Luanda - Pela terceira vez consecutiva, em pouco menos de três meses, o MPLA, partido que governa o país há mais de 46 anos, não consegue superar a casa dos 28 pontos percentuais no inquérito de intenção de voto, desenvolvido, desde Fevereiro deste ano, pelo Movimento Cívico Mudei — um conglomerado de organizações da sociedade civil e de individualidades que têm partilhado preocupações sobre o processo eleitoral angolano.
* Nok Nogueira
Fonte: IstoeNoticia
Além de perder, na esmagadora maioria dos quesitos, para o seu principal adversário político — a UNITA/Frente Patriótica Unida (FPU), que nas pesquisas conseguiu sempre conservar uma média de 49 pontos percentuais —, o partido no poder destaca-se no estudo por ser a preferência do eleitorado ‘Sem Escolaridade’ nos três ensaios até aqui realizados.
A pesquisa de opinião sobre o inquérito de voto é parte do projecto de monitoria eleitoral designado ‘JIKU’ (diminutivo de Jikulomesu, abre o olho, na língua nacional kimbundu), que usa como suporte um aplicativo tecnológico concebido para smarthphones, que permite, por um lado, ao inquirido observar uma demonstração de como funciona o mecanismo de votação e, por outro, “simular um acto eleitoral” sem quaisquer interferências dos inquiridores na hora de decisão.
O aplicativo é manuseado por um inquiridor que, na via pública, aborda os cidadãos eleitores, observando regras aleatórias pré-definidas no aparelho. Ao auscultar o público-alvo, o inquiridor insere a província e o município em que está a ser feita a recolha, o género, a idade e o nível de escolaridade da pessoa abordada. E mais: o inquirido deve igualmente responder à opção se votou em anteriores eleições.
Após seleccionar e preencher todos esses campos, o inquiridor entrega ao inquirido o aparelho de telemóvel para que este, de forma secreta, proceda à sua votação, aguardando até que o ecrã volte ao menu principal e só assim o devolve ao inquiridor, para permitir que este último não interfira na sua votação.
Da análise dos dados do inquérito
Para a realização do referido estudo, o projecto JIKU definiu, inicialmente, três grandes categorias e respectivas subcategorias, a saber: o Voto por Género (Mulheres e Homens), Voto por Nível de Escolaridade (Sem Escolaridade, Primário/Secundário, Médio e Superior) e Voto por Área de Residência (Rural e Urbana)’. Porém, uma carta categoria — Votando pela Primeira Vez — foi introduzida no último inquérito.
Em termos de análise dos dados apurados nesse terceiro inquérito, realizado no início do mês de Abril, é entre os elementos arrumados na categoria ‘Voto por Nível de Escolaridade’ nos quais são notáveis as grandes diferenças percentuais entre os dois principais adversários políticos, MPLA e a UNITA/FPU.
Em todas as categorias, foram inquiridos cidadãos maiores de 18 anos cujo nível de escolaridade vai desde a primária até ao ensino superior. E a todos eles foi colocada a seguinte questão: “Como votaria no caso de as eleições serem hoje?”
Se, por um lado, o MPLA é a preferência dos inquiridos na subcategoria ‘Sem Escolaridade’, obtendo 46,9% da votação contra os 32,7% da UNITA/FPU, fixando-se uma diferença percentual em relação ao seu mais directo adversário na ordem dos 14,2% dos votos; por outro lado, a maior diferença percentual nesse confronto directo atinge os 35,6% e dá-se a nível dos votos dos eleitores estudantes universitários ou diplomados, resultante dos 56,9% dos votos alcançados pela UNITA contra os 21,3% do MPLA. O chamado Voto de Protesto (no qual se inserem as abstenções, os votos em branco ou nulos) obtêm 8,2% e os demais concorrentes (CASA-CE, PRS, FNLA) 12,2%.
No plano urbano, na categoria ‘Voto por Área de Residência’, a diferença entre os dois principais partidos é também favorável à UNITA/FPU, que obteve 51,5% dos votos contra 24,9 do MPLA. Os demais concorrentes alcançaram atingem uma cifra na ordem dos 12,5% contra os 11,2% do Voto de Protesto. Neste quesito, a diferença percentual entre o MPLA e a UNITA/FPU é de 26,6%, a favor desta última.
O maior equilíbrio em termos percentuais entre os dois principais contendores da política nacional verifica-se na subcategoria Voto Rural, onde a diferença é de 1,7% a favor da UNITA/FPU, fruto dos 41,2% da preferência dos votos dos eleitores contra os 39,5% alcançados pelo MPLA. Os demais candidatos ficam com um valor na ordem dos 11% dos votos.
