Tribunal Constitucional, é a legitimidade do requerente ou do recorrente e do requerido ou do recorrido, enquanto autor ou réu conforme o caso, mediante demonstração de dados ou documentos comprovativos.

 

A legitimidade afere-se, assim, estando o autor da acção de impugnação como parte legítima quando tem interesse directo em demandar, isto é, interesse directo em pedir a apreciação da justiça constitucional sobre o conflito existente e estando o réu como parte legítima quando tem interesse directo em contradizer as acusações que lhe são dirigidas no âmbito da relação conflituoso derivada da aplicação da lei ou dos estatutos.


O interesse em demandar exprime-se pela utilidade ou vantagem directa que o autor da acção procura assegurar da procedência da acção que intenta jurisdicionalmente, ao passo que o interesse em contradizer expressa-se pela desvantagem ou prejuízo directo que o réu procura evitar com uma previsível decisão judiciária para si desfavorável.

 

Os Requerentes são militantes e membros da Comissão Política da UNITA, estão devidamente identificados e constituíram patrocínio judiciário, pelo que a Constituição e a lei lhes assistem legitimidade para intentarem a presente acção de impugnação do acto deliberativo que convocou o XIII Congresso Ordinário do Partido Político para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º da CRA e dos artigos 26.º e 32.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º da LPC.

IV – OBJECTO

A presente acção de impugnação tem como objecto a verificação da conformidade legal da deliberação da Comissão Política da UNITA, proferida em sede da I Reunião Extraordinária do dia 20 de Outubro de 2021, que sustentou a convocatória e a data de realização do XIII Congresso Ordinário, marcado para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, nos termos da Constituição, da lei, dos Estatutos e dos regulamentos do Partido Político.

V – APRECIANDO


Por imperativo legal a que estão sujeitos os órgãos do Poder Judicial que administram a justiça, todos os Tribunais, sem excepção, são obrigados, quando muito, ex oficcio (oficiosamente, por iniciativa do próprio órgão), analisar previamente os requisitos processuais para conhecer do mérito da causa, sem prejuízo de serem suscitados pelo requerido.

 

Comumente estudados e reconhecidos como pressupostos, os requisitos processuais são essenciais ao regular desenvolvimento da instância, porque permitem que o processo prossiga e culmine com uma decisão jurisdicional que solucione, efectivamente, o conflito colocado à apreciação deste Tribunal, para que possa dar ou negar provimento, conforme assiste razão ou não aos requerentes, diante dos direitos e princípios em causa.

 

A inobservância dos pressupostos processuais desabilita o Tribunal Constitucional de se pronunciar sobre o mérito da causa, porém, se estiverem reunidos todos os requisitos processuais, o processo permite que o Plenário de Juízes conheça do fundo da questão.

 


Antes do Tribunal Constitucional analisar as questões de fundo, vai apreciar, nas questões prévias, os pressupostos processuais não relativamente às partes, normalmente identificados como a legitimidade das partes, o interesse em intentar a acção, a personalidade judiciária, o patrocínio judiciário obrigatório ou a capacidade judiciária.

 

No cerne dos prossupostos processuais, importará analisar os relativos ao tribunal e ao objecto da acção, nomeadamente as competências em razão da matéria e da hierarquia; a aptidão do requerimento e a não verificação da litispendência.


Assim, o Tribunal procede-se à apreciação do seguinte:

A) QUESTÕES PRÉVIAS

O Requerido vem, ab initio, a fls. 80 e 81 dos autos, defender, por excepção dilatória, que o Tribunal Constitucional não é competente para, em primeira instância, conhecer e decidir sobre matéria de fórum comum que, à luz da lei penal angolana, configure crime; não é competente para, em primeira instância, conhecer e decidir sobre conflito que resultem da fixação, sob critério democrático interno, de datas dos congressos de partidos políticos.


A supra invocação feita pelo Requerido, por excepção dilatória, está associada às alegações dos Requerentes, a fls. 3 e 13 dos autos, sobre ameaças de morte, agressões físicas, insultos à honra e ao bom nome das pessoas, dentre outras condutas que, em tese, configuram crimes previstos na lei penal angolana, o que torna este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer de tais factos, passando total responsabilidade aos Tribunais da jurisdição comum.


Para além disso, o Requerido, a fls. 82 a 86, contesta os fundamentos dos autos por excepção peremptória, invocando que as questões alegadas pelos Requerentes, a fls. 1 a 17, que sustentam a presente acção de impugnação da deliberação da Comissão Política da UNITA, não cabem na previsão legal do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP).

 

Para o Requerido o que está em causa, nas excepções peremptórias, é o facto de os Requerentes não respeitarem o princípio da submissão da vontade da minoria à vontade da maioria, podendo, inclusive, pedir ao órgão deliberativo, por duas vezes, a reapreciação da deliberação, nos termos do artigo 16.º dos Estatutos; inventarem falsos factos criminais e falsificarem provas com base na má-fé e no modo ardiloso, para prejudicar e violar direitos do Requerido; recorrerem a este Tribunal que não tem competência em razão da matéria para tratar de conflitos de gestão financeira, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da LPP, e não ter competência em razão da matéria para, em primeira instância, declarar nulidade ou anulabilidade das deliberações dos órgãos, porque é competência do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA dirimir conflitos internos que surjam no seio do Partido.


Por um lado, as excepções dilatórias são um conjunto de condições verificáveis num processo que, quando confirmadas, obstam a que o Tribunal se pronuncie se ao autor da acção assiste ou não razão, dando lugar à absolvição do réu da instância ou à remessa do processo para outro tribunal e, por outro, as excepções peremptórias respeitam ao mérito da causa, geram a absolvição total ou parcial do pedido, porque o réu traz factos novos e não refuta propriamente os factos articulados pelo requerente. Ou seja, as excepções peremptórias consistem na alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico pretendido pelo autor da acção, conforme faz ciência o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 493.º do Código de Processo Civil (CPC).


A propósito das duas figuras jurídicas supra referidas, Alberto dos Reis explica que “as excepções dilatórias visam produzir a absolvição do réu da instância”, ao passo que “as excepções peremptórias visam produzir a absolvição do réu do pedido. As primeiras, quando procedentes, não extinguem a acção, somente a retardam, por isso se chamam dilatórias. A procedência das segundas extingue ou perime a acção, daí a designação de peremptórias”. (In Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 3.ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, pág. 78.)


A título exemplificativo, nos termos do artigo 494.º, o Código de Processo Civil vigente enumera, ainda, as excepções dilatórias como sendo a “nulidade de todo o processo, a ilegitimidade de qualquer das partes, a falta de constituição de advogado, a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal, ou a litispendência” e, ao abrigo do artigo 496.º, as excepções peremptórias como sendo “o caso julgado, a prescrição”, sem prejuízo, refere-se, assim, em abono da verdade, de outros meios de obrigação.

 

O Tribunal Constitucional, ao apreciar as questões prévias, não se cingirá apenas ao tema da competência em razão da matéria, face aos poderes dos Tribunais da jurisdição comum de apreciarem processos criminais de coação e agressão física. Este Tribunal Constitucional vai, também, examinar as questões relativamente à litispendência (apensação das acções do Partido Político), à aptidão ou inaptidão do requerimento em face do pedido de indeferimento liminar e ao poder do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA para decidir sobre conflitos internos do Partido Político.

Deste modo, tem lugar à análise o seguinte:

 

1. Sobre a alegada falta de competência em razão da matéria (em face da competência dos Tribunais da jurisdição comum)


Os Requerentes vieram intentar, no dia 19 de Novembro de 2021, a presente acção de impugnação do acto da Comissão Política que votou positivamente a data e a convocação do XIII Congresso Ordinário da UNITA, alegando, com efeito, a fls. 12, 13 e 14 dos autos, que a reunião extraordinária deliberativa do dia 20 de Outubro de 2021 foi marcada por medo, actos de agressão física e coação psicológica, por isso, os membros presentes não exercerem o direito de deliberarem livremente.

O Requerido refuta tais alegações, defendendo, por excepção dilatória, a fls. 80, que este Tribunal Constitucional não tem competência, em primeira instância, para apreciar as sobreditas matérias trazidas ao seu conhecimento pelos Requerentes, por se tratar de questão de índole tipicamente criminal, apreciáveis apenas pelos órgãos judiciários da jurisdição comum, visando a realização de julgamento e condenação dos respectivos autores mediante sentença.


Antes de mais, importa referir que a Constituição define, nos termos do n.º 1 do artigo 174.º e do n.º 1 do artigo 177.º, os tribunais como Órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, garantindo e assegurando a observância da Constituição, das leis e demais disposições normativas vigente, dirimindo conflitos de interesses público e privado e protegendo os direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das instituições.


É da conjugação destas normas constitucionais que emana a jurisdição, melhor dizer, deriva a função jurisdicional dos órgãos judiciais que, quando exercida, projecta na realidade pública uma destrinça entre os tribunais e demais órgãos do Estado e, consequentemente, uma repartição do poder jurisdicional (da jurisdição) entre os vários tribunais.


O Código de Processo Civil determina, no seu artigo 66.º, que as causas judiciárias que não sejam atribuídas por lei a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum. Para além disso, o referido diploma legal prevê quatro tipos de competência dos tribunais, nomeadamente a competência em razão da matéria (artigos 66.º e 67.º), a competência em razão do valor da causa (artigos 68.º e 69.º), a competência em razão da hierarquia (artigos 70.º a 72.º) e a competência em razão do território (artigos 73.º e 74.º).


De acordo com António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, “a competência é a repartição desse poder jurisdicional entre diversos tribunais, dizendo, pois, respeito à delimitação interna da actividade deles, quando confrontados entre si. Na verdade, embora todos os tribunais exerçam genericamente a função jurisdicional, cada um deles detém uma fracção própria dessa jurisdição, ou seja, cada um deles tem a sua própria competência. Por sua vez, os tribunais judiciais de 1.ª instância são, consoante a matéria das causas que lhe estão atribuídas, tribunais de competência genérica e tribunais de competência generalizada. (…) Resulta que os tribunais de competência genérica julgam todas as causas que não hajam de ser instauradas nos tribunais de competência especializada”. (In O Novo Processo Civil, 12.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 96).


Da leitura atenta dos autos, a fls. 80, 81 e 89, decorre a compreensão de que o Requerido questiona a competência do Tribunal Constitucional em razão da matéria, porque, em primeira instância, não deve dirimir questões de processo criminal, que são da alçada dos tribunais da jurisdição comum.


Em boa verdade, quando o Tribunal Constitucional está diante de um processo relativo a partidos políticos e coligações, não lhe cabe ajuizar, de facto e de direito, se houve crimes contra a integridade física e psíquica ou contra a liberdade das pessoas, previstos e puníveis no Código Penal (CP), aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, precisamente nos seus artigos 159.º (ofensas simples à integridade física), 160.º (ofensa grave à integridade física), 170.º (ameaça) e 171.º (coação).


Por exemplo, o artigo 172.º do CP prevê que, “quando a coação for realizada mediante ameaça de morte ou de cometimento de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, por funcionário público com grave abuso das suas funções (…) ou a vítima for pessoa indefesa em razão da idade, deficiência física ou psíquica, (…), a pena é de prisão de 1 a 5 anos”.


É competência dos Tribunais de Comarca, dos Tribunais da Relação e do Tribunal Supremo apreciarem e julgarem, de facto e de direito, os actos acima elencados e tipificados como crimes, guiando-se pelo disposto nos artigos 30.º, 34.º e 38.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 21.º e no artigo 27.º da Lei n.º 1/16, de 10 de Fevereiro, Lei Orgânica dos Tribunais da Relação, bem como nos artigos 2.º, 33.º e 34.º, todos da Lei n.º 13/11, de 18 de Março, Lei Orgânica do Tribunal Supremo.


A alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), consagra, como objecto de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direitos e decisões que contrariem princípios previstos na Constituição, podendo o Tribunal Constitucional julgar tais arestos não na qualidade de primeira instância, mas como um Órgão jurisdicional especializado de recurso, que aprecie matérias resultantes de processos crimes e de actos administrativos, após esgotamento da cadeia recursória na jurisdição.


O presente processo, previsto na alínea j) do artigo 3.º da LPC, é relativo a partidos políticos e coligações. Os Requerentes vieram impugnar o acto deliberativo ocorrido na I Reunião Extraordinária da Comissão Política DO Partido UNITA, levantando um conflito por aplicação dos Estatutos, para que este Tribunal, o único com competência primacial para o efeito, julgue a causa diante dos vários fundamentos.


Esta competência jurisdicional tem por base o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA e concretiza-se na alínea j) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), e no n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP). Por iniciativa dessas disposições, o Tribunal Constitucional tem competência para julgar conflitos internos de partidos políticos que resultem da aplicação dos seus estatutos ou convenções.


A Lei do Processo Constitucional disciplina, ainda, no seu artigo 2.º, que aos processos de natureza jurídico-constitucional aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas do Código do Processo Civil em tudo quanto não esteja expressamente previsto na legislação reguladora do Tribunal Constitucional.


Isto não pressupõe dizer que, ao ser aplicado o princípio da subsidiariedade do direito processual civil, igualmente, do direito civil, caberá ao Tribunal Constitucional julgar se houve ou não ilícitos em forma de coação física, coação moral ou ainda coação psicológica.


