Luanda - A investigadora Paula Cristina Roque lamentou que, ao fim de 20 anos de paz, Angola ainda não tenha feito a sua reconciliação nacional e defendeu que se deve promover um diálogo nacional sobre a identidade do país.

Fonte: Lusa

"O trabalho de diálogo nacional nunca foi feito e isto é mais relevante hoje do que nunca", disse em entrevista telefónica à Lusa a investigadora, autora do livro "Governing in the Shadows" sobre o Estado securitário em Angola.

O Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) assinaram em 04 de abril de 2002 um acordo de paz que pôs fim a 27 anos de guerra.

Vinte anos depois, "nunca houve conciliação", disse a consultora do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), sediado na África do Sul.

"Um ganhou, o outro teve de aceitar uma derrota e quem quis ser assimilado foi assimilado. Nunca houve um debate, um diálogo nacional de todos os povos, até os de Cabinda, que não se sentem angolanos" para debater "o que é a identidade nacional do país", argumentou.

Numa altura em que as sondagens apontam para uma eventual vitória da oposição nas eleições gerais de Angola, previstas para a segunda quinzena de agosto, Paula Cristina Roque disse que aqueles que não se reveem no projeto político do MPLA, no poder desde 1975, não se sentem representados por ele e sentem-se discriminados.

"Se a democracia funcionasse" as pessoas teriam resposta, nomeadamente eleger outro partido, "mas isso não acontece em Angola", lamentou.

Admitindo que as Igrejas tentam falar sobre as questões da reconciliação e da identidade nacional, assim como os jovens e a sociedade civil, a analista lamentou que isso não aconteça a nível político e disse esperar que isso ocorra em breve, se das eleições deste ano não sair "uma ditadura mais acentuada".

"Se o MPLA quiser sobreviver às próximas crises de uma forma real e se João Lourenço quiser ser lembrado com o legado do grande reformador de Angola, ele vai ter de abrir este diálogo", afirmou.

Num balanço dos 20 anos de paz, Paula Cristina Roque disse que Angola se tornou nos últimos anos uma democracia iliberal, em que existem os processos democráticos -- eleições, debates parlamentares -- mas não uma democracia real.

"Em Angola, temos uma democracia de fachada. Na realidade, é um sistema autoritário", disse a analista, afirmando que essa vertente autoritária se agravou depois das Primaveras Árabes, em 2011, o MPLA temeu "uma eventual Primavera angolana que nunca existiu nem tinha condições para existir".

Desde essa altura, considerou, o regime angolano foi-se tornando cada vez mais securitizado.

"Em tempos de paz, temos um sistema e um aparelho de segurança que consome mais do orçamento geral do Estado, com o maior número de unidades e de armas dentro do próprio sistema, do que em tempos de guerra", notou, considerando que isto revela "uma democracia que está em vias de falecimento", que está "a andar para trás".

Paula Roque reconheceu que depois da guerra, sob a liderança do então Presidente, José Eduardo dos Santos, houve um grande esforço de reconstrução, nomeadamente das infraestruturas, mas lamentou que isso não tenha sido acompanhado de um esforço para desenvolver o país e ajudar as populações, nomeadamente as mais rurais e as mais vulneráveis.

A falta de investimentos em agricultura e em indústrias não petrolíferas deixou o país "totalmente dominado pelos recursos minerais", que não são "facilmente capturadas por interesses a cleptocráticos", o que deu azo a "um vasto império de corrupção de elite".

A investigadora reconheceu que o Presidente angolano, João Lourenço, começou a combater a corrupção - se bem que de forma politizada - e iniciou algumas reformas económicas.

"O problema é que em Angola a política e a economia não se dividem e ele achou que poderia reformar a economia angolana sem reformar o estrangulamento político dessa própria economia nas elites", disse.

Devido a problemas estruturais que vêm da presidência de José Eduardo dos Santos, afirmou Paula Roque, a situação do país "foi piorando" e atualmente verifica-se "uma pobreza acentuada, uma pobreza multidimensional", com níveis de fome que já não se viam desde os tempos da guerra.

Segundo um relatório do Governo angolano, a seca nas províncias de Namibe, Huíla e Cunene tinha deixado, até dezembro, 1,32 milhões de pessoas em insegurança alimentar aguda, número que poderia chegar aos 1,58 milhões em março.

Para Paula Roque, "João Lourenço herdou uma situação muito complicada (...), que foi da autoria do Presidente anterior", mas ele "não conseguiu fazer uma reforma" porque muitas das pessoas na administração pertencem ao mesmo partido político "e o interesse em Angola é manter o poder, não é desenvolver o país".