Luanda - Os tempos são outros. Diferente de nos anos anteriores, hoje é cada vez mais notória a participação dos cidadãos na vida política do País, e o principal adversário do regime do MPLA, a UNITA, é mais intransigente. Mas, apesar de Angola caminhar para as quintas eleições multipartidárias, centenas de milhares de pessoas continuam a olhar para o processo eleitoral como prenúncio de instabilidade política e não como sinônimo de festa da democracia.

*Nelson_Francisco_Sul
Fonte: NJ

Embora, oficialmente, as eleições gerais ainda não tenham sido convocadas, há muito que os principais partidos políticos se têm desdobrado na «caça ao voto», apesar da legislação proibir a difusão de propaganda eleitoral antes do período estabelecido.


À medida que se aproximam as eleições, diversos outdoors espalhados nas principais artérias do centro de Luanda estampavam em letras garrafais: “JLO reeleito”. Não se sabe se a CNE terá sancionado o partido no poder por esta infracção, mas os anúncios propagandísticos acabariam por ser retirados, na sequência de uma carta do maior partido na oposição, endereçada à governadora de Luanda, para que agisse em “conformidade”.


Na carta datada de 14 de Setembro de 2021, assinada por Adalberto Costa Júnior, o líder da UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola) lembrava à governadora Ana Paula de Carvalho ser notória a “proliferação sorrateira, pelo território da província de Luanda, de abundante propaganda político-eleitoral, não disciplinada, com apelo ao voto no partido MPLA”.


Entretanto, dados compilados pelo Novo Jornal atestam que Adalberto Costa Júnior, que viu o Tribunal Constitucional anular o acto que o elegeu, pela primeira vez, presidente do partido fundado por Jonas Savimbi, tem infringido, igualmente, a legislação eleitoral, ao apelar de forma recorrente ao voto na sua pessoa e no seu partido, numa altura em que as eleições ainda não foram convocadas.


O MPLA, no poder há quase meio século, lançou, no passado dia 4 de Abril, a sua pré-campanha eleitoral na província do Cunene. A Lei nº. 36/11, de 21 de Dezembro, não proíbe a pré-campanha eleitoral, mas o evento acabaria por ficar enodoado por ter sido realizado justamente no dia em que se comemora a data da assinatura dos Acordos de Luena, que ditaram o fim do longo conflito armado.


O facto de João Lourenço ter optado por discursar no palco partidário, num dia de reflexão sobre os caminhos percorridos para o alcance da paz, foi interpretado por um diplomata sénior de um dos países nórdicos da Europa ocidental, como um claro sinal de que a estabilidade política em Angola está em xeque-mate, entenda-se, “em risco”.


“Não é problema do discurso, é o timing. Os políticos só conseguem fazer a diferença quando estão na condição de servidores públicos. Isso leva-nos ao problema da educação básica e da educação democrática das instituições. Tudo começa com uma educação de base”, comentou, o embaixador europeu, a quem pedimos uma opinião sobre o momento político angolano e como os investidores estrangeiros olham agora para Angola cinco anos depois da chegada do general de três estrelas ao poder: “Ainda têm muito medo do sistema de justiça”.


Um “ponto prévio” na página oficial do Facebook da Presidência da República a anunciar que, doravante, passará a promover João Lourenço como candidato do MPLA às eleições gerais de Agosto foi outro acontecimento que acabaria por manchar o início da pré-campanha eleitoral do “partido dos camaradas”, agravando as críticas que apontam para um “processo eleitoral vicioso” e utilização indevida dos meios públicos para fins partidários. Aliás, há três décadas de País multipartidário que a oposição vem acusando o MPLA de uso indevido dos meios do Estado, em benefício da sua campanha e dos seus candidatos a Presidente da República.


A parcialidade dos órgãos de comunicação social públicos permanece ‘inalterada’. A Televisão Pública de Angola (TPA), por exemplo, tem vindo a divulgar uma série de reportagens sobre as obras em curso e executadas no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), que o Governo de João Lourenço tem vindo a apresentar como trunfo eleitoral.


O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, lembra que a “história recente” de Angola “está cheia de exemplos infelizes de uma postura da media pública parcial, um dos quais a corrupção que se está a combater”. O responsável deixa, por isso, um apelo: “Uma média parcial não contribui nem para a democracia, nem tão pouco para a paz social”.


Apesar de Angola caminhar para as quintas eleições multipartidárias, centenas de milhares de pessoas continuam a olhar para o processo eleitoral como prenúncio de instabilidade política e não como sinônimo de festa da democracia. Nesta altura do ano, para além da crise económica que graça em Angola desde 2014, há cada vez mais cidadãos nacionais e estrangeiros residentes, sobretudo os que detêm capacidade financeira, que ponderam abandonar o País no período eleitoral.


O politólogo Olívio N'Kilumbu entende que só uma pessoa pode inverter este quadro de antevisão de caos que estimula a abstenção. “A Constituição faz do PR um super-homem e, por via de seus poderes, só ele pode apaziguar (essas) situações”, no sentido de transmitir confiança, sobretudo aos investidores.

Os tempos são outros. Diferente de nos anos anteriores, hoje é cada vez mais notória a participação dos cidadãos na vida política do País, e o principal adversário do regime do MPLA, a UNITA, é mais intransigente. O líder do ‘galo negro’, Adalberto Costa Júnior, goza de simpatia popular. “Quando o presidente do MPLA pede aos angolanos recuperação dos 20% perdidos em 2012 e 2017, sabe que está pela sobrevivência tanto no partido como no País”, observa N'Kilumbu.


Analistas consultados pelo Novo Jornal convergem na ideia de que, nos próximos 100 dias, a postura do Presidente, tanto nas vestes de Presidente cessante e como na candidato do MPLA, será determinante para o País que se pretende depois do mês de Agosto.