De acordo com João Melo Franco e Herlander Antunes Martins, “a coação física existe quando a pessoa é arrastada pela violência para a realização de um acto jurídico (cfr. A. Varela, Dir. Família, 1980-308); é a pressão duma força que leva uma pessoa, independentemente da sua vontade, a assumir certo comportamento objectivamente declarativo (Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1979, III – 285); a coação moral consiste na extorsão da declaração de vontade mediante a ameaça ilícita de um mal, feita pelo declaratório ou por terceiro; e, na coação psicológica, o sujeito quis o acto, mas não o quereria em condições normais, pois praticou-o em razão do receio de males de que foi ameaçado; a sua vontade existe, mas é defeituosa (G. Telles, Manual dos Contratos em Geral, 103)”. (In Conceitos e Princípios Jurídicos (Na Doutrina e na Jurisprudência), Almedina, Coimbra, 1983, págs. 137-138).


Como podemos constatar, os conceitos supra reflectidos sobre coação estão alicerçados no Direito Penal, Direito Civil, Direito Processual Penal e Teoria Geral do Direito Civil e não propriamente nos fundamentos do Direito Processual Constitucional, que teoriza a organização, a composição, o funcionamento, as competências e as atribuições do Tribunal Constitucional, pressupondo o uso de métodos jurídicos e doutrinários adequados.


A alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC determina que, no âmbito das competências em matéria de partidos políticos, o Tribunal Constitucional deva apreciar os processos relativos à impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que emanem da aplicação de estatutos e convenções partidárias.


A presente acção de impugnação da deliberação da Comissão Política da UNITA constitui um processo da competência deste Tribunal, pelo que as alegações dos Requerentes, sobre a existência de ameaças e coação na reunião do órgão deliberativo partidário devem ser apreciadas no âmbito do direito de deliberar e do princípio da organização e funcionamento democráticos, por traduzirem garantias fundamentais dos militantes e da legalidade da actuação dos partidos e coligações.


Portanto, é no cômputo jurídico das matérias de génese constitucional acima elencadas que se baseia a competência concentrada e exclusiva deste Tribunal para dirimir conflitos internos de partidos políticos e coligações, relacionados com deliberações e demais actos praticados pelos órgãos de direcção central, que resultem da aplicação da Constituição, da lei e dos seus estatutos ou convenções.


Uma vez que compete a este Tribunal analisar as alegações dos Requerentes e a contestação do Requerido à volta da suposta existência de violação de princípios e liberdade quanto ao funcionamento democrático do partido e direito de deliberar livremente, inferida nos actos de coação, medo e agressões alegadamente praticados na I Reunião Extraordinária da Comissão Política, resta predizer que a excepção dilatória de falta de competência em razão da matéria não procede.


Essa formulação não pressupõe uma conclusão sobre análise de fundo da questão trazida pelos Requerentes, quanto à eventual violação do direto de deliberar livremente. Ou seja, ainda não está em causa se os Requerentes têm ou não razão relativamente à alegada violação do direito de deliberarem livremente.


Recorrendo ao início da ideia dos pressupostos processuais, lembra este Tribunal que, de momento, se obriga apenas a assinalar que, nos termos do artigo 17.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA, do artigo 30.º da LOTC e da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC, tem competência para apreciar o presente processo de impugnação do acto deliberativo sobre a convocação do XIII Congresso Ordinário da UNITA, praticado pela Comissão Política, no dia 20 de Outubro de 2021.

2. Sobre a alegada falta de competência em razão da matéria (face à competência do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA)


O Requerido defende, a fls. 89, que este Tribunal não pode substituir o Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA, organismo que os Requerentes deviam contactar antes de impugnarem, judicialmente, a I Reunião Extraordinária da Comissão Política, em respeito ao que estabelecem os artigos 16.º e 69.º, ambos dos Estatutos do Partido.

 

Como já foi acima aflorado, a verificação prévia da competência do Tribunal é um imperativo legal, tem como fundamento o respeito pelos princípios do Estado democrático de direito, da legalidade, da fundamentação das decisões e reflecte a interface do funcionamento jurisdicional obrigatório dos órgãos do Poder Judicial, ao abrigo dos artigos 2.º, 6.º, 177.º e 181.º, todos da CRA.

 

A falta de competência absoluta ou relativa é uma excepção dilatória, que gera a absolvição da instância, isto é, origina a exclusão de quaisquer responsabilidades do acusado, seja cidadão ou instituição, da sucessão de actos que lhe são imputados num processo, como prescrevem o n.º 2 do artigo 493.º e a alínea f) do n.º 1 do artigo 494.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.


O Requerido invoca a incompetência do Tribunal Constitucional, em razão da matéria, para julgar os seus conflitos internos resultantes da aplicação dos Estatutos, com fundamento na usurpação de poderes do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA.


Ora, a Constituição veio estabelecer, nos termos do artigo 176.º, um sistema jurisdicional composto pelo Tribunal Supremo, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e Supremo Tribunal Militar. E a arquitectura de organização e funcionamento da jurisdição reflecte a existência do Tribunal Supremo, encabeçando a jurisdição comum, e integrada por Tribunais da relação e outros tribunais.


A jurisdição judiciária consiste na competência constitucionalmente atribuída a um órgão com atribuições para administrar a justiça no Estado. Essa competência, assente em cada jurisdição, é exercida mediante pedido formulado pelo interessado, tipo de acção que visa intentar, recurso ordinário ou extraordinário da decisão anterior que pretenda interpor e circunscrição territorial onde terá ocorrido o facto de requer competente apreciação.


A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal, a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 493.º do CPC, relativamente às excepções dilatórias, não se aplica na correlação de competências entre o Tribunal Constitucional e o Conselho Nacional de Jurisdição do Partido Político UNITA, porque o primeiro é um órgão do Poder Judicial e o segundo é uma instituição privada, sem jurisdição judiciária.


A reconstrução de uma análise passível de admitir a usurpação de competências ou inexistência de competência exige a existência de dois órgãos com poderes jurisdicionais, sendo, por isso, despicienda uma longa apreciação dessa questão.


Como sustenta V. Grandão Ramos, a incompetência “é um simples pressuposto de validade ou regularidade do processo. Declarada a incompetência, o processo é remetido ao tribunal competente e apenas se anularão os «os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e os que têm de ser repetidos para ele tomar conhecimento da causa» - art. 145.º § 1.º do C.P. Penal. Neste caso, o vício é sanado e o pressuposto recriado por iniciativa do próprio tribunal.” (In Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, 2.º Edição, Escolar Editora, 2015, pág. 254).


Não existe entre os Tribunais e os partidos políticos uma relação de precedência no exercício do poder jurisdicional, por se tratar de entidades com poderes e fins substancial e publicamente reconhecidos pelas características distintivas, nos termos conjugados dos artigos 17.º, 55.º, 174.º e 176.º, todos da CRA.


Assim sendo, não há lugar a incompetência relativa ou absoluta em razão da matéria, muito menos em razão da hierarquia, que possa ser declarada por excepção dilatória, por força do que foi acima fundamentado, pelo que não assiste razão ao Requerido.

3. Sobre a apensação das acções processuais do Partido Político

Tendo sido efectivamente realizado o XIII Congresso Ordinário em Dezembro de 2021, alegadamente fundado numa deliberação da Comissão Política eivada inconstitucionalidades, ilegalidades e incumprimentos de regras essenciais relativas ao funcionamento democrático dos Partidos Políticos, a análise da presente acção de impugnação passaria, também, por certificar se existe litispendência.


Para além do presente processo, os Requerentes, neste Tribunal, impetraram, paralelamente, uma acção de impugnação do XIII Congresso Ordinário da UNITA (Processo n.º 941- C/2021). Por isso, poder-se-ia levantar a possibilidade do uso do instrumento processual de apensação dos dois processos.


Analisadas as duas acções, este Tribunal verifica que a apensação não se aplica, uma vez que o objecto do presente Processo n.º 924-B/2021, que é a acção principal do Processo n.º 923-A/2021, referente à providência cautelar não especificada, entretanto, já decidida por Acórdão n.º 720/2022, não é idêntico ao objecto do Processo n.º 941-C/2021, relativamente à impugnação do XIII Congresso Ordinário do mesmo Partido Político.


A litispendência é um pressuposto de compleição negativa, desde logo porque a sua verificação prejudica o regular desenvolvimento da instância constitucional ou jurisdicional comum. E, atendendo à terminologia jurídica aqui em pauta, temos a aclarar que litispendência significa a existência de uma outra lide igualmente a correr termos na justiça, por isso, para que o Tribunal possa conhecer de um pedido do cidadão, é indispensável que a sua questão não esteja já a ser analisada pelo mesmo ou por um outro tribunal.


A pertinência do expediente processual concernente à apensação de acções impôs-se em relação aos processos n.º 923-A/2021 e 924-B/2021, nos termos do artigo 384.º do CPC, por se estar perante ao requerimento de um procedimento cautelar, seguida da instauração da acção principal, em apreciação neste Tribunal.


Desta feita, não é de considerar a existência de litispendência (pendência da lide), prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 494.º do CPC, por duas razões: primeiro, o objecto do Processo n.º 941-C/2021 é a impugnação do XIII Congresso Ordinário, realizado nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021 e, segundo, o objecto do presente Processo n.º 924-B/2021 é a impugnação do acto deliberativo da Comissão Política, praticado na I Reunião Extraordinária do dia 20 de Outubro de 2021, sobre a convocação e realização do certame.

4. Sobre o deferimento liminar do requerimento do presente processo


O Requerido, na sua contestação, a fls. 85, por excepção peremptória, defende que à presente acção de impugnação da deliberação da Comissão Política cabe indeferimento liminar, visto que se está perante uma incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria.


In casu, o Requerido invoca que este Tribunal deve aplicar o preceituado na 1.ª parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 474.º do CPC, que dispõe no seguinte sentido: “A petição deve ser liminarmente indeferida: quando seja manifesta a incompetência absoluta do tribunal (…)”.


O indeferimento liminar é um acto que recai sobre uma petição inepta. A ineptidão de um requerimento inicial pressupõe a falta de um pressuposto processual relativo ao objecto da causa do processo, ao passo que a aptidão da petição inicial significa que o proponente da acção reuniu as condições formais para que o Tribunal possa apreciar o fundo da questão litigiosa.


No leque de causas da inaptidão da petição inicial reguladas pela legislação processual civil (artigo 193.º do CPC) consta a falta de indicação do pedido, a falta de alegação da causa de pedir, a indicação de um pedido ininteligível, a indicação de uma causa de pedir ininteligível, a existência de contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir, a existência cumulativa de causas de pedir incompatíveis ou a formulação cumulativa de pedidos substancialmente incompatíveis.


Regra geral, a falta de aptidão do requerimento é um facto grave e que tem como consequência a nulidade de todo o processo. Consequentemente, o indeferimento liminar ocorre quando o juiz não aprecia o mérito da causa por várias razões, entre elas, “quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente”. (Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Direito Civil, Direito Processual Civil, Organização Judiciária, Volume I, 5.ª Edição, Almedina, pág. 757).


O indeferimento liminar pressupõe, justamente, que a acção não terá continuidade, ou seja, deixa de existir, o processo entra numa fase de sem “pernas para andar”, de “nado morto”, salvo se for interposto recurso do despacho que indefira liminarmente a petição, obtendo deferimento do plenário, conforme o disposto no artigo 475.º do CPC.


A nível da jurisdição do Tribunal Constitucional, é sabido que a instância tem início com a propositura da acção pelo interessado, que se torna instaurada a partir do momento que é oficialmente acusada a recepção. Os fundamentos da ineptidão são a falta de indicação do proponente da acção, da contraparte e da espécie de processo, da exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamento à acção, da formulação do pedido e da junção de documentos necessários, nos termos combinados dos artigos 6.º e 7.º da LPC.


Como podemos verificar, atendendo que, na justiça constitucional angolana, a tudo que não esteja regulado na legislação reitora do funcionamento judiciário do Tribunal Constitucional, é aplicável, subsidiariamente, e com as necessárias adaptações, o Código do Processo Civil, ao abrigo do artigo 2.º da LPC, logo, o indeferimento liminar é, também, praticado em processos de matérias de natureza jurídico-constitucional.


A rejeição do requerimento advém da formulação do pedido por pessoa ou entidade sem legitimidade, da apresentação da acção fora do prazo legalmente estabelecido, pelas deficiências que já tenham sido notificadas para supressão, ao abrigo do artigo 8.º da LPC.


Todos estes factos não se registaram neste processo, porque os Requerentes apresentaram um requerimento de acção de impugnação cumprindo cabalmente as formalidades processuais, não tendo havido, por isso, fundamento para o indeferimento liminar invocado pelo Requerido.


Destarte, tendo o Tribunal Constitucional competência jurisdicional para admitir requerimentos relativos a processos de partidos políticos e coligações, não assiste razão ao Requerido quanto à invocada necessidade de decretação do indeferimento liminar ao pedido dos Requerentes, na medida em que, ao ser impugnado o acto de deliberação da Comissão Política da UNITA, foram previamente escrutinados os pressupostos relativo ao objecto da causa, que retratam a matéria.