Um segundo equilíbrio, embora muito menos expressivo se comparado com o Voto Rural, verifica-se a nível da subcategoria Primário/Secundário, da categoria Voto por Nível de Escolaridade, onde, apesar de o percentual não ultrapassar a escala de um dígito, verifica-se uma diferença de 9,4%, com a UNITA/FPU a obter 41,9% dos votos contra os 32,5% do MPLA. Os demais concorrentes ficam com 14,3%, ao passo que o Voto de Protesto regista 11,4% das preferências dos eleitores.
Ao nível dos eleitores com o nível Médio de escolaridade, regista-se uma diferença percentual de 28,3%, sendo que 54,4% dos estudantes votam UNITA/FPU e 26,1% têm preferências pelo MPLA. Os demais partidos ficam com 11% da preferência dos votos e o Voto de Protesto com 8,5%.
Na votação por género, 42,9% das Mulheres votam UNITA/FPU, 31,5% preferem o MPLA, havendo uma diferença percentual entre os dois contendores de 11,4%. Os demais contendores ficam com 13,7% do voto das mulheres, ao passo que o Voto de Protesto obtém uma cifra na ordem dos 12%.
Nos Homens, a preferência volta a ser UNITA/FPU, com 53,9% da votação, contra os 26,2% do MPLA, estabelecendo-se uma diferença percentual entre os dois de 27,7%. Os demais concorrentes conseguem alcançar 10,8% dos votos e o Voto de Protesto 9,1%.
A metodologia usada no inquérito
Com uma população alvo constituída por todo o cidadão nacional com idade eleitoral, o estudo tem como objectivo “alargar a oferta de informação, com qualidade e rigor aos cidadãos”, oferecendo uma informação alternativa àquela que é disparada em direcção às massas com o fito de manipular a opinião pública nesses tipos de processos, em que está sempre em causa a hegemonia política.
O projecto JIKU, como se pode ler na sua metodologia, surgiu com o propósito de se investir na condução de estudos independentes de periodicidade mensal sobre a intenção de voto a nível nacional, tornando público os seus resultados tão-logo sejam validados e apurados.
O primeiro deste tipo de inquérito foi realizado em Fevereiro deste ano. A proporção a nível dos dados por cada província e município é a mesma que foi obtida no Censo Populacional de 2014, o que permitiu definir o universo de eleitores, respeitando-se, igualmente, a distribuição por género a nível nacional.
A forma de apuramento da amostra do projecto de monitoria eleitoral JIKU é inspirada em estudos realizados por empresas de sondagem, como a que usou, por exemplo, a renomada Gallup, em 2011, quando que fez em Angola um estudo para medir a popularidade do MPLA e do então líder José Eduardo dos Santos.
Neste sentido, o JIKU usa uma amostra de até 1000 indivíduos, com o objectivo de obter uma amostragem representativa de uma população alvo superior a 1 milhão, com uma margem de erro de 3%.
Para garantir que todos os indivíduos tenham as mesmas chances de fazer parte da amostra, foram definidos locais públicos muito frequentados (como mercados, paragens, filas de serviços) e também locais de menor frequência, com a finalidade de se alcançar uma amostragem probabilística estratificada, isto é, por sexo, município e faixa etária.
UNITA/FPU, MPLA e o Voto de Protesto
O universo dos três inquéritos até aqui realizados gerou um conjunto de dados que permite observar uma concentração da esmagadora maioria dos votos, na ordem dos mais de 89,2%, nas opções MPLA, UNITA/FPU e Voto de Protesto. O restante 10,8% dos votos é distribuído pelos demais concorrentes.
Por cada inquérito ou estudo, são mobilizados mais de 90 inquiridores que são espalhados por 102 municípios, ficando de fora 62, com um universo de votos válidos que varia entre os 700 e 890 eleitores por cada inquérito.
O Movimento Cívico Mudei e Parceiros
Fazem parte do Movimento Cívico Mudei as seguintes organizações da sociedade civil: Mosaiko, Handeka, Ambuila, Friends of Angola, Jango Cultural (Huambo), Rede de Activistas de Benguela e o portal Club-K. Além destas, existem ainda parceiros, como o Laboratório de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade Católica de Angola (LAB), Mbakita (Kuando Kubango), a Associação Ame Naame Omunu (ANO), do Cunene, Mentes Brilhantes (Bié), Soka Yola (Huíla), e outras associações em fase de legalização espalhadas pelo país, como a Mudar Viana (Luanda), Semente Solidária (Moxico), Yeto Mu Yeto (Zaire), Nhonga Kuluftwe (Lunda-Norte) e o portal !STO É NOTÍCIA.
Além destas organizações, existe um sem número de individualidades que dão suporte ao projecto na qualidade de membros.