Luanda - Oito forças partidárias participam nas eleições gerais de 24 de Agosto, em Angola. Florbela Malaquias, líder do Partido Humanista de Angola, é a única mulher candidata ao cargo de chefe de Estado. Em entrevista à RFI, a advogada e antiga jornalista, explica que a sua candidatura pretende ajudar as mulheres angolanas, que continuam a ser as mais expostas à pobreza, e que também quer acabar com a bi-partidarização da vida política angolana.

Fonte: RFI

RFI: Porque decidiu apresentar a sua candidatura às eleições gerais marcadas para 24 de Agosto, em Angola?

Florbela Malaquias: Resolvi apresentar-me nestas eleições para tentar descomprimir o clima político em Angola. Anda-se muito em torno dos partidos tradicionais que não trazem inovações consideráveis para a vida dos cidadãos.

Tem um significado especial em ser a única mulher entre oito candidatos que representam as restantes forças políticas a participar nas eleições gerais?

Tem um significado especial porque, como sabe, aqui em Angola as mulheres são a maioria, mas as mulheres são as mais empobrecidas, as mais discriminadas. À medida que o tempo passa, a situação das mulheres vai-se deteriorando e isso impulsionou-me a criar o Partido Humanista. Para além de outras questões, quero prestar uma atenção especial à condição da mulher.


Nos seus comícios políticos promete acabar com a fome em Angola. Como pensa fazê-lo?

É muito simples acabar com a fome, tão simples como cultivar a terra. Somos um país muito extenso, temos muita terra fértil, muita água, Angola é rasgada por vários rios, mas não se trabalha a terra. Os cidadãos estão concentrados nos grandes centros urbanos e estão desempregados.

 

Que olhar tem sobre a forma como a fome está a ser gerida no país?

Está a ser mal gerida. Se há produtos que amadurecem em três meses não é necessário que as pessoas morram à fome. A questão da fome tem sido mal gerida porque não se produz e quando não se produz é impossível disponibilizar alimentos para as pessoas. Se as pessoas produzissem não seria necessário um terceiro para disponibilizar a alimentação, elas teriam os seus próprios alimentos.

 

A diversificação da economia angolana tem sido um termo recorrente, a sua aposta será no sector agrícola?

A minha aposta é na agricultura porque quando se produz um sector vai suscitar o outro. Temos de atacar aquilo que é vital para as pessoas e só quando tivermos suprido a base da Pirâmide de Maslow poderemos sonhar com outras coisas.

 

Considera que a aposta na agricultura será suficiente para criar os postos de trabalho que o país precisa?

Não é suficiente, óbvio que não! No entanto, tudo o que o país precisa é de ter as pessoas alimentadas.

 

Nesta altura, com a guerra na Ucrânia, com o país a ter dificuldade em exportar cereais, este pode ser o momento para o continente africano apostar na produção de cereais?

Não era necessário vermos a crise na Ucrânia para cultivar. Eu defendo sempre que a agricultura não pode ser a excepção, a agricultura tem de ser a regra. Porém, em Angola e em muitos países africanos, a agricultura está a ser a excepção. É por isso que estamos nesta situação de fome e de uma pobreza generalizada.

 

Qual é o projecto do seu partido para a área da saúde, um sector que ficou ainda mais fragilizado com a pandemia de Covid-19?

Na área da saúde precisamos de formar técnicos de saúde, para poderem fazer a cobertura de todo o país, fabricar ou importar medicamentos e material hospitalar. No país existem alguns hospitais capazes de dar resposta [às necessidades da população], mas não temos medicamentos.

 

Qual será a sua resposta para as greves recorrentes dos profissionais de saúde no país?

A minha resposta será simples e passa pelo aumento dos salários. Os profissionais de saúde têm salários de miséria, não há técnicos suficientes e eles são obrigados a triplicar ou quadruplicar o tempo de trabalho. Eles têm toda a razão em fazer greves porque o país tem recursos suficientes para lhes atribuir salários dignos.

 

O seu partido prevê "aprofundar a democracia e reformar as instituições''. A reforma da Justiça será uma prioridade?

Claro que sim! A Justiça em Angola nunca se faz em tempo útil, tem uma morosidade muitas vezes letal e as pessoas que acorrem aos tribunais não veem os seus problemas resolvidos. Precisamos olhar para este sector com bastante atenção, pois são modelos antigos que não estão a responder até ao crescimento populacional.

 

Em Angola, a questão de Cabinda e das Lundas continuam a ser uma questão tabu. Que solução prevê para estas duas províncias?

O problema dessas províncias, as exigências dessas províncias, estão associadas à má distribuição dos recursos [petróleo e diamantes] e se houvesse uma boa distribuição não haveria tantas reivindicações. O nosso partido defende um diálogo construtivo e profundo para identificar aquilo que está na base da reivindicação da autonomia, de forma a encontrar um meio termo que satisfaça os cidadãos dessas províncias, evitando a desagregação da unidade territorial.

 

Considera que Angola deveria regressar aos sistema político de eleições presidenciais por sufrágio universal directo?

Eu considero que sim, isso resolveria muitas questões.

 

Pensa estarem reunidas as condições para que os observadores eleitorais possam trabalhar no terreno?

Desta vez estarão melhor reunidas, não direi a 100%. Todavia, aquilo que é suficiente para o acompanhamento das eleições, para que sejam satisfatórias, acho que sim.

 

O seu partido foi criado há três meses tendo obtido a legalização pelo Tribunal Constitucional, o que não aconteceu com outras forças partidárias. tem sido algumas as vozes que acusam o partido de querer apenas dispersar votos nas eleições de 24 de Agosto. O que responde a estas acusações?

Essas acusações não têm fundamento. Posso dizer que houve uma retenção do nosso processo de legalização por parte do Tribunal Constitucional. Se tudo tivesse obedecido à lisura exigível, nós teríamos sido reconhecidos [como partido] no ano passado. Quanto à dispersão de votos, cada um quer puxar os votos para si e é óbvio que aquele que está com o foco na vitória acha-se desconfortável com mais alguém na arena de jogo. Esse tipo de narrativas acontecem e nós queremos mesmo ganhar as eleições.

 

Acredita que será a próxima Presidente da República de Angola?

Tudo indica que sim, até pelo número de mulheres que estão encantadas com esta candidatura. Há também muitos homens, de boa fé, que defendem que precisamos de uma mulher no governo de Angola para ver se organiza melhor o país, que está caótico.