Feito o esclarecimento das questões prévias e não tendo havido procedência de quaisquer excepções dilatória e peremptória, julga este Tribunal que o princípio da fundamentação das decisões materiais de mérito vem ao de cima, dada a pertinência das questões levantadas pelos Requerentes, no seu requerimento e, pelo Requerido, na sua contestação, que carecem da apreciação jus-constitucional que se segue.


B) QUESTÕES DE FUNDO


O poder jurisdicional de analisar qualquer lide implica o respeito pelo princípio da legalidade constitucional (n.º 2 do artigo 6.º da CRA) e pelo princípio da constitucionalidade (n.º 1 do artigo 226.º da CRA), funcionando, o primeiro, como comando da subordinação deste Tribunal à Constituição e de todo Estado fundado na legalidade, devendo haver respeito e fazer respeitar as leis e, o segundo, como cominação, transposta na exigência da validade dos actos do Tribunal dependerem, incondicionalmente, da sua conformidade com a Constituição.


Por isso, perante a presente matéria controvertida, o Tribunal Constitucional obriga-se a apreciar as questões sobre o alegado incumprimento do dever dos Requerentes contactarem o Conselho Nacional de Jurisdição antes de impetrarem a acção de impugnação; a urgência na realização do Congresso Ordinária por alegado risco de extinção do Partido Político; sobre a legalidade democrática do acto deliberativo da Comissão Política em face da alegada existência de coação psicológica, ameaça e agressão física e consequente violação do direito de deliberar livremente; sobre os regulamentos e cumprimento do Acórdão n.º 700/2021; sobre a conformidade jurídico-legal dos prazos instituídos; sobre a derrogação da primeira deliberação e efectivação do segundo acto deliberativo da II Reunião Extraordinária da Comissão Política; sobre os efeitos jurídicos da deliberação derrogada da I Reunião Extraordinária da Comissão Política; e sobre a falta de convocação do XIII Congresso Ordinário pelo Presidente do Partido.


Posto isto, são, no escrupuloso cumprimento da Constituição, da lei e dos Estatutos do Partido Político UNITA, constitucionalmente sindicadas as seguintes matérias controvertidas:

1) Sobre a realização imediata do XIII Congresso Ordinário por alegado risco de extinção do Partido Político

 

O Requerido sugere a esta Corte Constitucional, através das contra-alegações, a fls. 96 e 102, que a organização e realização imediata do certame, nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, ficou a dever-se ao facto de o anterior Congresso Ordinário, realizado em Novembro de 2019, ter sido declarado nulo pelo Acórdão n.º 700/2021 e, em consequência, ter surgido o risco de extinção do Partido por falta de renovação periódica dos órgãos centrais.


De facto, a decisão de nulidade do XIII Congresso Ordinário de 2019 foi proferida no Acórdão n.º 700/2021, datado de 5 de Outubro de 2021. O Requerido foi notificado desta decisão no dia 7 de Outubro de 2021, tendo, mais tarde, isto é, no dia 20 de Outubro do referido ano, decidido realizar o conclave para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021.

Com a declaração de nulidade do Congresso Ordinário de 2019, o Requerido apresentou algumas dúvidas de interpretação do aresto, pelo que, através do Presidente do Partido à data dos factos, Isaías Henrique Gola Samakuva, requereu a este Tribunal uma aclaração do Acórdão n.º 700/2021, tendo esta acção sido constituída e apreciada sob o Processo n.º 887-A/2021.


A decisão de aclaração, recaída no Acórdão n.º 703/2021, de 3 de Novembro de 2021, foi proferida um mês antes da realização do XIII Congresso Ordinário de Dezembro de 2021, mas 13 dias após a convocação do conclave pela Comissão Política.

 

No pedido de aclaração, o Partido Político havia requerido esclarecimento sobre a duração do mandato outorgado pelo Acórdão n.º 700/2021 à direcção central eleita no XII Congresso Ordinário de 2015.


Em resposta devidamente fundamentada, foi explanado que, por diversas vezes, este “Tribunal Constitucional já se pronunciou em processos relativos a partidos políticos e coligações sobre o facto de os órgãos principais dos partidos políticos poderem exercer funções com a plenitude de poderes para além do período estabelecido de duração do mandato, conforme jurisprudência do Acórdão n.º 429/2017, de 25 de Abril, e do Acórdão n.º 681/2021, de 25 de Maio. A razão desta fundamentação deriva da realidade dos estatutos dos partidos políticos, regra geral, acautelarem esta situação. Os Estatutos aprovados em 2015 pela UNITA estabelecem, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 50.º, que o mandato do Presidente do Partido inicia com a sua eleição e investidura em Congresso e termina com a eleição e investidura do novo Presidente eleito. Deste modo, o mandato dos actuais órgãos deliberativos e executivos do Partido Político UNITA cessa apenas com a eleição e tomada de posse do novo Presidente e demais órgãos de direcção, sem prejuízo da observância do período de sete (7) anos, a contar do último registo da renovação válida dos órgãos de direcção central …”.


Como se pode constatar, através dos Estatutos do Partido, da jurisprudência firmada desde 2017 e da norma da alínea d) do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), o Requerido dispunha de informação bastante para definir o prazo de realização do Congresso sem que o motivo da celeridade fosse o argumento do risco de extinção, como referido pelo Requerido.


Nas decisões jurisdicionais, a responsabilidade do Tribunal perante os seus actos é relevante para a avaliação pública e estatal do cumprimento ou não da Constituição e da lei, na medida em que os acórdãos que profere devem estar em conformidade com a Constituição, nos termos do n.º 1 do artigo 226.º da CRA, não podendo ser extraída das suas decisões interpretações para além do que vem fundamentado e decidido.


Assim, tendo este Tribunal declarado nulo o XIII Congresso Ordinário de 2019 no recém Acórdão n.º 700/2021, por violação de normas constitucionais e ordinárias, a suspeição de que, com aquela decisão, surgiu o risco de extinção do Partido, vai para além da decisão e do sentido da decisão proferida e coloca o fim da justiça contra o acto de administrar a própria justiça.


De salientar, por exemplo, que a fundamentação e o decidindo do referido Acórdão n.º 700/2021 não se referem à alegada hipótese de extinção do Partido Político no prazo de dois ou quatro meses. Também não se pode extrair tal conclusão dos fundamentos e do sentido de decisão do Acórdão n.º 703/2021, que veio aclarar o aresto acima mencionado.


Em resumo, este Tribunal reitera que, nos termos da lei, o tratamento de matérias legalmente previstas sobre extinção só devia ter espaço na agenda da formação política passado um ano e dois meses desde a publicação do Acórdão n.º 700/2021 e o Partido UNITA tinha o direito de realizar o XIII Congresso Ordinário até Dezembro de 2022, partindo da contagem de 7 anos, a julgar pela data de Dezembro de 2015, em que foi realizado o seu XII Congresso Ordinário electivo.

2) Sobre o cumprimento do dever dos Requerentes contactarem o Conselho Nacional de Jurisdição antes de impetrarem a acção judiciária


O Requerido defende que este Tribunal não tem competência para exercer poderes estatutariamente atribuídos ao Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA, organismo que os Requerentes deviam, mas alegadamente não o fizeram, contactar antes de impugnarem, judicialmente, a deliberação da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, em respeito ao que estabelecem os artigos 16.º e 69.º dos Estatutos do Partido.


Por sua vez, a fls. 16 dos autos, os Requerentes alegam que, inicialmente, impugnaram a deliberação da Comissão Política junto do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA. Porém, passados oito (8) dias, este organismo não se dignou a respeitar os Estatutos e responder aos Requerentes com base nas normas do seu próprio regulamento.


Analisados devidamente os autos, a fls. 355 a 366, este Tribunal constata que, efectivamente, os Requerentes respeitaram a regra interna de impugnação da deliberação da Comissão Política junto do Conselho Nacional de Jurisdição.


O acto de impugnação interna efectivado mediante requerimento dirigido ao Presidente do Partido, com cópia ao Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição, ocorreu no dia 6 de Novembro de 2021 e os Requerentes só intentaram a presente acção jurisdicional volvidos duas semanas, a julgar pela data de 19 de Novembro de 2021 (fls. 1 e 2) que este Tribunal registou à entrada oficial do requerimento.


O Conselho Nacional de Jurisdição, sob o processo n.º 01/2021, notificou os Requerentes da improcedência do pedido de impugnação da deliberação da I Reunião Extraordinária da Comissão Política no dia 30 do referido mês e ano (fls. 147 e 170).


As provas constantes dos autos, a fls. 355, asseguram que os Requerentes respeitaram a tramitação prevista no n.º 1 do artigo 16.º e nos n.ºs 1 e 5 do artigo 69.º dos Estatutos do Partido. A par dessas disposições, que estabelecem uma tramitação interna, em que os militantes contactam o Conselho Nacional de Jurisdição, o Partido Político defende, também, que as questões de conflito emergentes da actividade da UNITA sejam resolvidas por órgãos judiciais, nos termos da legislação aplicável aos Partidos Políticos, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º e do artigo 95.º, respectivamente.


Sem prejuízo da retro explanação, a Constituição, ao abrigo do n.º 5 do artigo 29.º, garante a todos os cidadãos, independentemente da sua condição de militante, o direito fundamental de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, bem como a um procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade, com vista a obter justiça em tempo útil contra ameaças ou violações dos seus direitos e liberdades.


Para Carlos Blanco de Morais, o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional independente e efectiva “envolve a obrigação do Estado em colocar à disposição das pessoas uma organização judiciária para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e em assegurar que a função jurisdicional, como actividade jurídica principal servida por essa mesma organização, seja reservada a tribunais independentes e estribada num processo equitativo”. (In Direito Constitucional, Sumários Desenvolvidos, 2.ª Edição, 1.ª Reimpressão, Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2013, pág. 12).


Na materialização do artigo 29.º da CRA, que foi acima referido, devem ser observadas as disposições da alínea j) do artigo 16.º e do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), conjugados com a norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC, que preveem as competências do Tribunal Constitucional para apreciar decisões, sentenças ou resolver quaisquer conflitos internos de partidos e coligações mediante requerimento dos respectivos militantes ou membros de direcção.


O princípio do Estado democrático de direito, consagrado nos artigos 2.º, 176.º e 181.º da CRA, impõe uma hierarquia de diplomas legais incompatível com a subjugação da Constituição e da lei aos estatutos de partidos políticos, de coligações de partidos ou de grupos de cidadãos eleitores, relativamente à salvaguarda do funcionamento deste Tribunal para administrar a justiça em matérias de natureza político-partidária.


Todavia, a competência deste Tribunal não anula a autoridade dos órgãos e organismos dos partidos políticos com atribuições no capítulo interno da fiscalização da legalidade dos actos executivos ou deliberativos dos órgãos colegiais ou singulares de direcção, da resolução de divergências internas e da promoção da acção disciplinar, com a aplicação da competente medida sancionatória segundo o tipo de infracção.


Sobre este fundamento, é mister considerar que os órgãos partidários devem ser respeitados no quadro da vinculação política dos militantes e órgãos aos seus respectivos estatutos. Por isso, as normas estatutárias são de cumprimento obrigatório interno. A inobservância ou cumprimento defeituoso dos Estatutos pelos militantes não extingue o direito fundamental de acesso a este Tribunal, em busca de solução sobre um conflito interno que careça do amparo da justiça constitucional.


É justo que, por via das regras de disciplina interna, previstas no artigo 16.º, os Estatutos sejam interpretados no espírito e na letra do princípio da concordância prática e não instituam um ónus, melhor dizer, não afastem a aplicação da Constituição e da lei; não obriguem que o acesso ao direito e à justiça dependa de um formalismo sem previsão na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, muito menos na Lei do Processo Constitucional.


Em termos simples, os artigos 16.º e 69.º dos Estatutos do Partido UNITA não podem ser interpretados com o seguinte sentido: se o militante não contactar o Conselho Nacional de Jurisdição, organismo interno de disciplina partidária, perde automaticamente o seu direito fundamental de intentar acção no Tribunal Constitucional. Essa suposta interpretação atenta contra o princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da força jurídica dos direitos fundamentais, consagrados no artigo 1.º, no n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 28.º, todos da CRA.


Não cabe aos partidos políticos e coligações, na aplicação dos seus Estatutos, a garantia de restringirem direitos basilares dos cidadãos titulares de posição funcional (filiação), sob pena de violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 23.º da CRA, uma vez que o vínculo político não é requisito de distinção de um militante de outro cidadão comum quanto à salvaguarda das garantias dos seus direitos constitucionalmente previstos.


O acesso ao direito e à justiça no Estado goza de ampla protecção na ordem constitucional, porque o modelo de controlo da constitucionalidade adoptado pela Constituição vigente difere da natureza contenciosa dos processos de partidos políticos de outras realidades jurídicas, a exemplo de Portugal, em cujo pedido e a causa do pedido apresentados pelos Requerentes são a violação directa de normas constitucionais, legais ou estatutárias, tornando, assim, a fiscalização da norma o verdadeiro objecto do processo.


