Luanda - É pena que um assunto tão sensível e delicado e de um grande impacto emocional tenha sido transformado em teatro político. E de mau gosto!

Fonte: Club-k.net


O 27 de Maio não foi um "azar" que aconteceu, foi uma ação deliberada a nível da estrutura superior do partido. O resto decorreu disso. A ideia do "descontrolo" é conversa para boi dormir! Foi um " descontrolo" produzido e induzido. As rádios e o o sinistro Jornal de Angola, sobretudo, foram os meios usados para espalhar o terror e o dito descontrolo. Nenhum outro acontecimento marcou tanto a nossa história política e a nossa psique coletiva como o terror do 27 de Maio! Nenhum outro partido no mundo, tirando Stalin com os membros do Partido Comunista e Idi Amin do Uganda, matou tantos membros do seu próprio partido como aconteceu no 27 de Maio. Curiosamente, a FNLA e a UNITA os arqui-inimigos do MPLA não mataram tanto e em tão pouco tempo militantes e militares do e afecto ao MPLA como ele fez com os seus. Não era um "nós contra eles", era um "entre nós"!


Era a geração que nasceu nos finais dos anos 40 e durante os 50 e que se beneficiou das reformas coloniais dos anos 60 e que em 1975, era a geração mais urbanizada, formada, cosmopolita, idealista dos últimos 170 anos da colonização. Era a mais politizada, e bem informada; universitários, funcionários públicos, jovens militares, jornalistas, artistas, futebolistas que foi toda enviada para a morte sem dó nem piedade. Era a nata e o luxo de que uma nação se pode orgulhar. Era a geração da transição entre os mais velhos que atravessaram o século com sofrimento e dignidade, enfrentaram as contingências do colonialismo na sua fase feroz e humilhante e, com cabeça erguida, investiram nos seus filhos como se diziam, para restaurar a dignidade do nosso povo! Mas estes filhos foram enviados para a morte pelo pós-independência! De forma mais cruel e indigna!


Alguns destes deixaram órfãos, viúvas que se perderam na miséria e na indigência embora os seus pais e maridos tivessem sido da classe média emergente.


Uns meses antes do 27 de Maio de 1977, uns mercenários tinham sido capturados. Sabe-se o que fazem os mercenários! Foram presos, tratados com respeito e dignidade, tiveram direito a advogados ( inclusive a associação internacional de advogados enviou representantes); os seus familiares assistiram aos julgamentos e os que foram mortos ( fuzilados) foram enterrados na presença de alguns familiares, inclusive alguns tiveram o direito da trasladação dos corpos para as terras de origem! O que aconteceu com as vítimas do 27 de Maio? Silêncio total durante 45 anos. Ao contrário dos mercenários, não houve julgamentos (o famoso 'não vamos perder tempo' do guia imortal); mesmo aqueles que se entregaram voluntariamente porque se sentiam inocentes foram torturados de forma mais cruel e hedionda e enterrados em valas comuns. Os familiares não podiam e nem deviam reclamar os corpos. Nem sequer sabiam se estavam mortos! O caso de uma amiga cujo pai foi levado de casa numa madrugada. Ela era uma menina! Viu o pai a ser arrastado pela porta fora. Cresceu com a esperança de ver o pai entrar pela mesma porta. Havia rumores espalhados pela DISA que o pai estava vivo e preso quando eles já sabiam que não. 45 anos depois aparecem uns ossos e lhe dizem, "olha este é o teu pai, vem cá chorar em frente das câmaras da TPA (digital!)".


Quando apareceu a oportunidade de se corrigir isso, fez-se de maneira desastrosa. A exumação de corpos faz-se de acordo com umas regras internacionalmente estabelecidas. As Nações Unidas têm equipas com experiência e tratam disso em diversas partes do mundo. Não é só a TPA e uma escavadora! Nem precisamos de inventar nada! Em geral convidam-se te equipas de medicina forense, antropólogos-forenses ( geralmente internacionais, porque não temos especialistas), os familiares - os mais próximos, e não os que se adequam à narrativa da campanha eleitoral - é algo delicado e sensível. Por exemplo, não se misturam numa comissão que trata destes assuntos, antigos torturadores e assassinas e as vítimas, sobretudo quando os torturadores não só não estão arrependidos e querem colaborar, como fazem gala, em 2022, dos seus feitos! " Voltaríamos a fazer mesma coisa"! Ou o fulano mereceu morrer."


O que seria um momento da reconciliação, introspeção, respeito e pacificação, tornou-se, para familiares de algumas vítimas, momento de angústia, stress e frustração.


A antiga ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, escreveu um artigo comovente no Novo Jornal: "em 45 anos, pais e irmãos, companheiras, envelheceram. Muitos pereceram sem repostas nem paz. Outros se conformaram e se remeteram ao silêncio envergonhado de uma culpa que lhes foi incutida por associação a um crime que não existe em nenhum compêndio penal: a ligação familiar a fracionistas."


Seria uma oportunidade de fechar este capítulo com verdade e entrega-la à história que, como diz a ex-ministra portuguesa, é uma missão nobre, que honra quem se decidiu a empreende-la". Haverá coragem para se empreender o caminho da verdade histórica e deixar que os "mortos descansem em paz" como cantou Teta Lando? Ainda vamos a tempo...haja coragem!