O legislador constituinte angolano, quanto aos processos especiais de partidos e coligações, adoptou um modelo consentâneo de fiscalização, assente na verificação da conformidade constitucional dos actos das formações políticas que contenham fundamentos de direitos e deliberações que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Lei Suprema, nas leis e nos estatutos, nos termos dos artigos 6.º, 181.º e 226.º, todos da CRA.


A Constituição e a lei são garantias de uma condição que não admite, em alguma circunstância, que os direitos fundamentais dos cidadãos, tais como aceder aos tribunais e obter julgamento justo, célere e conforme, se tornem reféns de normas estatutárias desconformes face a diplomas legais superiores ou de uma suposta hierarquia judiciária.


Por esta figura jurídica, Inocêncio Galvão Telles ensina que “entre as modalidades de competência interna (…), referimo-nos a que se baseia na ideia de hierarquia. Essa ideia reveste grande importância na organização e funcionamento dos tribunais (…). A hierarquia judiciária traduz-se na ordenação dos tribunais em graus sucessivamente mais elevados e tem como primacial efeito a possibilidade de recorrer das decisões dos tribunais inferiores para os tribunais superiores”. (In Introdução ao Estudo do Direito, Volume II, 10.ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2010, pág. 44).


O Requerido não coloca em causa a competência deste Tribunal de apreciar o processo em si, no seu todo, mas a sua atribuição para julgar conflitos internos antes do Conselho Nacional de Jurisdição da UNITA, como se de uma hierarquia judiciária se tratasse, pelo que, como já foi acima elucidado, o poder de intervenção jurisdicional deste Tribunal não é condicionado por qualquer tramitação intrapartidária sem que lei especial (ex. Lei dos Partidos Políticos) antes o determine.


Portanto, o entendimento que manifestou o Requerido, de que seria o Conselho Nacional de Jurisdição o único organismo competente e que não foi contactado falece, na sua sustentação. Os Requerentes denunciaram, inicialmente, a acção junto do Conselho Nacional de Jurisdição. E, pese embora não tenham esgotado o direito de pedirem, por duas vezes, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º dos Estatutos, a convocação de reuniões extraordinárias da Comissão Política, também não opera a preclusão do direito de acção processual que o direito garante aos Requerentes.


Assim sendo, este Tribunal entende que não assiste razão ao Requerido, porque, em particular, os Requerentes, em respeito ao que preveem os Estatutos, impugnaram a deliberação da Comissão Política antes de intentaram a acção junto deste Tribunal. E, em geral, os Requerentes detêm a garantia inviolável de acederem directamente à justiça jurisdicional, por se tratar de um direito fundamental de aplicação imediata, ao abrigo das disposições articuladas do n.º 1 do artigo 28.º e do n.º 1 do artigo 29.º, ambos da CRA.

3) Sobre a legalidade democrática do acto deliberativo da Comissão Política em face da alegada existência de coação, ameaças e agressão física


Os Requerentes alegam (fls. 12) que, no dia 20 de Outubro de 2021, quando chegaram ao local da reunião, avistarem, no portão, um motim formado para agredir, verbalmente, os membros da Comissão Política da UNITA devidamente identificados, ameaçando-os de que se eles não aprovassem e aceitassem a data de realização imediata do XIII Congresso Ordinário, para elegerem a presidente Adalberto Costa Júnior, já não regressariam às suas casas, pois, diziam eles, “não estavam ali para brincadeiras e nem seriam responsáveis pelo que poderia acontecer aos mesmos”.


Nas alegações, a fls. 15 e 16 dos autos, os Requerentes aduzem que a deliberação da I Reunião Extraordinária da Comissão Política não foi proferida com liberdade, uma vez que ocorreu num ambiente de medo, coação física e ameaças.

 

O Requerido vem asseverar o contrário. Na sua contestação, a fls. 121, 132 dos autos, refere que não existiu ambiente de terror ou de crispação dentro da sala de reunião nem no portão de entrada principal do recinto; também não se registaram ameaças nem coação aos membros da Comissão Política; todos votaram a deliberação, tanto os que subscreveram favoravelmente, os que não subscreveram, quanto os que se abstiveram de votar.


Para o Requerido, a fls. 123, os Requerentes violaram o princípio da subordinação da minoria à maioria e não tem a menor dúvida de que a reunião deliberativa de 20 de Outubro de 2021, da Comissão Política, andou bem.

 

Por definição do artigo 1.º da LPP, os “partidos políticos são as organizações de cidadãos, de carácter permanente e autónomas, constituídas com o objetivo fundamental de participar democraticamente da vida política do País, concorrer livremente para a formação e expressão da vontade popular e para a organização do poder político, de acordo com a Constituição da República de Angola, com a lei e com os seus estatutos e programas, intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral, mediante a apresentação ou o patrocínio de candidaturas”.

 

Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 27.º, ambos dos Estatutos do partido UNITA, a Comissão Política é o órgão deliberativo do Partido, cuja audição é obrigatória e vinculativa para efeitos de convocação dos congressos.


Daqui se pode inferir que a convocação do congresso é precedida de uma “decisão colectiva” (por decisão colectiva, devemos entender como sendo aquelas decisões em que o sujeito que decide não é o singular, mas o “colectivo”, ou melhor, o “grupo”. Portanto, é absolutamente normal que num órgão com mais de 250 membros (cfr. Despacho n.º 2/16, de 17 de Maio, que anota o XII Congresso Ordinário do Partido UNITA, realizado entre os dias 3 e 5 de Dezembro de 2015), alguns estejam em desacordo com uma certa deliberação.


Dispõe o n.º 2 do artigo 31.º dos Estatutos do Partido UNITA que as decisões da Comissão Política são tomadas por consenso, (sendo que) na falta de consenso, por maioria simples dos membros. Resulta claro da orientação estatutária do Partido UNITA que, nas situações de dissenso, prevalece a decisão da maioria.


Finalmente, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, é nos Estatutos do Partido onde se incluem as regras e os critérios referentes à observação da democraticidade interna, que pressupõe, portanto, entre outros aspectos, o respeito pelas decisões da maioria.


Aliás, os próprios Estatutos estabelecem, como regra fundamental de disciplina, a subordinação da minoria à maioria, consubstanciada no respeito escrupuloso das decisões democraticamente tomadas pela maioria, concedendo, entretanto, as minorias o direito de pedir a convocação de um máximo de duas reuniões do mesmo órgão, a fim de reexaminar o assunto (cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º dos Estatutos do Partido.


Indo para a problemática da coacção, vale referir que, em termos de enquadramento na Teoria Geral do Direito Civil, a coacção situa-se no quadro das matérias sobre os vícios na formação da vontade. Diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração, podendo a ameaça dizer respeito tanto à pessoa como à sua honra (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 255.º do CC).


São elementos da coacção moral (i) a ameaça de um mal (ameaça que pode consistir desse mal ou na sua continuação; (ii) a intencionalidade da ameaça (esta tem de ser feita com o fim de obter a declaração negocial; (iii) a ilicitude da ameaça (esta ilicitude pode resultar ou da actuação fora do direito, contra um dever, ou do abuso do direito).


Na coacção moral “a ilicitude da ameaça tanto pode resultar da ilegitimidade dos meios utilizados, como da ilegitimidade do objectivo prosseguido…”. “A declaração negocial extorquida por coação pode ser anulada a pedido do próprio coagido, mas nenhuma disposição legal permite a este transferir para terceiro a responsabilidade resultante dessa declaração...”. A coação moral “torna anulável a consequente declaração negocial e pressupõe os seguintes elementos: ameaça; ilicitude da ameaça; propósito de extorsão da declaração por via da ameaça; e nexo entre o receio da efectivação do mal e a declaração do ameaçado”. (In Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, citado por Abílio Neto, in Código Civil Anotado, 11.ª Edição, Refundida e Atualizada, 1997, pág. 151).


O artigo 256.º do Código Civil remete a coação moral, quanto aos seus efeitos, para o regime da anulabilidade – a anulabilidade obedece a um regime destinado a salvaguardar os interesses privados. O negócio anulável é eficaz, pois produz, normalmente, todos os seus efeitos e, se não for anulado no prazo legal, torna-se válido.


Ora, o conflito a que este Tribunal é chamado a dirimir não se circunscreve às matérias sobre vícios na formação da vontade à luz do negócio jurídico, ao número de votos da maioria que mereceu a deliberação, à apreciação dos direitos ou deveres da minoria perante a maioria dos militantes, à tipificação dos alegados actos de violência física, coação moral, muito menos à anulabilidade.


A Constituição e a lei conferem a este Tribunal a competência de apenas verificar se o direito de deliberar, legal e estatutariamente assegurado a todos os militantes (Requerentes e demais membros da Comissão Política presentes na reunião) foi exercido num ambiente compatível com o Estado democrático de direito e com o princípio da organização e funcionamento democráticos, previstos no artigo 2.º e na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º, ambos da CRA.


Para tal, é entendimento assente, à luz da mais cristalina formulação de pressupostos probatórios para aferir a violação do princípio do funcionamento democrático e do direito de deliberar livremente, de que a junção nos autos de uma declaração colectiva, subscrita pela maioria dos membros efectivos da Comissão Política, asseverando que a deliberação não respeito a liberdade de voto, constitui o caminho ideal.


Os Requerentes, a fls. 5, 45 e 360 dos autos, arguem apenas que, no dia 20 de Outubro de 2021, houve vigília e motim no portão do Sovsmo, em que membros da Comissão Política eram agredidos verbalmente, “ameaçando-os de que se eles não aprovassem e aceitassem a data de realização imediata do XIII Congresso Ordinário, para se eleger Adalberto Costa Júnior como Presidente, não regressaria mais às suas casas (…). No interior da sala se ouvia toda a confusão instalada no portão, pois, nem mesmo a Polícia conseguia conter os ânimos dos jovens agressores”.


As contra-alegações do Requerido, a fls. 97, convergem com as alegações dos Requerentes supra enunciadas ao confirmarem que, “junto ao portão de entrada principal do complexo do Sovsmo, em Viana, havia uma concentração de cidadãos (…), e não constitui crime participar de uma manifestação ou vigília (…)”.


Em ambos os casos, há demonstrações evidentes asseverando que, na data da reunião que deliberou sobre a convocação do XIII Congresso Ordinário do Partido, cidadãos alheios à Comissão Política perpetraram uma manifestação de pressão e reivindicação à volta do recinto onde decorria o acto de deliberação, tecendo considerações relativamente a matérias da vida interna da UNITA ali em pauta.


Contudo, estes factos não demonstram, com a devida precisão exigível pela justiça constitucional, que a substância da validade do acto deliberativo ficou inquinada de vício de inconstitucionalidade, se atentos ao funcionamento da Comissão Política que, finda a reunião, lavrou acta (fls. 137 a 143) devidamente subscrita pelo seu Secretário, atestando que a deliberação foi democraticamente ordenada pelos votos soberanos da maioria dos membros presentes.


Este Tribunal Constitucional tem vindo a defender, desde a jurisprudência firmada no Acórdão n.º 362/2015, uma protecção alargada ao direito dos membros de deliberarem nas reuniões dos partidos políticos sem coação, agressão verbal ou física e ameaças.


A defesa promovida por este Tribunal do princípio da organização e funcionamento democráticos coloca no centro o direito de deliberar como parte constitutiva do dever político, pessoal, presencial, inalienável e livre (direito de liberdade, direito subjectivo) dos militantes votarem, em que o requisito de membro é a condição indispensável para o exercício da faculdade de decidir com democracia, ética e sem pressão, coação ou censura.


Assim, o funcionamento das formações políticas está intrinsecamente ligado ao dever de garantir direitos dos seus militantes, mormente o direito à universalidade do voto (porque todos os membros do respectivo órgão gozam da garantia de participar da deliberação), o direito à igualdade do voto (porque o voto de cada um vale o mesmo que o voto de qualquer outro), o direito de votar directamente (porque os militantes deliberam directa e definitivamente o acto, sem intermediário), o direito de voto secreto ou aberto (porque é assegurado o segredo do voto, sem prejuízo da opção pelo voto de mão levantada) e o direito de votar livremente (porque é igual ao direito de voto secreto ou aberto, é uma garantia da liberdade de voto, assegurando que ninguém é obrigado a dizer em quem votou ou ninguém pode ser coagido física e psicologicamente a votar num determinado sentido de deliberação).


No entanto, no caso sub lite, não está demonstrado nos autos, através de provas inquestionáveis, que os militantes não expressaram a vontade de deliberar livremente sobre a convocação e realização do XIII Congresso Ordinário para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, nem através de uma acta subscrita pela maioria dos membros da Comissão Política, muito menos por intermédio de registos confirmados pela Polícia da Ordem Pública de actos de violência ou distúrbios dentro do recinto em que ocorreu a deliberação posta em causa pelos Requerentes.


Ana Prata conceitua a prova como sendo uma “demonstração da realidade de um facto ou da existência de um acto jurídico. As provas recaem sobre factos relevantes para o exame da causa que devam ser considerados controvertidos ou necessitados de prova. Os factos a provar não se restringem aos factos principais da causa, abrangendo também os factos instrumentais […] que se situem na cadeia dos factos probatórios, que permite chegar aos factos principais que as partes tenham alegado ou constituam factos acessórios relativamente a esses, sem prejuízo dos casos excepcionais (factos notórios [que não carecem de prova], factos de que o juiz conhece no exercício das suas funções…”. (In Dicionário Jurídico, Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, Volume I, 5.ª Edição, Almedina, pág. 1193).


O princípio da função jurisdicional, previsto nos artigos 174.º e 72.º da CRA, obriga a este Tribunal Constitucional apreciar as causas mediante prova, para assegurar às partes um julgamento justo e conforme, sobretudo quando, nos processos de partidos políticos e coligações, entre outras matérias, está em causa o princípio “nemo ad factum cogi potest” (que significa que ninguém pode ser coagido pela força a realizar um facto a que se obrigou), pois as formações políticas deliberam regularmente, o que deve implicar o respeito permanente ao direito à livre deliberação democrática.


Desta feita, fazendo jus a uma das maiores garantias dos processos judiciários, designadamente o princípio da dúvida razoável, sobre o impacto da vigília na estabilidade, liberdade e segurança funcional do órgão deliberativo do Partido Político UNITA e, em consequência, na vontade e autonomia decisória dos militantes que deliberaram, este Tribunal entende que não assiste razão aos Requerentes, por falta de prova.

4) Sobre o regulamento com prazos e cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão n.º 700/2021

O Requerido assevera, a fls. 108, que quem recepciona, analisa, regista e valida os processos de candidaturas ao cargo de Presidente da UNITA é a Comissão de Mandatos, nos termos da alínea e) do artigo 3.º do Regulamento da Comissão de Mandatos, aprovado a 29 de Outubro de 2021 e promulgado na mesma data.
Este Tribunal verifica que o Requerido, exercendo o ónus da impugnação, princípio segundo o qual, na contestação, o réu ou demandado toma posição definida perante os factos articulados na petição pelo autor ou demandante, juntou aos autos o Regulamento da Comissão de Mandatos, cuja alínea e) do artigo 3.º expressa o seguinte: “são atribuições da Comissão de Mandatos: receber, analisar, registar e validar os processos de candidaturas ao cargo de Presidente do Partido, nos termos dos Estatutos”.


Paralelamente a isso, a preocupação manifestada pelos Requerentes, a fls. 10, sobre a inexistência de Regulamento Eleitoral até ao dia 29 de Outubro, que estabeleça as condições de formulação de candidaturas e subscrição de assinaturas, não colhe, uma vez que os Estatutos do Partido Político em vigor, aprovados em 2015, nos termos das alíneas a) a h) do n.º 2 do artigo 13.º, já consagram os requisitos legais.


A disposição supra referida define os requisitos de elegibilidade e determina que os potenciais candidatos ao cargo de Presidente do Partido devem reunir o número de assinaturas correspondentes a um mínimo de 40% dos membros efectivos da Comissão Política e um mínimo de 1000 assinaturas de militantes do Partido, no pleno gozo dos seus direitos, sendo no mínimo 50 assinaturas por cada uma das 18 províncias do país.


Portanto, o que importa é analisar propriamente a falta de regulamento com prazo de apresentação de candidaturas. Com relação às regras do período de apresentação de candidaturas, que deve um regulamento de uma Comissão de Mandatos consagrar, este Tribunal já se pronunciou nos fundamentos da página 49 do Acórdão n.º 700/2021, datado de 5 de Outubro de 2021, e considerou que a ausência de prazos de candidaturas no próprio Regulamento da Comissão de Mandatos fere de nulidade todo o processo de candidaturas.

 

A razão dessa jurisprudência está associada à violação da alínea o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP e do n.º 1 do artigo 90.º dos Estatutos do Partido Político UNITA, quando estabelecem que os actos dos órgãos deliberativos sobre a renovação dos órgãos de direcção nacional no período e segundo os Estatutos, como é o caso dos actos do Comité Permanente da Comissão Política, revestem a forma de regulamentos.

 

Ou seja, com base nos Estatutos (artigo 90.º), que instituem o critério de aprovação de regulamento pelo Comité Permanente da Comissão Política (que deve ser assinado pelo Presidente do Partido, vide fls. 331 dos autos), é no regulamento deste órgão que devem constar os precisos prazos de apresentação de candidaturas recebidas pela Comissão de Mandatos, fixando, assim, prazos gerais, abstractos e imperativos, como acentuou, de resto, este Tribunal, no Acórdão n.º 700/2021 (pág. 47).

 

No presente processo de impugnação, o Requerido, para além de incorrer a uma manifesta desobediência à decisão do Tribunal Constitucional, que é de cumprimento obrigatório, conforme defende o n.º 2 do artigo 177.º da CRA, não respeitou o disposto na alínea o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, que obriga o Partido Político a estabelecer o período de renovação dos órgãos de direcção nacional nos termos previstos nos respectivos Estatutos.


A supremacia da Constituição e das leis constitui a garantia de que a vinculação dos partidos e coligações à Lei Magna, enquanto razão justificativa do funcionamento das formações políticas, serve também de parâmetro da assumpção de responsabilidades quando há, de forma inequívoca, violação de normas constitucionais, de leis ordinárias e de respectivos estatutos pelos Partidos Políticos.


É preciso não perder de vista que, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, do n.º 1 do artigo 17, do n.º 1 do artigo 55.º, e do n.º 1 do artigo 226.º, todos da CRA, a institucionalização, a organização, o funcionamento e as atribuições dos partidos políticos e coligações de partidos políticos subordinam-se à Carta Magna, devendo as formações políticas respeitar e fazer respeitar a Constituição, a lei e demais diplomas aplicáveis.


Na mesma senda, o Estado auto incumbiu-se, como sendo uma das suas tarefas fundamentais, defender a legalidade, a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil através dos partidos políticos (artigo 17.º da CRA).


A consequência directa da violação da norma da Constituição e da lei, bem como das decisões dos Tribunais, sem excepção, é a nulidade do acto praticado, porquanto o que está em causa é o incumprimento de normas de interesse público-geral e não particular stricto sensu, que vinculam todos os cidadãos e instituições do Estado, devendo respeitá-las e fazer cumprir no fiável sentido dos princípios da legalidade, do Estado democrático de direito e da separação de poderes, defendidos nos artigos 2.º, 6.º e 105.º, todos da CRA.


No dizer de Jorge Miranda e Rui Medeiros, a obrigação de cumprir as decisões dos tribunais é um “corolário da qualificação dos tribunais como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça. Aliás, em rigor, a eventual sujeição da autoridade das decisões judiciais à vontade de entidades estranhas aos órgãos da função jurisdicional dificilmente se harmonizaria com o princípio da separação de poderes. Por isso, as decisões dos tribunais, não só são obrigatórias e vinculam todas as entidades públicas e privadas, como prevalecem sobre quaisquer outras decisões provenientes de qualquer outra autoridade”. (In Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pág. 77).


Os prazos consubstanciam requisitos temporais de validação do processo de preparação e realização dos Congressos, são essenciais para a prática de actos dos órgãos deliberativos centrais e para orientar as comissões ou subcomissões de organização nacional dos certames. Por isso, a forma de que reveste o acto é importante segundo a lei e os Estatutos, sobretudo porque o objectivo é a eleição da direcção do Partido e os prazos que regulam um dos mais importantes dos processos – o processo de apresentação de candidatura – não podem ser aprovados por um organismo (Comissão de Mandatos) que não possui a representatividade, soberania, democraticidade e dignidade institucional de um órgão de direcção, como é o Comité Permanente da Comissão Política.


Ao invés de se socorrer dos seus Estatutos e da jurisprudência firmada, por serem de cumprimento imperioso, o Requerido, através da Comissão de Mandatos, decidiu (fls. 321) aprovar o prazo de recepção de candidaturas por um instrutivo.


Cabe ao Comité Permanente da Comissão Política aprovar prazos em regulamento, órgão que instituiu a Comissão de Mandatos, para que este realize tarefas de análise e validação dos processos de candidaturas, no quadro e no período de realização dos actos preparatórios e conducentes à renovação dos órgãos de direcção do Partido, como decorre da alínea o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, da alínea b) do n.º 1 do 90.º dos Estatutos.


Assim, o procedimento adoptado pelo Requerido colocou em causa a obrigatoriedade de cumprir a decisão deste Tribunal e violou o princípio do dever de compromisso pelo respeito à Constituição e à lei, previsto na alínea l) do n.º 2 do artigo 20 da LPP.


O prazo de apresentação de candidaturas, regulado por instrutivo em detrimento de um regulamento contendo prazos que devia ser aprovados pelo Comité Permanente da Comissão Política, é uma clara violação à norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, sobre a competência dos órgãos, e uma desobediência aos Estatutos, assim como um incumprimento directo da decisão vertida no Acórdão n.º 700/2021, ferindo de nulidade o processo de recepção, análise e validação de candidaturas.


Assim, este Tribunal Constitucional é de entendimento que não colhe a defesa aduzida pelo Requerido de que o processo de candidatura respeitou prazos, pois constam dos autos provas bastantes de manifesto atropelo à Constituição, à lei e aos próprios Estatutos, quanto ao dever de aprovação de prazos em regulamento, através do órgão competente, e à obrigação de cumprir o referido Acórdão.

5) Sobre a derrogação da primeira deliberação da Comissão Política pelo segundo acto deliberativo do próprio órgão e suas consequências jurídico-legais


Os Requerentes vieram a este Tribunal Constitucional, no dia 19 de Novembro de 2021, intentar a presente acção principal do processo de providência cautelar não especificada, registada sob o n.º 923-A/2021, conforme o requerimento constante de fls. 1 dos autos, com o objectivo de impugnar a validade do acto deliberativo da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, que aprovou a data e a convocação do XIII Congresso Ordinário para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021.


O Tribunal Constitucional aprecia e decide sobre as impugnações de eleição e de deliberações de órgãos centrais de partidos políticos e coligações, bem como quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias no estrito cumprimento da Constituição e da lei, isto é, do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA, na alínea j) do artigo 16.º e no artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, assim como na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.


O objecto do presente processo é, assim, a legalidade do acto deliberativo da autoria da Comissão Política, praticado na sua I Reunião Extraordinária, do dia 20 de Outubro de 2021, pelo qual os Requerentes pedem a sua nulidade e, para o efeito, arregimentam, a fls. 2 a 19 dos autos, um conjunto de alegações que enformam o conflito interno originado pela referida deliberação.
Cada acção de partidos políticos, que corre termos neste Tribunal, tem um objecto, em cujo autor da iniciativa e do impulso processual, protegido pelas garantias do princípio do dispositivo, discorre sobre fundamentos de facto e de direito e expressa a tutela jurisdicional pretendida.


Os actos deliberativos dos órgãos de direcção dos partidos políticos são impugnáveis sempre que interessar aos militantes questionar a convocação, a realização, as deliberações aprovadas, a composição do quórum, a conformidade legal das decisões, a legitimidade e demais factores.


Regra geral, o pedido do autor ou do requerente, devidamente organizado e fundamentado, constitui, de qualquer modo, um verdadeiro projecto de decisão, por espelhar aquilo que pretende quanto à sentença de que vai dispõe o julgador, como ensina Francesco Carnelutti (in Diritto e Processo, Nápoles, 1958, pág. 98).


Os Requerentes vieram a este Tribuna, a fls. 19 dos autos, pedir a nulidade do acto deliberativo do dia 20 de Outubro de 2021, praticado pela Comissão Política. Porém, no dia 28 de Novembro de 2021, no decurso da apreciação jurisdicional da acção de providência cautelar não especificada e já tendo sido impetrada a presente acção principal de impugnação (ocorreu no dia 19 de Novembro), o Partido Político realizou a II Reunião Extraordinária da Comissão Política e aprovou a data e realização do XIII Congresso Ordinário para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021.


A segunda acção deliberativa é um acto autónomo, novo e também passível de impugnação neste Tribunal, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC.
A circunstância de haver nova deliberação da Comissão Política, do dia 28 de Novembro de 2021, que se apresenta como substituta da anterior, deve provocar uma extinção formal e material da primeira deliberação, como manda a lei, quer para efeitos de tomada de decisão sobre o objecto do processo de impugnação, confirmando, se assim for, uma inutilidade superveniente da lide, quer para garantir que, em face dos efeitos jurídicos e das acções consumadas em sede da primeira deliberação extinta, este Tribunal, ainda assim, aprecie e decida a causa para proteger os direitos e legítimos interesses dos militantes que tenham sido violados e que estiveram na base da impugnação das ilegalidades do primeiro acto deliberativo.


Este Tribunal verifica que não houve uma extinção material do acto deliberativo praticado na I Reunião Extraordinária da Comissão Política, o que viola lei, pois o XIII Congresso Ordinário foi realizado após a segunda deliberação, mas aproveitou todos os actos praticados no âmbito da primeira deliberação que os membros daquele órgão de direcção extinguiram e de que dependiam directamente.


Com a realização do novo acto deliberativo, no dia 28 de Novembro, o Partido Político extinguiu a primeira deliberação democraticamente votada pelos membros da Comissão Política, logo, as acções que dependiam directamente do acto deliberativo extinto, ficam sem efeito, conforme determina a parte final da norma do n.º 2 do artigo 201.º do CPC.


No quadro da primeira deliberação extinta, verifica-se a realização dos seguintes actos:


Os autos processuais, a fls. 52 e 53 (Cronograma de Actividades), demonstram que as fases de organização e realização do XIII Congresso Ordinário foram observadas pela Comissão Organizadora do certame, pelas Comissões de Trabalho e pelo candidato único ainda no cumprimento da deliberação saída da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, do dia 20 de Outubro de 2021.


O Presidente do Partido, Isaías Henrique Gola Samakuva, presidiu à reunião do Comité Permanente e convocou o XIII Congresso Ordinário no dia 27 de Outubro de 2021, por despacho assinado na mesma data, conforme prova reflectida na ACTA N.º 54/EXTRA-XII/SCPCP/2021 e Convocatória, a fls. 344 e 353 dos autos.


O Regulamento da Comissão de Mandatos, a fls. 322 a 331, foi aprovado pelo Comité Permanente da Comissão Política e subscrita pelo Presidente do Partido no dia 29 de Outubro de 2021. Em consequência disso, no dia 1 de Novembro do referido ano, a Comissão de Mandatos, que tem por missão receber, analisar, registar e validar os processos de candidaturas ao cargo de Presidente do Partido, aprovou o Instrutivo N.º 01/CMXIII/2021 de Candidaturas (fls. 321) e a Circular n.º 001/CMXIII/2021 (fls. 334), contendo a enumeração dos requisitos, o prazo de 4 a 11 de Novembro para início e fim de apresentação de candidaturas e o apelo às estruturas provinciais e de base do Partido para prestarem apoio aos potenciais candidatos.


A fase de apresentação de candidaturas terminou com a formalização de uma única proposta e os delegados ao XIII Congresso Ordinário de Dezembro de 2021, indispensáveis para a eleição do dirigente máximo do Partido Político, foram eleitos nas conferências provinciais realizados de 3 a 16 de Novembro, segundo o relatório das conferências preparatórias do conclave junto aos autos, a fls. 335 a 340.

 

Este é o último acontecimento marcante dos efeitos do acto deliberativo materialmente existente, praticado pela Comissão Política na sua I Reunião Extraordinária, do dia 20 de Outubro de 2021.


Seguindo os princípios da renovação dos órgãos de direcção nacional e da democraticidade interna, previstos nas alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, com o concurso do princípio da convocação vinculativa do Congresso, consagrado no n.º 1 do artigo 27.º dos Estatutos da UNITA, temos a reter que, nos termos da lei, o Partido Político tem o dever de renovar periodicamente os seus órgãos políticos realizando, democraticamente, Congressos ordinários por convocação do Presidente do Partido, ouvida a Comissão Política.


A audição da Comissão Política é o evento necessário para a preparação, organização e realização do Congresso, na medida em que os membros, através de uma deliberação efectiva e democraticamente proferida por votos expressos dos integrantes de plenos poderes do órgão, legitimam o Presidente do Partido a convocar o certame com base na data aprovada pela maioria.


Esse acto deliberativo de aprovação da data e realização do Congresso pela Comissão Política é único e juridicamente indivisível, não se separa por partes independentes a serem consideradas válidas caso o acto deliberativo seja declarado nulo, ao abrigo da parte final do texto do n.º 2 do artigo 201.º do CPC.


Os actos deliberativos únicos e indivisíveis contam para a realização do Congresso do início ao fim e para efeitos de impugnação se militantes assim decidirem proceder, por considerarem que houve violação aos estatutos e convenção partidária. Nisso consiste, também, a essência da competência jurisdicional deste Tribunal quando, por fim, é chamado a dirimir conflitos internos de partidos políticos e coligações sobre cada acto deliberativo, processo de candidaturas ou outros.


Numa perspectiva pedagógica, é relevante referir que o Requerido devia respeitar, com a devida adaptação dos seus Estatutos à Lei dos Partidos Políticos, a seguinte sequência de actos: 1) Realização de uma única reunião extraordinária da Comissão Política, com o mínimo de quatro meses de antecedência, visando prevenir restrições ao direito de eleger e ser eleito; 2) Protecção do princípio da livre deliberação; 3) Convocação do Congresso pelo Presidente, ouvida a Comissão Política; 4) Aprovação antecipada dos principais instrumentos da Comissão Nacional Preparatória do Congresso; 5) Realização de conferências provinciais electivas dos delegados; 5) Recolha de assinaturas, recepção de candidaturas e aprovação dos candidatos; 6) Materialização da campanha eleitoral; 7) Realização do Congresso com eleição democrática dos órgãos singulares e colegiais do Partido.


A formação política não agiu com uma razoabilidade próxima dos actos acima descritos e violou a lei e os Estatutos, porque, depois de ter efectuado a convocação e praticado actos até à conclusão da fase de apresentação de candidaturas e eleição de delegados, com base na deliberação da I Reunião Extraordinária, interrompeu, no dia 28 de Novembro de 2021, o curso normal de todas as acções legitimadas pelos membros da Comissão Política que estiveram reunidos no dia 20 de Outubro de 2021, sem que a realização do XIII Congresso Ordinário tivesse sido concretizada mediante o primeiro acto deliberativo.


Com a realização de uma nova deliberação (fls. 352), com 157 votos a favor (90%), 15 votos contra (8%) e 3 abstenções (2%), no dia 28 de Novembro de 2021, na sua II Reunião Extraordinária, a Comissão Política, ainda que se debruçando sobre a mesma data do certame, proferiu uma decisão substituta da anterior e que devia ser procedida da convocação do Congresso por parte do Presidente do Partido e subsequentes actos.


O cumprimento desse formalismo não é um mero expediente, não se deve às normas dos Estatutos da UNITA, mas a regras impostas pela Lei dos Partidos Políticos, que obrigam as formações políticas a respeitarem as “regras e os critérios referentes à observação da democraticidade interna” e o “estabelecimento da renovação dos órgãos de direcção nacional, no período e nos termos previstos nos respectivos estatutos”, conforme determinam as alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP.
Portanto, o XIII Congresso Ordinário de 2021, democraticamente deliberado pela II Reunião Extraordinária da Comissão Política da UNITA, acabou por se concretizar sem ter por base todos os actos preparatórios que a lei e os Estatutos impõem, pois, do dia 28 de Novembro de 2021 em diante, o Presidente do Partido não praticou o acto de convocação do certame e não foram realizados os processos de apresentação de candidaturas ou eleição de delegados.


Tal como vimos nos parágrafos anteriores, as acções que envolvem a aprovação dos regulamentos, a apresentação de candidatura e a realização de conferências provinciais de eleição de delegados ao Congresso foram realizadas no quadro da I Reunião Extraordinária da Comissão Política extinta, pelo que ficam sem efeitos jurídicos para sustentar a realização do XIII Congresso Ordinário, uma vez que foi realizado após a segunda deliberação.


Este Tribunal também entende que as acções e omissões praticadas na vigência do primeiro acto deliberativo da Comissão Política, nomeadamente a falta de regulamento com prazo, em desobediência ao Acórdão n.º 700/2021, e a incompetência da Comissão de Mandatos na fixação de prazos constitucionalmente injustos e inatendíveis, padecem do vício de inconstitucionalidade, porque violam os princípios da legalidade, do cumprimento obrigatório das decisões judiciais, da organização e do funcionamento democráticos, da composição e competência dos órgãos partidários, do compromisso dos partidos pelo respeito à Constituição e à lei e o direito dos membros, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º, na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º e no n.º 2 do artigo 177.º, todos da CRA, assim como nas alíneas c), f), n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP.

6) Sobre a conformidade jurídico-legal dos prazos instituídos

Os Requerentes alegam (fls. 8, 10 e 11) que não é realista o prazo de organização do XIII Congresso Ordinário de 2021, deliberado pela I Reunião Extraordinária da Comissão Política, porque foi escolhido apenas para viabilizar uma só candidatura e lesar gravemente o direito de outros militantes.


O Requerido refuta as alegações dos Requerentes, contra-alegando (a fls. 109) que 10 dias para apresentação de 1000 (mil) assinaturas, sendo, no mínimo, 50 por cada uma das 18 províncias do País, é um prazo bastante razoável.


Compulsados os autos, a fls. 137 a 143, a Acta n.º 01/Extra/CP-XII/2021, aprovada pela Comissão Política, indica que, a 20 de Outubro de 2021, em sede da sua primeira reunião, este órgão de direcção deliberou sobre a data e convocação do XIII Congresso Ordinário do Partido, para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021.


Em face deste facto, como é de “lei” do Partido Político, a 27 de Outubro de 2021, o Presidente da instituição partidária à data dos factos, Isaías Henrique Gola Samakuva, convocou o conclave para o mês de Dezembro do referido ano, conforme Convocatória constante de fls. 343 dos autos.


Apesar de as disposições estatutárias estabelecerem, na alínea h) do n.º 2 do artigo 13.º, o número necessário de assinaturas para apresentação de candidaturas, o que permite orientar os militantes interessados em concorrer, a Comissão de Mandatos só aprovou (fls. 333) o Instrutivo N.º 01/CMXIII/2021 de Candidaturas, que regula prazos de início e fim de apresentação de candidaturas, no dia 1 de Novembro de 2021.


Este importante documento contém os requisitos necessários e a data da apresentação de candidaturas, fixada de 4 a 11 de Novembro de 2021. Acto contínuo, a Comissão de Mandatos aprovou, no dia 1 de Novembro de 2021, a Circular n.º 001/CMXIII/2021, que visou informar amplamente os militantes sobre a data de 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021 para a realização do XIII Congresso Ordinário e apelar os secretariados provinciais, municipais e comunais para prestarem apoio aos potenciais candidatos que pretendam recolher assinaturas.


A esta constatação junta-se o facto de a Comissão de Mandatos ter contribuído para a desinformação no seio da massa apoiante, prejudicando a generalidade dos potenciais candidatos, pois os autos, a fls. 334, demonstram que a Circular indica um período de apresentação de candidaturas que vai de 4 a 8 de Novembro, contrariando o Instrutivo, não divulgado amplamente, que pré-definiu o prazo de 4 a 11 de Novembro de 2021.


A publicação do instrutivo e da circular no dia 1 de Novembro de 2021 também obrigou a que o espaço de tempo para os militantes tomarem conhecimento da data de início de apresentação de candidaturas fosse apenas de três (3) dias (de 1 a 3 de Novembro de 2021) e o prazo de formalização de candidaturas, que iniciou no dia 4 de Novembro de 2021, durasse apenas oito (8) dias, até 11 de Novembro de 2021.


Ora, o primeiro nível de consagração do princípio democrático em sede dos partidos políticos encontra previsão na Constituição, mais exatamente na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º e concretiza-se na lei especial, precisamente no artigo 8.º (Princípio democrático) da LPP.


O princípio democrático é transversal e constitui a pedra de toque de toda estrutura objectiva no qual se funda o Estado, tornando-se na bússola para resolução dos grandes diferendos. No mais, tem sido compreendido por este Tribunal Constitucional que os partidos políticos, no contexto do Estado democrático de direito, posicionam-se como organizações associativas fundamentais de participação no espaço público, de afirmação do pluralismo político e para a estruturação democrática dos órgãos do poder político do Estado.


Nesse sentido, não é de ignorar a importância que os partidos assumem no quadro da democracia representativa, sendo que, além da dignidade constitucional que lhes é conferida (vide artigo 17.º da CRA), são as únicas entidades que, no âmbito das eleições gerais, gozam da prerrogativa de propor e apresentar candidatos aos cargos de Presidente da República e de Deputado à Assembleia Nacional, conforme decorre dos artigos 111.º e 146.º da CRA.


Os partidos políticos detêm, assim, o exclusivo de participação política na escolha dos representantes que exercem a função política. E a relevância das funções que desempenham na estrutura do Estado constitucional determina que os entes partidários se constituam, organizem e funcionem à luz de normas, regras e princípios consentâneos com a protecção devida aos direitos políticos dos seus militantes, de que são exemplo os princípios da organização e funcionamento democráticos e dos direitos e deveres dos membros, estabelecidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 179.º da CRA e na alínea c) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, respectivamente.


Diante disto, e vital considerar que este Tribunal Constitucional tem andando sob uma jurisprudência que respeite a autonomia funcional dos partidos políticos e dos seus órgãos, não podendo decidir sobre tudo que os militantes lhe apresentem como matéria supostamente controvertida.


Daí ter frisado, no Acórdão n.º 700/2021, que “não compete decidir sobre todas as matérias de conflito interno dos partidos políticos, por dever de respeito à garantia constitucional do controlo mitigado ou de intervenção mínima judicial na vida interna das instituições partidárias e entes equiparados. Assim, este Tribunal, para decidir sobre o conflito interno de impugnação (…) tem em linha de consideração os termos processuais que estão determinados na Constituição, na LPP e nos ou convenções partidárias, de forma a concretizar a concordância prática entre o princípio da autonomia na ordenação da vida interna dos partidos políticos e o princípio da decisão judicial justa e conforme diante da violação de normas constitucionais, ordinárias ou estatutárias”.


O que agrega valores à justiça constitucional, em matéria de natureza de partidos políticos, é analisar se o prazo fixado violou ou não o direito dos membros de apresentar candidatura, isto é, se houve ilegalidade ou violação de regra estatutária, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, sobre os direitos e deveres dos membros dos partidos políticos, conjugado com a alínea b) do artigo 11.º dos Estatutos da UNITA, sobre o direito dos membros de elegerem e serem eleitos para os órgãos do Partido.


Os autos (fls. 321) demonstram que a Comissão de Mandatos aprovou e publicou o Instrutivo n.º 1/CMXIII/2021, que veio fixar a data de apresentação de candidaturas, somente no dia 1 de Novembro de 2021, obrigando a que os potenciais candidatos iniciassem a entrega do expediente já três dias após publicação, isto é, a partir do dia 4 de Novembro de 2021.


A contar de 4 de Novembro, os militantes interessados tinham a obrigação de apresentar candidaturas até ao dia 11 do mesmo mês, ou seja, no prazo ínfimo de uma semana, os membros do Partido Político interessados em formalizar uma candidatura tinha o dever de visitar ou agir por interposta pessoa na recolha ordeira e completa de 1000 (mil) assinaturas, dentre as quais um mínimo de 50 subscrições de cada uma das 18 províncias do País, para cumprir o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos.


Fazendo um paralelismo com o processo de recolha de 7500 assinaturas para inscrição de partidos políticos em registo próprio neste Tribunal, contendo, no mínimo, 150 subscrições válidas de cidadãos residentes em cada uma das 18 províncias do País, no prazo de seis (6) meses (cerca de 24 semanas), dir-se-á que a obrigação de apresentar mil assinaturas em apenas 8 dias (uma semana) é uma exigência equitativamente injusta, porque concorre para a não efectivação do amplo direito do militante de se candidatar, devido às dificuldades para visitar as 18 circunscrições provinciais em apenas uma semana e reunir os requisitos exigíveis.


Nesse desiderato, o prazo injusto não resulta tão-somente da extensão temporal mínima estabelecida para recolha de 1000 assinaturas e apresentação de candidaturas, mas também do prazo da aprovação dos regulamentos sobre regras e prazos essenciais, o que significa que, se houvesse convocação do certame com a devida e inquestionável antecedência, pouco restaria de motivos para existir violação de direitos dos membros.


Os diplomas das formações políticas, designadamente estatutos e regulamentos internos, são, via de regra, omissos quanto a um período em que tais associações de Direito Privado de interesse público devam convocar e realizar congressos ordinários. Diferente disso, por exemplo, a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 112.º, e a LOEG, ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º, consagram a 2.ª quinzena do mês de Agosto do ano em que terminam os mandatos como período preferencial de realização das eleições gerais, o que promove a segurança e confiança jurídicas.


A segurança jurídica é também um valor imanente do conceito de direito dos membros de quaisquer partidos políticos previsto no artigo 20.º da LPP, que tem como fim garantir a durabilidade e coerência do funcionamento jurídico da instituição, de forma a permitir aos seus militantes organizarem a sua vida político-partidária e relacional mediante um mínimo exigível de condições que lhes permitam uma previsibilidade de expectativas de actos.


Oferecida pela Constituição e pela LOEG aos cidadãos, no caso das eleições gerais, a segurança jurídica é também exigível aos Estatutos e regulamentos dos partidos políticos em relação aos seus militantes, perpassando pela previsão e aprovação antecipada de instrumentos estatutários e regulamentares que orientem em tempo útil os seus membros sobre o período da convocação e realização dos congressos e apresentação de candidaturas, sob pena de violar o princípio da participação democrática e restringir os direitos de eleger e ser eleito, tornando, este último, absolutamente impraticável.


Por exemplo, o n.º 1 do artigo 23.º dos Estatutos da FNLA consagra, determinantemente, que o anúncio da convocação do Congresso Ordinário deve ser feito doze (12) meses antes e a sua preparação ser formalizada de imediato, visando ampliar a protecção dos direitos de participação política dos militantes (eleger ou concorrer e ser eleito).


Com relação ao Partido Político UNITA, devia empregar, como fonte de orientação jurídica, os seus próprios Estatutos, quanto aos prazos de realização de congressos extraordinários, já que o n.º 2 do artigo 51.º dos Estatutos em vigor desde 2015 consagra o prazo não superior de 180 dias (seis meses) para, em caso de renúncia, incapacidade permanente ou morte do Presidente do Partido, o Vice-Presidente, que assume a presidência interina, convoque e realize o Congresso Extraordinário.


Os n.ºs 5 e 6 do artigo 49.º dos Estatutos decreta que, em caso de impedimento de um candidato à segunda volta eleitoral ou impossibilidade prática para a realização da segunda volta entre dois candidatos, é eleito o candidato persistente. Mas o Presidente em exercício convoca e realiza, no prazo de 90 dias (três meses), novas eleições em congresso extraordinário caso o candidato persistente for eleito sem maioria absoluta dos votos.


Perante estes dispositivos, ao contrário senso, facilmente sobrevém a conclusão de que ao Partido Político os Estatutos interditam o direito de organizar um Congresso Ordinário em prazo inferior ao estatutariamente estabelecido para a realização dos seus próprios Congressos Extraordinários.


A lógica de organização e funcionamento democráticos ou das regras e critérios referentes à observância da democraticidade interna, previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e na alínea n) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, consiste na prevenção do abuso de direito, na produção de actos não contraditórios, não atentatórios à dignidade, aos direitos, às garantias, às liberdades e à certeza jurídica dos militantes; que não limitem a actuação efectiva dos membros, de modo que a participação dos mesmos nos pleitos eleitorais, como candidatos, esteja revestida da protecção da Constituição e da lei.


Na esteira do pensamento de J.J Gomes Canotilho, “a democracia interna pressupõe, entre outras exigências, a proibição do princípio do chefe (…), a exigência da formação da vontade a partir das bases, o direito dos membros da partido à actuação efectiva dentro do partido, o direito à liberdade de expressão, o direito à oposição, o direito à igualdade de tratamento de todos os membros”. (In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, 6.ª Reimpressão, Almedina, 2003, pág. 318).


O abuso do direito, em termos gerais, e que a democraticidade interna visa combater, pode ser interpretada, quanto mais não seja, do seguinte modo: é “um exercício de um direito ilegítimo quando o seu titular pratique actos que, pela sua natureza e intensidade, excedam notoriamente os limites da boa fé, os bons costumes e o fim socioeconómico do próprio direito impõem. Assim, no centro do estudo deste instituto o que está em questão é o exercício abusivo de um direito, ou seja, a acção para além dos limites da boa fé”. (In MAGALHÃES, Carlos, Responsabilidade Civil do Fornecedor Face à Lei Angolana de Defesa do Consumidor, Confronto com o Direito Português, Petrony, 2021, págs. 113-114).


Os partidos políticos configuram-se como espaços normativamente informados pelos princípios e normas constitucionais, que devem servir de base para a proteção e o reconhecimento dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos seus membros. Nesta medida, como corolário directo do princípio democrático, plasmado na alínea f) do n.º 2 do referido artigo 17.º da CRA e no artigo 8.º da LPP, decorre a exigência de democracia interna no âmbito da organização e funcionamento das formações políticas.


Tal pode ser aferido, entre outros aspectos, não apenas a partir das disposições estatutárias sobre o reconhecimento do direitos a ser eleito, como, por exemplo, o direito de participação no processo de tomada de decisões, mas igualmente a partir dos procedimentos que visam um exercício garantístico desses e de outros direitos, por dever de obediência à Constituição e à lei, inibindo, por último, os órgãos de praticarem actos que, numa análise imediata, são indubitáveis e potencialmente perniciosos aos direitos dos militantes ou discriminatórios entre uns e outros, devido a distintas posições de vantagens e desvantagens que ocupam na estrutura dos partidos políticos.


Em síntese, este Tribunal verifica que o Requerido agiu à margem da lei e dos Estatutos ao fixar prazos materialmente inatendíveis, obrigado a que os militantes, no quadro da primeira deliberação extinta, apresentassem candidaturas com assinaturas recolhidas nas 18 províncias do País no período ínfimo de oito (8) dias, sem que tivesse havido convocação equitativamente antecipada do conclave e aprovação de regulamento com prazo pelo órgão competente, o que viola o direito à garantia de apresentação de candidaturas, corolário do direito a ser eleito, bem como o princípio da democraticidade interna, previstos na alínea c) do artigo 8.º, nas alíneas c) e n) do n.º 2 do artigo 20.º, ambos da LPP, e na alínea b) do artigo 11.º dos Estatutos do Partido Político UNITA.

7) Sobre a conformidade legal do Congresso convocado mediante deliberação saída da II Reunião Extraordinária da Comissão Política


Os Requerentes alegam, a fls. 4 dos autos, que o acto deliberativo da Comissão Política, do dia 20 de Outubro de 2021, é impugnável e deve ser anulado, porque se baseou exclusivamente em pressupostos errados e numa deliberação eivada de ilegalidades, por violação da Constituição e de regras essenciais relativas ao funcionamento democrático dos partidos políticos.


O Requerido, em sua defesa, a fls. 132 dos autos, argumenta que não existem quaisquer razões, de facto e de direito, bastantes para sustentar o pedido de impugnação formulado pelos Requerentes.

 

Na verdade, parte substancial das alegações dos Requerentes não colhe, precisamente devido a factores que vimos acima, tal como a falta de prova para sustentar a alegação de violação do direito de deliberar livremente, ainda que o Requerido tenha considerado necessário, de entre outras razões que estiveram na base do pedido de providência cautelar, realizar uma segunda reunião extraordinária para rejeitar as alegações de violação à Constituição, à lei e aos Estatutos da UNITA feitas pelos Requerentes no Processo n.º 923-A/2021 (acção de providência cautelar não especificada) e no presente Processo n.º 924-B/2021 (acção principal de impugnação do acto deliberativo da Comissão Política).


Desse modo, no dia 28 de Novembro de 2021, a Comissão Política, na sua II Reunião Extraordinária deliberou do seguinte modo (fls. 351 e 352): “Considerando que a providência cautelar contra o Partido, movida por sete membros da Comissão Política, devidamente identificados, junto do Tribunal Constitucional, ataca uma decisão soberana do órgão deliberativo máximo da UNITA entre Congressos, concretamente a deliberação da I Reunião Extraordinária deste órgão, sobre a data de realização do XIII Congresso Ordinário; Havendo necessidade de rejeitar as alegações dos requerentes, segundo as quais a decisão foi tomada num ambiente de coação, intimidação, ameaças de morte e agressões físicas e verbais; Com vista a reafirmar a soberania da UNITA, que só pode ser exercida pelos seus órgãos, nos termos dos Estatutos e da Lei; Reconhecendo que a convocação do Congresso para o período de 2 a 4 de Dezembro foi decidida em liberdade de consciência, sem interferências externas e no interesse exclusivo da UNITA; Nos termos dos artigos 89.° e 90.°, número 1, alínea a), do dos Estatutos da UNITA em vigor, a Comissão Política resolve: 1. Reiterar, em segunda deliberação, por voto secreto (…). Luanda, 28 de Novembro de 2021. A Comissão Política”.


A deliberação da II Reunião Extraordinária, apresentada pelo Requerido no presente processo, foi também junta à acção de providência cautelar não especificada (vide fls. 165 dos autos do Processo n.º 923-A/2021), em que os ora Requerentes, para além de se referirem à desprotecção do direito à livre deliberação (vide fls. 7 dos autos do Processo n.º 923-A/2021), alegarem a existência de violação do prazo legal de convocação, do quórum, da produção dos documentos normativos (regulamentos), da legitimidade das conferências e dos delegados a eleger e, acima de tudo, da “garantia da observância do princípio da legalidade em todos os actos preparatórios”.


De acordo com a disposição dos n.ºs 1 e 2 do artigo 174.º e do artigo 181.º, ambos da CRA, a este Tribunal compete, em geral, dirimir conflitos jus-constitucionais de interesse público ou privado, assegurar a defesa de bens tangíveis ou intangíveis legalmente protegidos e dar amparo aos princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais, realizando a justiça em nome do povo, nos termos da Constituição e da lei.


Segundo Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes, o princípio democrático apresenta como seus subprincípios formais caracterizadores (i) o princípio da soberania popular, nos termos do qual a legitimação do domínio político só pode derivar do povo e nunca de qualquer outra entidade; (ii) o princípio da representação, que assenta em postulados que estabelecem que o exercício jurídico de funções de domínio, constitucionalmente autorizado, é feito em nome do povo; (iii) e o princípio do sufrágio, que se manifesta no direito de voto para a escolha dos seus representantes. (In Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, Luanda, 2014, pág. 104).


Aplicados à realidade político-partidária, mutatis mutandis, resulta que a fonte de legitimação do exercício do poder a nível dos partidos políticos não pode ignorar o princípio democrático, de acordo com os desdobramentos supra, pois um dos parâmetros jurídico-materiais mais relevantes da constituição angolana, no que aos partidos políticos diz respeito, assenta na organização e funcionamento democrático destes.


Outrossim, nos termos da alínea d) do artigo 47.º dos Estatutos do Partido UNITA, compete ao Presidente do Partido convocar o congresso. A regularidade da convocatória é, como se sabe, um dos pressupostos fundamentais para validação dos congressos dos partidos políticos (cf. alínea d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 21.º da LPP).


Aqui chegado, este Tribunal verifica que o XIII Congresso Ordinário de Dezembro de 2021 foi realizado sem convocatória do Presidente do Partido aprovada com base no acto deliberativo da II Reunião Extraordinária da Comissão Política, porquanto, a convocatória constante dos autos data de 27 de Outubro de 2021 (a fls. 343), o que demonstra que foi proferida no âmbito da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, do dia 20 de Outubro de 2021.


Poder-se-ia, por exemplo, levantar-se a hipótese da II Reunião Extraordinário da Comissão Política ser produto do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º dos Estatutos do Partido Político UNITA, que determina o seguinte: “as regras fundamentais de disciplina são: subordinação da minoria à maioria; é concedida à minoria, caso julgue defender uma opinião correcta e haja interesse comum em prosseguir o debate, o direito de pedir a convocação de um máximo de duas reuniões do mesmo órgão, a fim de reexaminar o assunto. A decisão da última reunião é a definitiva”.


Sucede que isto não se verificou, ou seja, os Requerentes (fls. 354 e 366), no dia 6 de Novembro de 2021, intentaram a acção interna de impugnação do acto deliberativo da Comissão Política junto do Conselho Nacional de Jurisdição. Este organismo com competência disciplinar julgou a acção e, no processo n.º 01/2021, decidido no dia 23 de Novembro do mesmo ano, rejeitou as alegações de violação da lei e dos Estatutos, negando razão aos Requerentes (vide fls.147 a 170 dos autos).


Antes da decisão interna ser proferida, os Requerentes, já no dia 19 de Novembro de 2021, tinham impetrada, neste Tribunal Constitucional, a acção jurisdicional de impugnação do acto deliberativo que aprovou a data e convocação do conclave, deixando, assim, cair por terra, qualquer hipótese de relação entre a deliberação da II Reunião Extraordinária da Comissão Política e o disposto no artigo 16.º dos Estatutos.


Ainda que o Partido Político tivesse realizado a segunda deliberação para rejeitar as alegações feitas pelos Requerentes sobre violação à legalidade com base no critério do direito de pedido interno de duas reuniões reservado à minoria, essa nova deliberação não deixaria de ser autónoma da anterior e, portanto, jurisdicionalmente passível de apreciação no presente processo, devido a correlactividade das matérias de facto e de direito numa e noutra.


Ademais, se fosse de declarar a inutilidade superveniente da lide neste processo, hipoteticamente pelo facto de o objecto da presente acção de impugnação ser apenas o acto deliberativo da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, mas o Partido já realizou uma segunda deliberação autónoma daquela e formalmente válida, o XIII Congresso Ordinário de 2021 continuaria em risco, por falta de convocatória do Presidente, de prazo legal para a sua convocação e demais pressupostos, na medida em que todos os actos preparatórios do certame foram praticados na constância da primeira deliberação.


A Comissão Política decidiu, no dia 28 de Novembro de 2021, deliberar sobre a convocação e data de realização do XIII Congresso Ordinário do Partido. Atento à informação vertida no comunicado da Comissão Organizadora, a fls. 316 dos autos, de que o conclave foi realizado dos dias 2 a 4 de Dezembro de 2021, é de concluir que a principal actividade de legitimação democrática dos órgãos de direcção central do Partido iniciou há escassos quatro (4) dias após deliberação saída da II Reunião Extraordinária da Comissão Política.


Este facto viola o princípio da organização e funcionamento democráticos dos partidos políticos, protegido pela Constituição, ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º, e pela Lei dos Partidos Políticos, nos termos das alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º, consubstanciando o facto de essa deliberação ter sido tomada no prazo constitucionalmente não respaldado, porque ferido de ilegalidade, gerando, assim, a nulidade absoluta da segunda deliberação da Comissão Política.
No âmbito do incumprimento dos Estatutos, este Tribunal verifica que o Requerido não realizou uma nova reunião extraordinária do Comité Permanente e o Presidente do Partido não convocou aí, por acto próprio, o Congresso, após deliberação da II Reunião Extraordinária da Comissão Política.


Por outras palavras, a formação política e seus respectivos órgãos singulares e colegiais de direcção “viraram às costas” aos seus próprios Estatutos, não observando o disposto no n.º 2 do artigo 27.º e na alínea d) do artigo 47.º do diploma estatutário.


Contudo, ainda que o Presidente tivesse convocado o XIII Congresso Ordinário de 2021 ouvida a Comissão Política na sua II Reunião Extraordinária, os quatro dias (de 28 de Novembro a 2 de Dezembro de 2021) que separam a data dessa segunda deliberação do dia de início do Congresso, são injustamente insuficientes para a realização dos processos de apresentação de candidaturas e de conferências provinciais a nível das 18 províncias do País, visando a eleição dos delegados.


O desfecho é, sem margem de dúvidas, a nulidade do acto deliberativo, não já quanto ao critério formal, porque a reunião contou com um quórum válido de membros efectivos e deliberou livre e democraticamente a convocação do evento, mas quanto aos critérios temporal da deliberação e da não omissão da convocatória, inconstitucionalmente não cumpridos pelo Partido Político.


Deste modo, entende este Tribunal Constitucional que o Partido Político UNITA violou, de forma expressa, o princípio da organização e funcionamento democráticos e o princípio das regras e critérios referentes à observação da democraticidade interna, previstos na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA e nas alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP, incluindo o incumprimento das disposições do n.º 2 do artigo 27.º e da alínea d) do artigo 47.º, ambos dos Estatutos aprovados no XII Congresso Ordinário de 2015, validamente aferidos e anotados.


Finda a apreciação dessas questões, este Tribunal, ao qual cabe administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, nomeadamente político-partidária, tem o dever legal de considerar o valor intrínseco do seu papel como guardião da Constituição, sopesando outros factores juridicamente relevantes ao decidir conflitos internos de partidos políticos, pois, trata-se de instituições que concorrem livremente para a formação e democratização da vontade popular e para a organização do poder político.


É que este Tribunal não pode descorar que a administração da justiça também pressupõe ponderar sobre a importância constitucional de não proferir uma decisão cujo prejuízo ultrapasse o bem (a lei, o direito) que a realização da justiça vise acautelar, sobretudo num ano como esse, o da realização das eleições gerais.
É também essa missão de ponderar que a Constituição confere a esta Instituição soberana através norma do artigo 174.º da CRA, ao proclamar que “os Tribunais são os Órgãos de Soberania com competência de administrar a justiça em nome do povo”.


No entanto, o substracto de decisões constitucionais de justo silenciamento da norma punitiva garante aos partidos políticos o privilégio de ver este Tribunal a valorar outros factores por intermédio da utilização de critérios formais em detrimento de causas subjectivas, porquanto esse tipo de ponderação deve se apoiar na interpretação e aplicação da Constituição e da lei, com o fim último de proteger o Estado democrático de direito.


Tratando-se de partidos políticos, o critério para a não declaração de nulidade dos seus actos deliberativos quando forem manifestamente contrários à lei e aos Estatutos não são a resistência dos seus militantes ao cumprimento do que é sentenciado jurisdicionalmente, mas o risco comprovado por factos idóneos e actuais de que, com essa decisão do Tribunal Constitucional, o Partido Político vai conhecer um profundo período de instabilidade interna e de difícil recuperação do seu funcionamento regular, uma ampla desvinculação em cadeia de membros, uma redução do número de filiados abaixo de 7500 militantes requeridos por lei para efeitos da sua inscrição em registo próprio nesta Corte, uma perda de delegações ou representações em pelo menos 2/3 das capitais de província do País e não atingir 0,5% do total de votos expressos nas eleições gerais, não podendo eleger, sequer, um deputado à Assembleia Nacional.


A maior parte dessas causas de ponderação integra, também, os motivos legais para a extinção de partidos políticos, previstos nas alíneas c), h) e i) do n.º 4 do artigo 33.º da LPP. Por isso, tais riscos de prejuízos que as decisões do Tribunal Constitucional possam causar devem ser constitucionalmente monitorizados, para que a democracia não seja prejudicada no que ao pluralismo de expressão e de organização política dizem respeito, conforme defende o n.º 1 do artigo 2.º da CRA.
Entretanto, torna-se claro que não existem motivos para admitir o que acima foi exemplificado como risco, muito menos relativamente ao processo eleitoral, uma vez que as eleições gerais de 2022 ainda não foram convocadas e, em consequência, os partidos políticos e coligação não se encontram em fase de recolha de assinaturas, apresentação de candidaturas ou campanha eleitoral.

 


Este Tribunal entrevê o carácter autónomo dos partidos políticos e o princípio democrático assume particular relevância. No que à autonomia diz respeito, a vontade livremente expressa dos militantes, dentro das regras e critérios estabelecidos nos estatutos do partido e na lei, deve ser um elemento forte de ponderação da intervenção jurisdicional, o que, visto de fora, se traduz no princípio da intervenção mínima de “órgãos estranhos” na vida dos partidos políticos e coligações.
Os Requerentes vieram impugnar o acto deliberativo da Comissão Político, associando a isso alegações sobre outras irregularidades que, como vimos, ocorreram e foram consideradas atentados às normas da Constituição, da lei e dos Estatutos do Partido UNITA.

 


A necessidade de respeito pela autonomia dos partidos políticos não pode limitar a competente função de administrar a justiça e tem sempre em linha de consideração que os actos dos órgãos partidários, que resultem em conflitos internos, por violação de normas constitucionais e estatutárias, podem ser considerados nulos, pelo que, com a declaração da nulidade, anular-se-ão, também, os demais actos dependentes, afectando, inclusive, o certame convocado pelo acto nulo, conforme determina o n.º 2 do artigo 201.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.

 


Sobre decisão idêntica, é jurisprudência firmada por este Tribunal Constitucional o Acórdão n.º 509/2018, de 16 de Outubro, sobre a invalidade da reunião do Comité Central da FNLA e de todos os actos deliberativos ali praticados; o Acórdão n.º 543/2019, de 16 de Abril, que declarou inválido o II Congresso Extraordinário da FNLA com base no caso julgado do Acórdão n.º 509/2018, que invalidou os actos deliberativos do Comité Central; e, muito recentemente, o Acórdão n.º 700/2021, que invalidou o processo de candidaturas do Partido Político UNITA e, em consequência, declarou sem efeito o respectivo XIII Congresso Ordinário realizado em 2019.

 

Este Tribunal constata que o Partido Político, ao praticar o acto deliberativo da I Reunião Extraordinária da Comissão Política, a 20 de Outubro de 2021, e ao aprovar o regulamento sem prazo, através de órgão sem competência para o efeito, violou os princípios da legalidade, da composição e competência dos órgãos, do compromisso pelo respeito à Constituição e à lei, da democraticidade interna e direito dos membros, previstos nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, do n.º 2 do artigo 177.º, ambos da CRA, e das alíneas c), f), l) e n) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP.


O Requerido, ao ter praticado o acto deliberativo da realização do XIII Congresso Ordinário na II Reunião Extraordinária da Comissão Política, datado de 28 de Novembro de 2021, isto é, quatro (4) dias antes do início do certame, e ao ter realizado o referido conclave sem a convocação do Presidente do Partido, sem os actos preparatórios de processos de candidaturas e eleição de delegados, violou o princípio da legalidade e o princípio da organização e funcionamento democráticos, protegidos no n.º 2 do artigo 6.º e na alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA, ambos da CRA, bem como não respeitou os princípios da supremacia interna dos Estatutos, da convocação vinculativa dos Congressos e da democraticidade interna, consagrados no n.º 1 e nas alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP.
A consequência directa da violação da Constituição e da lei é a declaração de nulidade do acto correspondente, por desconformidade com a Lei Fundamental, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 226.º da CRA, conjugado com o n.º 2 do artigo 6.º da CRA, que consagra o princípio da legalidade, devendo, por isso, os partidos políticos e coligações respeitarem todos os diplomas legais em vigor.


Ora, os n.ºs 1 e 2 do artigo 201.º do CPC, aplicável em virtude do disposto no artigo 2.º da LPC, determinam que “(…), a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (…)”.

Concluindo, é do entendimento deste Tribunal Constitucional que não colhem os fundamentos do Requerido com relação à legalidade do acto deliberativo da Comissão Política que aprovou a data e a convocação do XIII Congresso Ordinário, realizado nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021, dado ao facto de terem sido violados princípios e direitos protegidos pela Constituição, pela Lei dos Partidos Políticos e pelos Estatutos da UNITA, ferindo de nulidade todos os actos praticados e supervenientes.
Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DOS REQUERENTES, POR VIOLAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO, DA LEI E DOS ESTATUTOS DO PARTIDO, E DECLARAR SEM EFEITO O XIII CONGRESSO ORDINÁRIO DE DEZEMBRO DE 2021.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos de Março de 2022.

OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) __________________
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) _____________________________
Dr. Carlos Alberto Burity da Silva ___________________________________
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira _______________________________
Dr. Gilberto de Faria Magalhães _____________________________________
Dra. Josefa António dos Santos Neto _________________________________
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira ___________________________
Dra. Maria da Conceição Almeida Sango _____________________________
Dra. Maria de Fátima L.A.B. da Silva (Relatora) _______________________
Dr. Simão de Sousa Victor ________________________________________
Dra. Victória Manuel da Silva Izata __________________________________